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Foto: divulgação
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Mariana Lima, Emílio de Mello, Debora Bloch e Fernando Eiras |
Os ótimos trabalhos de interpretação, o figurino de Ticiana Passos e o cenário de Daniela Thomas e de Camila Schimidt salvam “Os realistas” de ser um espetáculo mais monótono do que é. A peça foi escrita pelo norte-americano Will Eno, o mesmo de “Ah! A Humanidade e Outras Boas Intenções”, e estreou na Broadway em 2014, ficando em cartaz por lá por menos de sete meses. A montagem brasileira, produzida por Debora Bloch e por Alessandra Reis e dirigida por Guilherme Weber, tem no elenco Emílio de Mello, Fernando Eiras, Mariana Lima além de Bloch. Cheia de diálogos difíceis e pseudo-inteligentes, a história é sobre dois casais que, em uma cidade pequena, iniciam uma amizade. Em cartaz no Teatro Poeira, em Botafogo, a peça fica em cartaz até 27 de março.
Uma comédia existencialista pouco cômica e quase nada existencial
“The realist Joneses” (que quer dizer mais ou menos “Os Silvas Realistas”) começa quando Pônei e José Silva (Debora Bloch e Emílio de Mello) invadem o pátio de Júlia e João Silva (Mariana Lima e Fernando Eiras). Eles acabaram de se mudar para a casa da frente e, na pequena cidade, passarão a ser vizinhos. Os dois casais têm mais ou menos a mesma idade, sem filhos e são relativamente estáveis. Na primeira cena, fica claro que o que os diferencia sobremaneira é o modo como eles se comunicam entre si: Júlia e João (Jennifer e Bob Jones, no original) quase não falam um com o outro enquanto Pônei e José (Pony e John Jones) aparentemente mantêm uma conversa mais animada. Nas palavras do autor, é a comunicação que distingue os homens dos animais, tese que por ele próprio será esquecida ao longo do texto.
Ao longo de duas horas na montagem brasileira (a americana durava 90 minutos), Will Eno apresenta regularmente um jogo de palavras que exibe a sua habilidade com a escrita. Sem pausa, o diálogo se constitui de perguntas e de repostas sendo que as segundas não apenas correspondem às primeiras, mas, através da ironia, estabelecem novas situações comunicativas. O problema é que a indecisão entre um questionamento mais existencial (e abstrato) e a tentação de apresentar uma história de trocas de casais permite que as falas lacônicas, muito literárias e pretensiosas levem o público à exaustão.
Tendo Eno sido comparado honrosamente a Beckett, “Os Realistas” distancia seu autor dessa qualidade. O texto, fora o fato da história acontecer em uma cidade do interior, também não tem nada de Tchekhov. Talvez a identificação de uma sutilíssima descrença, por vezes mais parecida com um cansaço, na construção dos personagens, possa aproximá-los da estética dos autores irlandês e russo, mas aí já seria um elogio grande demais. O fato deles verbalizarem reflexões de toda ordem em conversas cheias de medo de parecer banais não lhes dá também a chance de efetivamente ganhar o rótulo de existencialista.
Ótimos trabalhos de interpretação
Exatamente como as críticas apontam na versão original, os ótimos trabalhos de interpretação fazem com que o texto pareça mais interessante. Debora Bloch, Emílio de Mello, Fernando Eiras e Mariana Lima, no lugar de Marisa Tomei, Michael C. Hall, Tracy Letts e de Toni Collette, conseguem deixar ver por aqui algumas piadas no modo ágil com que dizem as falas, articulam as pausas e as intenções e com que reagem ao que é visto e ouvido.
O mérito maior deles, porém, está no fato de vencerem em conjunto o desafio de habitar nas pantanosas construções de Eno nessa peça sem recorrer ao mais fácil. Os personagens não têm questões dramáticas claras, embora feitas algumas sugestões delas para o mínimo de história conseguir atravessar o tempo. Voltando à análise da dramaturgia, em um simplório jogo de oposições, eles se aproximam (dois convivem com doenças degenerativas por exemplo) e se distanciam (há quem tenha medo de sangue, há quem se atraia pelo cuidado do outro), mas propriamente nenhum faz de sua personalidade combustível para ir adiante. São os atores, em viva colaboração ao texto, quem garantem esse sutil movimento.
Cenário e figurino colaboram com os valores do espetáculo
O figurino de Ticiana Passos e o cenário de Daniela Thomas e de Camila Schimidt fazem o palco parecer algo interessante de se ver ao longo da encenação. Em uma riqueza de detalhes que eleva bastante a qualidade estética do espetáculo, contribuindo muito para o seu sucesso, o guarda-roupa e os objetos (a produção de objetos é de Rafael Faustini) oferecem profundidade que, em vários momentos, acabam por parecer vital. A iluminação de Beto Bruel, mas principalmente o sempre excelente desenho de som de Andrea Zeni são outros pontos que, ao lado do trabalho do elenco, “fazem desse limão uma limonada”.
Depois de destacar as interpretações e todos os elementos estéticos do texto espetacular, o elogio à direção de Guilherme Weber, assistido por Verônica Prates, é um tanto quanto óbvio. Afinado com o autor talvez mais do que ninguém no país, Weber garante que as reflexões que Eno vem produzindo cheguem ao Brasil, o que é valoroso. Oxalá, sem ufanismo nem xenofobia, ele também valorizasse a dramaturgia brasileira contemporânea, ou mesmo latina. Oxalá muita gente aliás.
FICHA TÉCNICA
Texto
Will Eno
Tradução
Ursula de Almeida Rego Migon e Erica de Almeida Rego Migon
Direção Geral, Adaptação e Trilha Sonora
Guilherme Weber
Elenco
Debora Bloch, Emílio de Mello, Fernando Eiras e Mariana Lima
Cenografia
Daniela Thomas e Camila Schmidt
Figurinos
Ticiana Passos
Iluminação
Beto Bruel
Direção de Produção
Alessandra Reis