segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Chacrinha, o musical (RJ)

Foto: divulgação

Stepan Nercessian interpreta o Velho Guerreiro


A volta de Chacrinha


“Chacrinha, o musical” vence o desafio somente porque aposta no certo. Com texto de Pedro Bial e de Rodrigo Nogueira, direção musical e arranjos de Delia Fischer e com direção geral de Andrucha Waddington, a nova grande produção da Aventura Entretenimento oferece ao público o esperado: a alegria caótica do “Cassino do Chacrinha”. A justaposição de sucessos da música popular, a boa imitação de Stepan Nercessian para o Velho Guerreiro, o cenário e o figurino colorido e as coreografias das 14 “Chacretes” garantem o divertimento do público que há de continuar lotando o Teatro João Caetano, no centro do Rio, até março de 2015. É um sucesso que deve ser visto e aplaudido sem preconceitos, mas que, sem dúvida, pode gerar reflexão.

Se o teatro carioca ainda não entendeu, já deveria ter entendido que o mal das dramaturgias de musicais biográficos é menos dos dramaturgos contratados e mais das autorizações das biografias. Em todos os espetáculos desse tipo, os descendentes parecem ter barrado qualquer crítica mais profunda ou suposição mais criativa acerca da vida dos homenageados. Ou seja, a falta de um conflito realmente consistente que embase a luta de forças opostas superficializa as narrativas na medida em que enche de responsabilidade o simples desenrolar linear dos fatos das vidas públicas dos homenageados. Quase não se falam em drogas nas peças sobre Elis Regina e sobre Cássia Eller. Tim Maia é vítima do alcoolismo e Cazuza da AIDS. Não há sexo nos musicais sobre Agnaldo Rayol, Clara Nunes, Emilinha e Marlene, Marlene Dietrich e sobre Clementina de Jesus e assim por diante. Em comum, todos esses roteiros são uma colagem de músicas célebres do personagem título que embalam a narração de suas vidas, começando pela infância até chegar à fase adulta, terminando com a coroação de suas carreiras. Resta aos dramaturgos, nesse formato, pouca ou nenhuma liberdade infelizmente. Quem perde é o público que, embora tenha honradamente aplaudido a vida do artista, saiu do teatro com quase nada além de entretenimento. “Chacrinha, o musical” não foge à regra.

Os dois atos da peça de Pedro Bial e de Rodrigo Nogueira são unidos pelo encontro entre o personagem real e uma aparição, mas as justificativas desses encontros não estão claras. Na primeira parte, o jovem Abelardo Barbosa, interpretado por Léo Bahia, sofre a influência de uma figura lendária representante da literatura popular de cordel, interpretada por Stepan Nercessian. É ela quem inspira Abelardo a seguir seus passos em direção à fama, mantendo intocável o destino de comunicador das massas. No segundo ato, o encontro se dá entre Chacrinha (Nercessian) e o fantasma da sua juventude (Bahia), lembrando o Velho Guerreiro de suas origens, sem deixar que ele perca o compromisso com a audiência. Assim, refletindo sobre a dramaturgia do espetáculo como um todo, de um lado, se o destino de Abelardo Barbosa estava traçado, o sucesso não é mérito seu. De outro, se a ansiedade causava em Chacrinha tanto mal à sua saúde, então o fantasma da juventude não era anjo, mas algoz. Ou seja, a dramaturgia primeiro enfraquece o personagem, pois se pauta pelo determinismo. Depois, não esclarece os efeitos do excesso de autocrítica que possivelmente levaram o personagem ao falecimento. Sem elos realmente consistentes que situem o protagonista nas cenas das quais faz parte, esse Chacrinha boia molemente em contextos em que tudo menos ele é importante.

Andrucha Waddington, que estreia na função de diretor teatral, articula com relativa fluidez os cenários grandiosos de Gringo Cardia, os figurinos vibrantes de Claudia Kopke, o medley festivo de Delia Fischer - composto por mais de 60 canções do repertório regional e pop - e as coreografias pungentes de Alonso Barros de forma a engolirem a dramaturgia cambaleante, oferecendo 150 minutos de uma explosão de alegria. “Chacrinha, o musical” representa bem o conceito caótico que aproximava sensualidade, graça e arte popular em uma fórmula que deu certo por mais de 30 anos sob a liderança do insubstituível Velho Guerreiro na televisão. O espetáculo é divertido, porque revive o palhaço Chacrinha, personagem ainda querido pelos brasileiros, e seu amor ao povo de todas as idades, faixas sociais e origens do Brasil.

Fora a habilidade bastante meritosa de Stepan Nercessian em imitar Chacrinha em detalhes mínimos, principalmente na viabilização das rimas e do tom carismático bem específico do Velho Guerreiro de falar, não há destaques no elenco composto também por Léo Bahia (Abelardo Barbosa), Saulo Rodrigues (Boni), Érika Riba (Florinda), Paula Sandroni (Mãe), Milton Filho, Mariana Gallindo, Chris Penna, Luiza Lapa, por Renan Matos entre outros. No geral, o resultado é positivo porque sem desníveis. Com vitalidade, o elenco representa bem os muitos personagens que vêm simbolizar um conjunto de épocas da cultura popular nacional no rádio e na TV, cumprindo bem o que parecem ter sido as intenções da produção quanto ao espetáculo.

“Chacrinha, o musical” tem ainda o mérito de fazer reviver várias épocas da música brasileira e um tempo em que, embora o regime militar restringisse os direitos ou ainda que o próprio costume social fosse restrito, parece que havia mais liberdade nas formas de expressão. Como as outras homenagens, essa é bem-vinda.

*

Ficha técnica
Texto – Pedro Bial e Rodrigo Nogueira
Direção – Andrucha Waddington
Direção de movimento – Alonso Barros
Direção Musical e Arranjos – Delia Fischer
Direção de arte e cenografia: Gringo Cardia
Figurino – Claudia Kopke
Design de som – Carlos Esteves
Desenho de luz – Paulo César Medeiros
Casting – Marcela Altberg

Elenco – Stepan Nercessian, Leo Bahia, Stephanie Serrat, Erika Riba, Mariana Gallindo, Saulo Rodrigues, Mateus Ribeiro, Livia Dabarian, Luíza Lapa, Leilane Teles, Paula Sandroni, Paulo de Melo, Chris Penna, Laura Carolinah, Milton Filho, Diego Campagnolli, Renan Mattos, Gabriel Leone, Tadeu Freitas, Patrick Amstalden, Pedro Henrique Lopes e Beto Vandesteen.

Realização – Aventura Entretenimento

5 comentários:

  1. Acho que o crítico não entendeu bem o espetáculo. Não por ele ser difícil pois não é. Não há fatalismo no primeiro ato nem autodestruição no segundo. A dualidade retratada refere - se ao fato de Abelardo Barbosa ter transtorno bipolar (era diagnosticado e tratado como retratado em cena - na época tratado com a nomenclatura vigente: maníaco-depressivo). Isso é falado e mostrado no espetáculo. Não sei se houve preguiça ou se a vontade de falar mal falou mais alto. Mas vc poderia assistir novamente pra ver se entende!

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  2. Concordo com o Rodrigo... Esses musicais são todos a mesma coisa de sempre... Tanta coisa pra falar sobre o Chacrinha...

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  3. Espetáculo que merece ser visto diversas vezes!

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  4. Acho uma injustiça não considerar a atuação do ator Leo Batista, ele estava maravilhoso.
    Telma

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