segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Disney Killer (RJ)

Foto: divulgação

Estranho, difícil e complicado

                “Disney Killer” estreia no Rio de Janeiro, colecionando pontos de vista, tanto aqui como em São Paulo, de onde a peça vem, bastante controversos. Embora haja quem elogie efusivamente (e Bárbara Heliodora é um exemplo), adjetivos como “difícil”, “complicado” ou “diferente” são os que mais facilmente se encontram em textos publicados sobre a montagem dirigida e interpretada por Darson Ribeiro, a partir de texto traduzido também por ele. O original, “The Pitchfork Disney” (pitchfork significa tridente, ancinho) foi escrito e lançado em 1991 pelo britânico Philip Ridley (1964), artista de muitas facetas: romancista, dramaturgo, roteirista e fotógrafo principalmente. No caso desse texto, o primeiro que ele escreveu e um de seus mais famosos, o preciosismo está na construção expressionista de uma situação dramática contemporânea. E, justamente por não ter trazido essa concepção da versão literária para a tradução cênica é que a montagem em cartaz no Teatro Sérgio Porto mantém escondidos e de difícil acesso os seus reais valores.

No teatro expressionista, o público vê (teatro significa “lugar de onde se vê) a partir da lente “torta” do protagonista que, antes de mais nada, vê-se a si próprio. Sua visão é distorcida porque sofre grande influência das emoções, essas um misto de frustrações e desejos, esperanças e melancolias. O personagem Presley Stray, o centro da narrativa, é o irmão gêmeo de Haley. Ambos têm 28 anos e vivem sozinhos em uma casa em Londres, dez anos após o desaparecimento dos pais (Não se sabe se morreram, se um dia existiram, como deixaram de estar junto dos filhos, assim como não se têm certeza alguma sobre datas ou demais resquícios de relação temporal). O desfoque está no fato de que tanto ele, como sua irmã, se comportam como crianças, embora tenham a visível sensualidade de adultos; a casa parece grande e solitária, embora esteja em Londres; o mundo parece destruído, embora nada disso, de fato, tenha acontecido. Os diálogos são longos e cheios de imagens (confusas) advindas de pesadelos que retornam constantemente. Há chocolates e remédios para dormir, baratas pelos cantos, medo. A situação é movediça, escorregadia, ardilosa. Ridley parte de um contexto aparentemente bastante doentio, colocando-o em choque com um outro aparentemente bastante sadio. É quando Presley, seduzido pela imagem que vê pela janela, traz para dentro um homem que estava passando mal em frente a sua casa. O homem tem um brilhante casaco vermelho e vem do show biz. Cosmo Disney ganha a vida, junto com seu sócio Pitchfork Cavalier, entre outras coisas, comendo baratas vivas. O que vemos desses dois outros personagens também está desfocado: homofobia, força, beleza são elementos deformados mais para menos ou mais para mais. Saúde e doença se confundem, bem como adultez e infância, verdade e mentira: em que mundo, afinal, podemos acreditar? Em sua montagem, Darson Ribeiro erra por não desfocar. E seu erro, na verdade, uma decisão estética, oferece menos possibilidades de relações do que poderia, dificultando os sentidos de acontecer plenamente.

Em “Disney Killer”, as interpretações são realistas (ou seja, não desfocadas), assim como cenário e figurinos, embora, numa análise desses últimos elementos, seja possível encontrar outras felizes referências. Ribeiro (Presley) e Samantha Dalsoglio (Haley) mantém uma retórica que beira ao choro infantil, chegando, em alguns momentos, ao melodrama entediante, porque não cômico. Felipe Folgosi (Cosmo), porque seu personagem dá movimento para o texto de Ridley, oferece menos tédio, usufruindo de mais possibilidades que lhe favorecem: os gestos pontuais, a dicção perfeita, a movimentação segura. Alexandre Tigano (Pitchfork), em sua minúscula participação, oferece movimentos bruscos e desajeitados que, fosse a concepção da montagem mais próxima do expressionismo, seriam bastante positivos se não estivessem sufocados por construções que, infelizmente, tanto tentam estar próximas do real além da narrativa. O resultado do trabalho de interpretação é confuso, estranho e, aí sim, difícil e complicado. O texto escrito não lhes cabe nem na boca, nem no corpo, resultando uma experiência fruitiva bastante controversa.

Claudio Hanczyc se aproxima do realismo quando constrói uma casa com geladeira, mesa e sofás, xícara com pires, armário com gavetas, tapete e poltronas confortáveis, mas acerta, rebelde à concepção equivocada, nas cortinas sem janelas. Os figurinos de Cássio Brasil são realistas quando vemos ternos bem costurados e limpos, mas fazem sentido quando encontramos pijamas muito mais longos que as estaturas de Presley e Haley. A trilha sonora de Dráuzio é explicativa, estando a última canção o seu pior momento. Assinada por Guilherme Bonfanti, a iluminação ilumina o que tem que iluminar, negativamente comportada.

O mundo absurdo porque incompreensível proposto por Ridley é apenas palavra nas bocas dirigidas por Darson Ribeiro, sem encontrar nos corpos e nas cenas correspondentes a teatralidade que ela espera. Aqui Ridley é retórica e, por isso, permanece sendo grande literatura, enquanto o teatro é “estranho, difícil e complicado”.

*

Ficha técnica:

Texto: Philip Ridley
Direção Geral e Tradução: Darson Ribeiro
Elenco: Darson Ribeiro, Samantha Dalsoglio, Alexandre Tigano e Felipe Folgosi
Cenografia: Claudio Hanczyc
Iluminação: Guilherme Bonfanti
Figurinos: Cássio Brasil
Trilha: Dráuzio
Preparação Corporal Gustavo Torres
Programação Visual: André Moia
Fotografia: Lufe Gomes
Acompanhamento Psicanalítico: Márlio Vilela Nunes
Preparação de Atores: Mirtes Mesquita

Um comentário:

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