quarta-feira, 19 de novembro de 2014

Nômades (RJ)

Foto: divulgação 
Andréa Beltrão, Malu Galli e Mariana Lima


Mais simples do que parece

Nômades”, novo espetáculo dirigido por Márcio Abreu, está em cartaz no Teatro Poeira, em Botafogo, com Andréa Beltrão, Malu Galli e com Mariana Lima no elenco. Na história, escrita em processo colaborativo com Patrick Pessoa, três mulheres se despedem de uma amiga que se suicidou. A peça tematiza o quanto a falta de alguém redimensiona a importância que damos para as pessoas, para a gente mesmo e para as coisas, se apresentando como uma avaliação sobre um modo de levar a vida. Do ponto vista estético, talvez o mais interessante do espetáculo seja o jeito como ele se relaciona com o público: quanto mais “Nômades” se afasta da plateia, mais ele dela se aproxima. Eis um bom motivo para reflexão.

Não se sabe o nome de qualquer uma das três personagens, tampouco o da quarta por cuja morte elas estão de luto. São atrizes, porque estão produzindo uma peça. Idades, esferas sociais, orientação sexual, estado civil nem qualquer outra informação atravessa o palco em direção à plateia. Nesse sentido, interpretadas por Andréa Beltrão, Malu Galli e por Mariana Lima, essas figuras essencialmente fluídas, sem contornos claros nem formas definidas, se apresentam como uma metáfora do que o espetáculo, de um modo geral, defende: se aqui estamos agora, pode ser que, em breve, não estejamos mais. Então, é preciso conviver e dividir a vida pode ser melhor que vive-la. Lá pelas tantas, uma cena deixa isso claro. Sentada no chão, uma personagem pergunta às demais: “Vocês estão me vendo?” “Sim”, respondem as outras. “E agora?”, pergunta novamente depois de se movimentar alguns centímetros para trás. “Sim”, dizem reparando que a sombra já cobriu parte do corpo da amiga antes mais visível. O diálogo continua até que, de quem pergunta, reste em cena apenas a voz. Estar não é garantia de estar para sempre.

Diferente do que diz o programa, esse recheado de textos argumentativos de várias ordens, “Nômades” é mais sobre o movimento do que sobre o luto. De um modo geral, a existência de figuras não basta para a viabilização de uma narrativa, pois, fora o fato de serem amigas, não está clara a relação entre a pessoa que se suicidou e as que permaneceram vivas. A representação de tipos diferentes de luto e de reações diversas na ausência súbita ficam em segundo plano em cada nova cena, porque a amizade, a importância de uns na vida dos outros, os momentos de celebração são os sentidos que pairam em sua totalidade no quadro. “Nômades” fica bom primeiro quando o público sente que foi (e está sendo) divertido para aquelas pessoas fazerem o espetáculo, esse fechado em si, e depois melhor quando desperta a vontade de se ter amigos, de se ter alguém com quem viver o momento presente, esse sim em constante movimento.

Os números musicais (canto, dança e dublagem), de choro e de tensão, as cenas de bebedeira e os momentos mais solenes convidam o público a refletir sobre a importância de não se estar totalmente sozinho. Com direção de movimento de Marcia Rubin, as interpretações de Andréa Beltrão, Mariana Lima e de Malu Galli são positivas ao colorir esses níveis diferentes de viver cada situação, preenchendo o palco de forma vibrante, porque criativa. Em conjunto, é bom ver suas figuras atravessarem juntas campos tão diversos ao longo da encenação bem dirigida por Marcio Abreu. Os figurinos de Cao Albuquerque e de Natalia Duran exploram o preto que caracteriza o luto, mas também fazem graça nas cenas de Donna Summer, de Maria Bethânia e de Amy Winehouse positivamente. O desenho de luz de Nadja Naira, o cenário de Fernando Marés e o visagismo de Lu Moraes constroem quadros de bom gosto que não negam a aridez do tema e de sua forma de trata-lo, mas dão à produção elegância e carisma. O mesmo faz a direção musical de Felipe Storino.

“Nômades” parte de vários temas difíceis como o luto ou como o movimento e a apreensão do lugar na personalidade do indivíduo para chegar à construção de uma estrutura narrativa-dissertativa que descreve a beleza da amizade e a força vital para os seres humanos. É bem mais simples do que parece. E isso não é ruim.

*

Uma peça de Marcio Abreu e Patrick Pessoa com colaboração de Andréa Beltrão, Malu Galli, Mariana Lima e de Newton Moreno

Com Andréa Beltrão, Malu Galli e Mariana Lima

Direção de Marcio Abreu

Direção de movimento: Marcia Rubin

Cenário: Fernando Marés e Marcio Abreu

Iluminação: Nadja Naira

Figurinos: Cao Albuquerque e Natália Durán

Música: Felipe Storino

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