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Foto: Claudio Louro
O elenco reunido |
“Bataclã” é o bom espetáculo que, ao lado de “Abalou, um musical funk”, comemora os 30 anos do Grupo Nós do Morro. A montagem, como é de costume, valoriza a cultura da comunidade do Morro do Vidigal, na zona sul do Rio de Janeiro, celebrando parte de seus valores, de sua estética e de sua memória. O texto de Luiz Paulo Corrêa e Castro, monótono em vários momentos, tem o mérito de apresentar uma casa onde diversas histórias de variados personagens se dão, celebrando o espaço como lugar de cruzamento de muitas vidas e de suas realidades. A direção de Fernando Mello da Costa perde oportunidades de ressaltar os aspectos mais positivos do todo. No elenco formado por doze intérpretes, Sabrina Rosa, Luís Delfino e Melissa Arievo se destacam positivamente. O espetáculo estreou no fim de setembro e sua primeira temporada, no Espaço SESC Copacabana, acabou no último dia 29 de outubro. Outra está para começar no Teatro Serrador, no centro da capital fluminense.
Na dramaturgia, uma nova versão realismo naturalismo
O Bataclã, lugar onde a narrativa se passa, é o protagonista da história mais do que qualquer outro personagem. Por isso, talvez, esse seja o nome da peça, que se passa durante os anos 70, no Morro do Vidigal. Trata-se de uma casa onde algumas pessoas moram e outras estão passagem que é testemunha de tudo o que lhes acontece. Berê (Melissa Arievo) e César (Luís Delfino) parecem exercer alguma liderança sobre os demais. A diretora de teatro Maria Vohic (Lorena Baesso) acabou de chegar ao Brasil vinda de Nova Iorque, trazendo consigo um olhar crítico sobre nosso país. Rocha (Helio Rodrigues) é alguém que lhe acompanha. Brasinha (Hugo Alves), Augusto (Marcello Melo), Zé Roberto (Renan Monteiro), Mário (Eduardo Bastos) e Animal (Wendel Barros) são alguns rapazes frequentadores. Marcela (Sabrina Rosa) e Maninha (Juliana Melo) são duas irmãs que sempre estão por ali também. Coração-de-Mãe (Sandro Mattos) é um policial amigo do grupo.
Entre os personagens, há um universo potente de diferenças. Tem aqueles politicamente mais identificado com a esquerda e outros mais com a direita e há quem pouco trata do tema. Em termos sociais, há quem é machista e quem apoia relações mais igualitárias entre homens e mulheres. O gosto pela música popular brasileira une todos em um só coro, mas, durante a peça, em vários momentos, eles discutem uma divisão entre si acerca dos seus lugares de origem. Quem é do alto do morro, do centro, de baixo, de fora e quem é de fora mas está morando lá são algumas divisões que aparecem.
Desse modo, a dramaturgia de Luiz Paulo Corrêa e Castro, melhor lida por uma atualização de um naturalismo a la Raul Pompeia ou a la Aloísio Azevedo, se organiza a partir, em primeiro lugar, de uma influência do meio na construção da identidade de cada personagem e, depois, da ratificação dessa pela oposição entre uns e outros. Em outras palavras, embora seja possível perceber uma curva dramática, não é ela o mais importante. Daí uma sensação de monotonia que faz a peça parecer muito maior do que é apesar de seus méritos.
Dentre as micronarrativas possíveis de serem evidenciadas, estão: a paixão de Animal por Berê, no que movimenta todo o grupo na organização de uma serenata a fim de conquistá-la, e o amor de Berê por Augusto; os problemas de Marcela com as mulheres do bairro por causa de seu comportamento com os homens e o conflito entre ela e Brasinha; as oposições políticas entre Zé Roberto e Coração-de-Mãe, e as diferenças de todo grupo em relação a Mário. Como episódios que aparecem, se resolvem e se sucedem, esses entrechos se articulam e fazem “Bataclã” atravessar o tempo. O problema se dá no interior de cada um.
Lá pelas tantas, quando o espectador percebe que não há um conflito principal, mas apenas uma articulação entre várias pequenas histórias, a macronarrativa cansa. Isso se dá porque não há perspectiva. Passados noventa minutos desde o início, a peça poderia durar mais quinze minutos bem como três horas. E isso é muito prejudicial ao trabalho como um todo, pois faz recair sobre os outros elementos além da dramaturgia um desafio difícil de transpor. Esse é, feitos os elogios, o único problema do texto de “Bataclã”.
“Bataclã”
A palavra bataclã, hoje em dia, se refere popularmente a um bordel (atualmente um centro cultural) de Ilhéus, na Bahia, aberto em 1864, onde vários acontecimentos importantes da obra do escritor baiano Jorge Amado (1912-2001) acontecem. Destaca-se o romance “Gabriela, cravo e canela”, de 1958, que foi tornada telenovela pela Rede Globo em 1975 e que ganhou nova versão em 2012.
Na história do teatro carioca, vale lembrar da importância do jornal “Ba-Ta-Clan”, uma revista satírica com relatos sociais, de celebridades e com críticas teatrais (e políticas) célebre por dar relevância ao que acontecia principalmente entre o público (essencialmente masculino) e as atrizes do Teatro Alcazar Lyrique. Esse café-concerto, que funcionou entre 1859 e 1880, ficava na atual Rua Uruguaiana e era endereço certo de produções sobretudo francesas de teatro de revista (vaudevilles) que passeavam por aqui ou que da França inspiravam montagens brasileiras com a mesma estética. A publicação, dirigida por Charles Berry, foi veiculada entre 1867 e 1871 e seu título se referia à opereta homônima, de 1855, de Jacques Offenbach (1819-1880), e ao teatro onde ela estreou, esse que foi aberto em Paris, em 1865 e que está em funcionamento lá até hoje.
A companhia do Teatro Ba-ta-clan, dirigida por Madame Benedicte Rasimi (1874-1954), apresentou vários de seus espetáculos no Brasil entre 1922 e 1923 e durante 1926 no Theatro Lyrico (onde hoje está a Estação Carioca do Metrô). Eles fizeram tanto sucesso por aqui e sua passagem é considerada marco redefinidor do gênero teatro de revista no país.
Belas vozes femininas
A direção de Fernando Mello da Costa nem valoriza os méritos da dramaturgia, nem resolve seus problemas. Em cena, o grupo de intérpretes dribla os entraves da descrição do tempo, apresentando, de um modo geral, uma encenação toda virada para frente, o que não realça o naturalismo do texto. Em resumo, os diálogos são defendidos e há boas construções, mas “Bataclã” não revela qualquer complexidade que desperte para uma reflexão mais profunda. É só exposição que serve de desculpa para belas canções originais e do repertório popular brasileiro.
Há bons trabalhos de interpretação. Sabrina Rosa (Marcela), Luís Delfino (César) e principalmente Melissa Arievo (Berê) se destacam positivamente no conjunto pelo modo como mantêm as cenas vivas e interessantes. Eles fazem ótimo uso do corpo e da voz, aproveitando bem as oportunidades que a dramaturgia reserva aos seus personagens. A parte feminina do elenco apresenta excelente trabalho na interpretação das canções, elevando positivamente a qualidade do espetáculo em termos estéticos. São afinadas, têm voz forte e dicção clara e empenham graça e beleza na viabilização dos números musicais. A direção musical e a trilha sonora original são assinadas por José Luiz Rinaldi.
Quanto aos demais elementos, pode-se dizer que há boas colaborações isoladas, mas sem nenhum momento relevante sobretudo se se pensar no todo. Os figurinos de Kika de Medina apresentam matriz realista, indo em linha diversa à cenografia de Fernando Mello da Costa, essa toda composta por engradados de cerveja empilhados. A luz de Renato Machado se esforça em criar quadros imagéticos mais bonitos, mas sem muito sucesso talvez devido à confusão da conversa entre guarda-roupa e ambientação.
Celebração da memória do Morro do Vidigal
O maior mérito de “Bataclã” é o esforço da montagem de preservar parte da memória do Morro do Vidigal. Na divulgação, consta que a peça se baseia em um lugar que realmente existiu na comunidade e que, para muita gente, tem importância afetiva. Quem não conhece e valoriza sua história talvez não seja tão digno do presente e muito menos do futuro. Por isso, eis aí um bom motivo para aplaudir mais esse espetáculo do Grupo Nós do Morro.
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FICHA TÉCNICA
Texto: Luiz Paulo Corrêa e Castro
Direção: Fernando Mello da Costa
Elenco/Personagem:
Eduardo Bastos: Mário Mamãe
Hélio Rodrigues: Rocha
Hugo Alves: Brasinha
Juliana Melo: Maninha
Lorena Baesso: Maria Vohic
Luís Delfino: César
Melissa Arievo: Berê
Marcello Melo: Augusto
Renan Monteiro: Zé Roberto
Sabrina Rosa: Marcela
Sandro Mattos: Coração-de-mãe
Wendel Barros: Animal
Direção Musical e Trilha Sonora: José Luiz Rinaldi
Figurinos: Kika de Medina
Cenografia: Fernando Mello da Costa
Designer de luz: Renato Machado
Direção de Movimento: Marcia Rubim
Preparação Corporal: Vanessa Garcia
Técnica Vocal: Leila Mendes
Instrutora de canto: Gabriela Geluda
Operação de luz: Lívia Ataíde
Costureira: Cláudia Ramos
Produção Executiva: Tatiana Delfina
Direção de Produção: Dani Carvalho
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