terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Pequenas violências - silenciosas e cotidianas (RS)

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Foto: divulgação


Janaina Pelizzonm, Rafael Guerra, Cassiano Ranzolin,
Liane Venturella e Rodrigo Mello


O indivíduo e a sociedade: a convivência com o outro

“Pequenas violências - silenciosas e cotidianas” é um dos mais novos espetáculos da Cia. Stravaganza. Escrito por Kike Barbosa, o texto recebeu, em 2011, o Prêmio Ivo Bender de Dramaturgia promovido pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre em parceria com o Instituto Goethe. No final de 2013, foi levada à cena com direção do seu autor e recebeu nove indicações ao Troféu Açorianos de Teatro Gaúcho, levando para casa o prêmio de Melhor Dramaturgia. No mesmo ano, ganhou também os Prêmios Brasken em Cena de Melhor Espetáculo e de Melhor Ator para Cassiano Ranzolin. Todas essas honrarias fazem jus à ótima encenação que tem, no elenco, além de Ranzolin, os atores Rafael Guerra, Rodrigo Mello, Janaina Pelizzonm e Liane Venturella, todos em ótimos trabalhos. Há um destaque positivo ainda para trilha sonora de Paulo Arenhart. A produção, que trata sobre os posicionamentos violentos na particularidade de cada indivíduo, fez três apresentações na última semana do 19o Porto Verão Alegre na sala Álvaro Moreyra.

Dramaturgia premiada
A dramaturgia é constituída como um quebra-cabeça. Diversos personagens anônimos têm suas histórias iluminadas pelo recorte: há um desempregado em busca de uma nova colocação, um senhora negra com um cachorro, uma prostituta, um homossexual, um motorista de ônibus, um pastor evangélico,... Todas essas figuras povoam o universo uma das outras ainda que só de passagem. Não são necessariamente pessoas, mas vozes, sons, cheiros, imagens que lhes atravessam e lhes incomodam. Em “Pequenas violências – silenciosas e cotidianas”, parece interessar um ponto de vista do ecossistema que revela não apenas a fauna, mas o quanto cada um se sente incomodado pela presença do outro. E principalmente o modo como essas individualidades contaminadas vão se organizando em teia através da qual tem a audiência uma visão do conjunto.

Escrito por Fernando Kike Barbosa, o texto se apresenta a partir quase inteiramente de frases soltas, de pequenos solilóquios pelos quais se adentra a mente de cada um dos personagens. Há pouquíssimos diálogos, quase nenhuma fala muito longa. Tudo aparentemente é orquestrado para ser metáfora de uma sociedade compartimentada em que as relações não unem, mas paradoxalmente auxiliam na desunião. Ao leitor, fica em primeiro lugar o desafio de perceber as prováveis conexões entre os microcosmos, e em segundo lugar de notar que algo explosivo está para acontecer a partir desse encontro.

O maior mérito da dramaturgia é reconhecer que ela oferece os instrumentos necessários para a conversa entre a encenação e a audiência. Fica claro o que o espetáculo quer e é interessante entrar no jogo de unir as peças e ver o que vai acontecer. No entanto, talvez a encenação proposta pelo próprio autor do texto não colabore sempre tão bem com a fruição do espetáculo.

Ótimo trabalho de elenco
Em termos da encenação, “Pequenas violências - silenciosas e cotidianas” propõe uma experiência estética rara e, por isso, bastante interessante. Ao longo dos setenta minutos de apresentação, o público fica diante de um espetáculo quase inteiramente às escuras. Em poucos momentos, os atores são vistos de corpo inteiro, mas ainda, sim, em fundo escuro e infinito. Na maior parte da peça, os intérpretes iluminam partes de si próprios com o uso de pequenas lanternas. A opção estética pontua o interesse do quadro em ser metáfora não para seres humanos propriamente ditos, mas para relances superficiais de suas imagens. É isso, talvez exatamente, o que temos das pessoas anônimas com quem cruzamos na rua. Além disso, a escuridão que domina o palco também pode opinar sobre as trevas do interior de cada um em seus posicionamentos mais secretos contra o próximo.

No entanto, as intenções interessantes da proposta, em certa medida, trazem um certo desconforto à audiência. Não se trata apenas de se estar diante de uma peça às escuras, mas também de uma experiência pouco clara. A partir do momento em que se reconhece que há um acontecimento capaz de ligar boa parte dos personagens, parte-se para a descoberta do que isso vai gerar. Só que, no palco, tudo permanece escuro e o espectador, que tateia na dramaturgia em busca do fim, também tateia no espetáculo em busca de como ele vai terminar. Há, no mínimo, três aparentes ápices falsos que alongam a sessão, levando o público a um sufocamento. A sensação acaba por encher a peça de responsabilidade de modo que se cobra do palco mais do que ele tem para oferecer. Sai-se do teatro com a certeza de que se experimentou uma atividade peculiar, mas nem tão incrível quando talvez pudesse ter sido.

Não há destaques no elenco, mas positivamente todos os trabalhos são cheios de ótimos valores. A partir de movimentação com marcas muito reduzidas, o elenco explora bem as entonações por meio das pausas e dos contornos como recursos superexpressivos. Liane Venturella e Rodrigo Mello têm excelente dicção e isso ajuda muito na compreensão do que eles dizem. Rafael Guerra brilha na interpretação do desempregado pelo modo como disponibiliza seu corpo para a desesperança do personagem. Em todos os sentidos, os atores são hábeis em colaborar com a proposta estética do espetáculo, vencendo o desafio de trabalhar na escuridão e com máxima discrição.

Sobre a convivência
“Pequenas violências - silenciosas e cotidianas” se destaca ainda pela excelente trilha sonora de Paulo Arenhart. De toda a sessão, participaram sons que colaboraram na construção do espaço urbano, impessoal, mas vivo da rua. Com habilidade, investiu-se tanto no universo público como no privado, estabelecendo ótimo jogo entre os dois opostos e, mais do que isso, incluindo a peça como espaço de reflexão acerca da convivência humana. Aplausos!

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Ficha Técnica:
Elenco: Cassiano Ranzolin, Janaina Pelizzonm Liane Venturella, Rafael Guerra e Rodrigo Mello
Figurino: Coca Serpa
Iluminação: O Grupo
Arte Gráfica: Ariel Aguiar
Trilha Sonora: Paulo Arenhart
Direção:Fernando Kike Barbosa
Produção: Cia Stravaganza
Foto: Vilmar Carvalho
Classificação: 14 anos


























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