sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Inútil a chuva (RJ)

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Foto: Mauro Kury e João Gabriel Monteiro

Patrícia Selonk, Andressa Lameu, Leonardo Hinckel e Tomás Braune

O novo excelente espetáculo da Armazém Companhia de Teatro

O excelente “Inútil a chuva” é o mais novo espetáculo da Armazém Companhia de Teatro. Com belo texto do diretor Paulo de Moraes e de seu filho Jopa Moraes, o espetáculo narra a história de uma família que procura se manter unida após o desaparecimento do pai. No elenco, Marcos Martins, Amanda Mirasci, Patrícia Selonk, Andressa Lameu, Tomás Braune e Leonardo Hinckel tem trabalhos de atuação cuja força, sensibilidade e cuidado destacam a produção na grade teatral carioca. A peça fica em cartaz até 31 de janeiro no Teatro da Fundição Progresso na Lapa. Deve ser vista!

Uma das melhores dramaturgias de 2015
Na história original escrita por Paulo e por Jopa Moraes, a personagem Lotta (Patrícia Selonk) e seus três filhos - Slavoj (Leonardo Hinckel), Claude (Tomás Braune) e Sarah (Andressa Lameu) – se esforçam para levar a vida adiante após o misterioso desaparecimento do marido e pai da família. Quando sumiu, ele era um pintor sem sucesso, apaixonado pela esposa e apegado à ideia da morte. “Inútil a chuva” começa em um dia de verão com a mãe e os demais remando no lago onde há quem diga que o pai teria se afogado. O esporte é mantido como meio deles permanecerem juntos, unidos, fieis às suas existências apesar dos acontecimentos.

A chegada da jornalista Vivian (Amanda Mirasci) ocorre ao mesmo tempo em que as velhas histórias começam a ser questionadas. Com o tempo, os quadros antes ignorados passaram a despertar interesse do mercado de arte de maneira que a figura do pintor deixa de ser importante apenas dentro do universo particular da família e adquire notoriedade. Esse movimento traz outro personagem: Mathias, amigo do pintor desaparecido a quem lhe foram presenteadas algumas telas hoje valiosas.

Além do modo como a narrativa habilmente se descortina com cuidado, anunciando uma potencialidade que de fato será conferida, a dramaturgia de “Inútil a chuva” tem mérito no modo como articula seu conteúdo. Na construção dos personagens, a figura ausente do pai é perseguida por Slavoj, renegada por Claude e cada vez mais viva em Sarah. E é através de Lotta que o espectador pode perceber tudo isso. Vivian e Mathias, como a plateia que entra nessa história aos poucos, são de fora do ambiente familiar. Para eles, que acabam por ser o contraponto dos demais personagens, vale o artista com e sem o esplendor de sua fama.

Na estrutura, porém, está o maior valor do texto de “Inútil a chuva”. As cenas flertam com o cerne da questão: beliscam o âmago da história e fogem em seguida para parábolas, reflexões sobre arte, lógica matemática, e se ocupam da descrição do universo de cada personagem. O movimento excita a atenção do público, aguça o interesse, anuncia valor e meritosamente o apresenta. Tendo estreado no fim de outubro de 2015, essa é uma das melhores dramaturgias originais que estrearam no ano passado no Rio, sem dúvida.

Grandes interpretações
No que diz respeito às interpretações e às construções das cenas, a peça não fica em nada a dever para o belo texto. Todos os trabalhos de interpretação são positivos. Marcos Martins marca com força a fraqueza moral de seu personagem em uma atuação que revela um Mathias simplório e quase bobo. Amanda Mirasci (outrora Amanda Vides Veras) consegue o nobilíssimo feito de dar alguma cor para a sua Vivian, que entra na história por acaso, sai de mansinho e acaba por ser marcante. A excelente Patrícia Selonk, em novo grande trabalho, concentra, na apresentação de sua Lotta, um pouco da personalidade de cada filho e possivelmente muito do pai, personagem que não aparece, mas em torno do qual toda a história gira. Vibrante!

Destacam-se, em “Inútil a chuva”, as interpretações de Andressa Lameu (Sarah) e de Tomás Braune (Claude), mas principalmente a de Leonardo Hinckel (Slavoj), esse no melhor trabalho de sua jovem mas sólida carreira. O trio apresenta exuberantes momentos no detalhe de cada cena: da ironia à graça, do ódio à sensualidade, do medo à coragem. Contraditórias, íntegras e vivas, suas colaborações permitem o texto saltar à cena e ao mundo palpável.

Méritos da direção de Paulo de Moraes
A cenografia de Paulo de Moraes e de Carla Berri, bem como o figurino de Rita Murtinho e o desenho de luz de Maneco Quinderé colaboram para “Inútil a chuva” em enormes movimentos. A utilização de poucos elementos sobre os quais vasta potencialidade de sentido se garante dá ao todo ritmo sem prejuízo da força. O palco se dá em forma de galeria, isto é, o público se senta de um lado e doutro do espaço cênico de maneira que, além da cena, a plateia também vê a si mesma do outro lado. A direção de Paulo de Moraes, assistida por Lisa Eiras, que articula todos os méritos já apontados nesse espetáculo, também está nessa opção. Ela convoca a reflexão melhor que a maneira à italiana. Merece elogios também a direção musical de Ricco Vianna.

A história de um filho que, de alguma forma, é impulsionado a descobrir como perdeu o pai não é original. Em “Inútil a chuva”, o mais bonito é perceber o quanto o não aparecimento de fantasma algum exige que eles assumam a responsabilidade por suas próprias tragédias pessoais. E, acalmados, continuem a remar apesar de qualquer desventura. Aplausos!

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Ficha Técnica
Direção :: Paulo de Moraes | Dramaturgia :: Paulo de Moraes e Jopa Moraes | Elenco :: Patrícia Selonk, Andressa Lameu, Leonardo Hinckel, Tomás Braune, Marcos Martins e Amanda Mirasci | Iluminação :: Maneco Quinderé | Cenografia :: Paulo de Moraes e Carla Berri | Figurinos :: Rita Murtinho | Direção Musical :: Ricco Viana | Design Gráfico: João Gabriel Monteiro e Jopa Moraes | Produção de Vídeos :: João Gabriel Monteiro | Assistente de Direção :: Lisa Eiras | Técnico de Montagem :: Regivaldo Moraes | Preparação Corporal :: Maíra Maneschy e Patrícia Selonk | Produção Executiva :: Flávia Menezes | Produção: Armazém Companhia de Teatro |