sábado, 8 de novembro de 2014

Adorável Garoto (RJ)

Foto: divulgação
Isaac (Michel Blois) no centro do quadro


Um espetáculo sobre a perda da beleza

“Adorável Garoto”, com texto de Nicky Silver, é uma peça sobre a falência da sociedade em transmitir qualquer lição de moral às novas gerações. E sobre a perda da beleza que isso causa. Como quem monta um quebra-cabeças, o público vai identificando possíveis relações entre os personagens e, na medida em que o quadro vai se fechando, mais o abismo vai se abrindo. Com direção de Maria Maya, em cartaz na Sala Mezanino do Espaço Sesc Copacabana, o espetáculo está entre aquelas montagens que sugerem reflexão na mesma medida em que oferecem entretenimento de altíssimo nível. Com Michel Blois, Isabel Cavalcanti, Leonardo Franco, Raquel Rocha e com Mabel Cezar no elenco, a peça fica em cartaz até 16 de novembro. A ver! 

Mesmo autor de “Pterodátilos”, de “Criados em Cativeiros”, de “Homens gordos de saias” e de “Os Altruístas”, Nicky Silver é um autor norte-americano conhecido pelo seu humor ácido, pelos seus diálogos sofisticados e por seus temas reveladores. Para o autor de “Beautiful Child”, escrita há dez anos, beleza talvez seja justamente o que é porque é também intocável. 

Na história, o filho Isaac (Michel Blois) volta para a casa de seus pais, Harry (Leonardo Franco) e Nan (Isabel Cavalcanti). Ele já tem mais de trinta anos, é pintor e professor de arte em uma escola para crianças, mas pediu demissão. O caso envolve um garoto de oito anos, Victor, por quem Isaac se apaixonou. A peça começa com Délia (Raquel Rocha) fazendo sexo oral em Harry, mas ele lhe adverte em seguida de que não abandonará sua esposa para ficar com ela. Nan sabe das aventuras sexuais do marido, mas também não se separa dele, enterrando-se cada vez em mais no álcool e nos antidepressivos. A psiquiatra Dra. Hilton, que atendeu Isaac quando esse ainda era criança, reaparece confessando a sua contribuição relapsa na formação moral do protagonista. Com habilidade, Nicky Silver, traduzido por Roberto Bürguel e adaptado por Gustavo Klein, pergunta com quais padrões éticos e morais pode a sociedade julgar um crime como o de Isaac. 

A direção de Maria Maya, com assistência de Álvaro Chaer, não investe no humor negro célebre de Silver, mas mantém a atenção do público através do ritmo bem sustentado das cenas. Os quadros se articulam de forma bastante fluída. Há a tensão na relação entre as figuras e há a poética na viabilização das imagens, com destaque para Délia sentada no banco externo da casa de Harry, para Dra. Hilton na plateia e para a oposição final entre Isaac e os demais. Há principalmente o cuidado em apresentar o tema e o contexto em redor dele, narrando com a delicadeza que uma dramaturgia dessa complexidade requer. 

Essa montagem de “Adorável Garoto” tem ainda o mérito dos bons trabalhos de interpretação. Michel Blois dá a ver um Isaac sensível e ingênuo, mas que não é bobo. Leonardo Franco e Isabel Cavalcanti revelam um casal sem intimidade, mas que ainda se apoia. Raquel Rocha constrói Délia com o lirismo de uma Macabeia e Mabel Cezar, talvez a única figura concebida a partir de sua comicidade, reforça a frieza prática de uma terapeuta que também tem seus problemas pessoais. 

O desenho de luz de Adriana Ortiz é melhor quando aproveita o cenário de Ronald Teixeira. A casa transparente, com livre comunicação com o resto do palco, e o ciclorama contribuem mais com o quadro quando se vê o sol escaldante penetrando pelo acrílico sem cor. A direção de arte, através das oposições entre cores (o azul e verde versus o bordô e o marrom) e texturas (a madeira e o acrílico) e entre roupas de inverno e de meia estação formam um quadro bonito, mas não tão facilmente justificável. Em todos os elementos, se requer uma audiência atenta.

Com exceção dos laços sanguíneos entre o filho e seus pais, nada une esses personagens que hora vemos lado a lado. O que faz, então, com que eles se relacionem? “Adorável Garoto” pode, assim, pautar a perda beleza entre os homens, essa que ficou para trás, abandonada em suas infâncias. A peça merece ser vista pela qualidade da reflexão que sugere e pela sua altíssima qualidade estética. Aplausos. 

*

FICHA TÉCNICA
Autor: Nicky Silver
Adaptação: Gustavo Klien
Tradução: Roberto Bürguel
Direção: Maria Maya

Elenco / Personagem
Isabel Cavalcanti / Nan
Leonardo Franco / Harry
Michel Blois / Isaac
Mabel Cezar / Dra. Elizabeth Hilton
Raquel Rocha / Delia

Direção de Arte, Cenários e Figurinos: Ronald Teixeira
Direção de Movimento: Vietia Zangrandi
Iluminação: Adriana Ortiz
Designer: Letícia Andrade
Gerente de Marketing: Fabia Gomes
Assistente de Direção: Álvaro Chaer
Preparação Vocal: Veronica Machado
Cenógrafos Assistentes: Eloy Machado e George Bravo
Figurinistas Sssistentes: Eloy Machado e Liza Machado
Confecção de Figurinos: Liza Machado
Cenotécnico: Humberto Silva e equipe
Diretor de Palco: James Hanson
Assistentes de Produção: Ailime Cortat e Alessa Fernandes
Visagismo: Mayco Soares
Fotos: Daniel Chiacos
Produção Executiva: Letícia Napole
Direção de Produção: Giba Ka & Maria Maya
Parceria: Espaço SESC
Assessoria de imprensa: JSPontes Comunicação - João Pontes & Stella Stephany

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