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Foto: Marcos Mesquita
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Christiane Torloni e Bianca Tadini |
Uma dispensável caricatura de Maria Callas
Depois de 20 anos, “Master class”, escrita pelo norte-americano Terrence McNally, recebe sua segunda montagem no Brasil. A primeira foi protagonizada por Marília Pêra (1943-2015) e a atual está sendo por Christiane Torloni. O espetáculo, que é dirigido por José Possi Neto, não resolve qualquer dos problemas da dramaturgia que já foram apontados pelo mundo em todos os lugares onde a peça foi produzida desde a estreia em 1995 na Broadway. Baseado no livro “Callas at Juilliard: The Master Classes”, de John Ardoin (1987), e na coleção de discos lançados pela EMI, o texto traz a cantora lírica Maria Callas (1923-1977) dando aulas de canto para alguns jovens cantores. De forma bastante empobrecedora, a personagem aparece aqui castigada pela visão superficial em uma narrativa linear, simplória e meramente comercial. As participações de Bianca Tadini (Sophie), Leandro Lacava (Anthony) e de Julianne Daud (Sharon), interpretando os alunos, têm algum mérito. Ao longo de duas horas, eis uma visão grosseira da La Divina, mas principalmente com vários problemas da ordem da construção do espetáculo. Apesar dos ótimos momentos de Torloni nos dois solilóquios, a produção em cartaz no Teatro Clara Nunes, no Shopping da Gávea, até 6 de março, é uma má opção na grade carioca.
O abandono dos fatos reais e das possibilidades narrativas do texto
Entre 1971 e 1972, Maria Callas ministrou 23 aulas de 2horas cada uma para 25 alunos por ela selecionados dentro de um universo de 300 inscritos. As “master classes” aconteceram no auditório da Juilliard School, uma escola de artes em Nova Iorque nos Estados Unidos. Esses momentos foram gravados em áudio (hoje estão no Youtube!) e transcritos. Os registros inspiraram várias obras, entre elas o texto de Terrence McNally. Os problemas na dramaturgia não impediram que o espetáculo chamasse a atenção do público e da crítica, que valorizaram as interpretações de Zoe Cadwell (Callas) e de Audra McDonald (Sharon). As duas receberam os troféus Tony de Melhor Atriz e Atriz Coadjuvante e a peça o de Melhor Espetáculo em 1996 na Broadway dentre outras menções honrosas. No mesmo ano, dirigido por Jorge Takla, o espetáculo teve uma versão brasileira protagonizada por Marília Pêra que fez muito sucesso no Brasil na ocasião.
No texto, McNally mistura Maria Callas com outras duas cantoras líricas, a italiana Renata Scotto (1934) e a americana Leontyne Price (1927), reforçando a imagem de diva temperamental e escandalosa de La Divina. O objetivo é vergonhosamente comercial. Para a história ser vendável, o dramaturgo superficializou a personagem, esforçando-se infelizmente em apagar muitas marcas de humanidade. Com as gravações disponíveis ao grande público, o fato original nem apresenta uma Callas grosseira, egoísta ou presunçosa, nem permite supor que sua sanidade estava comprometida. Na peça, um trecho imenso de Callas (Christiane Torloni) falando sobre a importância de se ter um “look” é apenas um comentário rápido em uma das gravações. O escândalo da personagem por uma almofada e um banquinho para ficar mais confortável também não aparece.
Apesar dessas questões, o texto não é de todo ruim. McNally transformou os 25 alunos em apenas 3: Sophie De Palma (Bianca Tadini), Anthony Candolino (Leandro Lacava) e Sharon Graham (Julianne Daud). A primeira canta uma ária de “La Sonnambula”, de Bellini. O segundo canta uma de “Tosca”, de Puccini. A terceira de “Macbeth”, de Verdi. O melhor momento é o número de “Medea”, de Cherubini. Nele a orquestração dramatúrgica de McNally passa a ficar mais legível. Ao longo de “Master Class”, os trechos das óperas sutilmente deixam ver nuances do quanto a história da grande Callas ainda pulsa na então professora em suas aulas. Em “La Sonnambula”, por exemplo, está a culpa de Callas por ter abandonado seu primeiro marido e amigo G. B. Meneghini. “Recondita armonia”, a primeira música de “Tosca”, é um hino de amor à arte, atividade que transformou uma pobre adolescente americana refugiada na Grécia - gorda, feia e com pais separados - em uma das maiores estrelas do século XX. Em “Macabeth”, mas principalmente em “Medea”, está a abnegação de Callas a Aristóteles Onassis, seu maior amor, que a havia trocado por Jacqueline Kennedy em 1968.
A direção de José Possi Neto não ressalta qualquer dessas sutis propostas do texto, mas, ao contrário, valoriza o exagero, a piada, a caricatura. Em ritmo deveras monótono, o espectador sai com a impressão de que a ordem de aparição dos alunos na dramaturgia poderia até ser invertida dado que nenhum deles parece fazer a história andar. Afogada na empáfia, na mágoa e na insegurança, a Callas de Possi parece uma bruxa sádica e sem humanidade.
Torloni com méritos em dois trechos
Comportados, os atores apresentam trabalhos de interpretação modestos, com honroso empenho nos números musicais, esses que vêm sem qualquer conexão viva com a narrativa nessa versão do espetáculo. Sophie (Bianca Tadini) é uma jovem sensível e amedrontada por estar diante de La Divina. Tony (Leandro Lacava) é um sedutor deslumbrado com vontade de ser famoso. Sharon (Julianne Daud), o melhor papel entre os alunos, tem personalidade e coragem para desabafar o que pensa no melhor momento do texto de McNally. Há ainda o pianista Emanuel Weinstock (Thiago Rodrigues) sem destaque. E o histriônico Assistente de Palco (Thiago Soares), que faz uma participação pequena ainda que carismática.
Christiane Torloni, talvez envolvida com a pobre concepção da personagem que lhe foi oferecida pelo texto e pela direção, tem méritos principalmente nos dois solilóquios que a dramaturgia lhe oferece. Nesses breves momentos, a intérprete exibe suas habilidades já notórias e faz de “Master Class” algo menos pior.
Venda a preço baixo
O cenário de Renato Theobaldo é inadequado. Apesar do texto ser claro em lembrar de que a história não se passa em uma sessão de espetáculo, mas em uma sala de ensaios, o que se vê em cena é uma estética que foge completamente dessa situação. A rede branca que cai em diagonal, funcionando como falsa rotunda, fica ainda mais prejudicial com a luz de Wagner Freire colorindo a opção com tons fortes e afastando o todo da proposta dita pelos próprios personagens. O figurino de Fabio Namatame & Claudeteedeca brinca com a emoção dos alunos por estarem diante da diva e apresenta fielmente a protagonista em relação ao contexto fonte.
“Master Class” vende Maria Callas a preço muito barato infelizmente.
PS.: Carece o programa do espetáculo de uma minuciosa revisão de língua portuguesa.
*
Ficha técnica:
Texto: Terrence McNally
Direção de Cena: José Possi Neto
Direção musical: Maestro Fabio G. Oliveira
Elenco:
Christiane Torloni
Julianne Daud
Bianca Tadini
Leandro Lacava
Thiago Rodrigues
Thiago Soares
Jayana Gomes Paiva (stand-in)
Cenário: Renato Theobaldo
Iluminação: Wagner Freire
Design de som: André Luis Omote
Figurinos: Fabio Namatame & Claudeteeca
Visagismo: Fabio Namatame e Sergio Gordin
Vídeo cenário: Bijari
Diretora de Produção: Julianne Daud
Produção Executiva: Lis Maia
Produção: Elza Costa e Fabio Hecker
Assistente de Produção: Alessandra Kosta
Assistente de Direção de Cena: Vanessa Guyillén
Assistente de Iluminação: Alessandra Marques
Designer Gráfico: Ebert Wheeler
Assessoria de imprensa: Liège Monteiro e Luis Fernando Coutinho
Produção Geral: Julianne Daud e Fabio G. Oliveira
Realização: Maestro Entretenimento