quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Agnaldo Rayol - A alma do Brasil (RJ)

Foto: Eduardo Alonso

Marcelo Nogueira interpreta Agnaldo Rayol

Entre o céu e a terra, o romantismo de Agnaldo Rayol


“Agnaldo Rayol – A alma do Brasil” surge honrosamente como mais um musical biográfico que homenageia um expoente da cultura nacional. Nunca é demais! Essas intenções são o que, afinal, concretizam de fato o discurso de que é preciso que o Brasil volte-se para si, reconheça-se e valorize o seu próprio tesouro. Com direção de Roberto Bomtempo e direção musical de Marcelo Alonso Neves, o espetáculo tem, no elenco, Fabrício Negri e Mona Vilardo, além de Stela Maria Rodrigues e de Marcelo Nogueira, esse último em brilhante apresentação do papel título. O texto de Fátima Valença, em delicada opção, vence um árduo desafio e merece elogios. Em cartaz no congelante teatro do Centro Cultural dos Correios, na Candelária, Rio de Janeiro, a produção fica em cartaz até o fim de dezembro. É para ver, ouvir e aplaudir!


Com extrema delicadeza, o roteiro de Fátima Valença flerta com a opção de atingir o que está por trás do cantor Agnaldo Rayol, dono de uma carreira sólida de quase 60 anos composta essencialmente por um repertório romântico. Reconhece-se o desafio. É difícil falar bem de Agnaldo Rayol porque também é impossível falar mal dele. Nesse tempo todo de dedicação à música, o cantor não acumulou um só escândalo, maledicência nem crítica que possa ofuscar a vasta coleção de troféus e de homenagens que celebram o seu trabalho. Sua vida amorosa e sexual sempre permaneceram às sombras da mídia, suas posições políticas se mantiveram discretas e sua imagem pessoal esteve praticamente inalterada ao longo das décadas. Por trás das letras de amor, o mistério continua respeitosamente não desvendado contra qualquer vulgarização. O maior mérito se vê em uma das cenas de encerramento quando o personagem finalmente é visto em sua intimidade. Como um herói romântico tal como aqueles das canções que a vida inteira interpretou, Agnaldo Rayol, meio homem, meio personagem, permanece habitando um lugar entre o céu e a terra: inacessível às mazelas humanas, mas com uma alma dilacerada demais para um anjo.

A direção de Roberto Bomtempo, estreando no gênero musical, faz a difícil opção pelas caricaturas dos personagens menores a fim de garantir o ritmo da narrativa. Com exceção positiva de Hebe Camargo, interpretada por Stela Maria Rodrigues, todas as outras aparições são meramente ilustrativas, talvez por causa da rapidez com que aparecem. A cantora Ângela Maria (Stela Maria Rodrigues), a miss Terezinha Morango (Mona Vilardo) e o apresentador Renato Côrte Real (Fabrício Negri) são exemplos disso. De uma forma interessante, a constância do ritmo, que não aponta para um ápice, concorda com o ponto de vista da abordagem de Rayol. Apesar das mudanças de roupa, o cantor é visto exatamente da mesma forma da infância até a fase atual. Sem dúvida, para o espectador mais atento, há nisso um propósito que é relevante para a constituição de níveis diferentes dessa narrativa.

Nas interpretações, Stela Maria Rodrigues protagoniza um dos melhores momentos da peça em que a notória amizade entre a apresentadora Hebe Camargo (1929-2012) e Agnaldo Rayol é representada. Fugindo do lugar comum, Rodrigues investe na construção de um personagem humano que é mais digno de Hebe felizmente. Sobretudo pelos números musicais, Mona Vilardo e Fabrício Negri fazem também boas contribuições dentro do que lhes é possível, com destaque para a cena de abertura, em que cantam “Mia Gioconda”, de Vicente Celestino. O aplauso maior é merecidamente de Marcelo Nogueira, um tenor de primeira grandeza como é Agnaldo Rayol, por viabilizar o difícil personagem título. Não só pela voz potente e firme, ou pela afinação perfeita, Nogueira enfrenta o desafio de construir o personagem e mantê-lo firme na proposta do texto e da direção que, como já se disse, mantém a figura do homenageado intocável. Sem se render a suposições tolas acerca do personagem, Nogueira consegue brilhantemente dar a ver uma crítica através de sua interpretação. É isso que garante o interesse mesmo do público que desconhece a carreira real de Rayol pela história.

Além da direção musical de Marcelo Alonso Neves, que lindamente dá unidade para as canções, tornando a peça coesa e coerente, um dos maiores méritos de “Agnaldo Rayol – A alma do Brasil” é o cenário e os figurinos de Flávio Graff. As rendas, variando em tons de rosa e de vermelho, situam a atmosfera romântica que perpassa o repertório do homenageado. O belíssimo trabalho de alfaiataria das roupas do protagonista dão-lhe a elegância que caracteriza o personagem e confere beleza à obra como um todo.

O clima de sucesso das instituições propagado sobretudo pelos Estados Unidos do lado de cá da cortina de ferro começou a se esvanecer com a Guerra do Vietnã, em que as pautas sociais ganharam seu lugar. O romantismo dos filmes em Technicolor, dos boleros, das novelas do rádio e dos discos de Richard Clayderman entrou em desuso. Mesmo assim, através das décadas, Agnaldo Rayol manteve cheia sua agenda de shows pelo Brasil afora, confirmando sua predestinação ao sucesso. Essa bonita homenagem é merecida! Aplausos.

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FICHA TÉCNICA
Texto: Fátima Valença
Direção: Roberto Bomtempo
Direção Musical: Marcelo Alonso Neves

Elenco: Marcelo Nogueira (Agnaldo Rayol), Stela Maria Rodriygues (Hebe Camargo, Angela Maria, mãe da noiva e fã), Fabrício Negri (Erasmo Carlos e Renato Corte Real) e Mona Vilardo (Wanderléa, Lana Bittencourt, noiva e fã)

Músicos: Cristina Bhering (Ensaiadora e Piano), Affonso Neto (Bateria) e Luciano Correa (Violoncello)
Cenário e Figurino: Flávio Graff
Iluminação: Felipe Lourenço
Preparadora Vocal: Glória Calvente
Direção de Movimento: Toni Rodrigues
Designer Gráfico: Guilherme Lopes Moura
Viagismo: Beto Carramanhos
Fotografia: Eduardo Alonso
Assistente de Direção: Janaína Moura
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Produção Executiva: Breno Lira Gomes
Direção de Produção: Fernando do Val
Idealização e produção: Marcelo Nogueira / Arte Mestra Produções

2 comentários:

  1. Dizer o que, de um espetáculo tão bonito. Como pode ficar escondido um cantor como Marcelo Nogueira. Se Agnaldo tivesse um filho não pareceria tanto com ele. Stela Maria, qualquer personagem que faz é fantástica. Como Emilinha Borba e agora como Hebe, como ela se transforma. Mona Vilardo interpretando Wanderléa, e como noiva, estou rindo até agora. Fabricio Negri que me fez lembrar muito o Corte Real, como canta divinamente. A Produção está de parabéns em proporcionar esta alegria pra mim e para os fãs de Teatro. Parabéns também os músicos em especial a regente Cristina Bhering. Que venham mais espetáculos como este.

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  2. Adorei. Uma crítica perfeita, falou bonito e em poucas palavras descreveu os grandes atores e os diretores.

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