sábado, 27 de setembro de 2014

Dona Encrenca só muda o endereço (RJ)

Foto: divulgação 
Bemvindo Sequeira em cena

O mérito da alegria


“Dona Encrenca só muda o endereço” é o stand-up comedy de Bemvindo Sequeira, um dos maiores comediantes vivos desse país. Restreando em cartaz, desde o início de setembro, no Teatro Oi Casa Grande, no Leblon, a produção garante mais de 1h30min de gargalhadas. O texto é baseado em anedotas sobre o universo dos casais já próximos da velhice: as diferenças entre homens e mulheres, o enfrentamento dos desafios da velhice, a comparação entre velhos e jovens, os valores no mundo de hoje e os de outrora. 

Sem a criação de tipos, mas com visível esforço na sustentação de um personagem cheio de nuances, Bemvindo Sequeira usa o ritmo da comédia e seu carisma em prol da estruturação de um monólogo muito engraçado. Tudo o que tem de conservadora, a peça também tem de politicamente incorreta. Tudo o que, na dramaturgia desse espetáculo, pode ser chamado de ingênuo também pode ser visto como irônico. Machista, sexista, elitista, preconceituoso, o personagem-narrador, aristotelicamente trazendo à superfície o que há de pior no ser humano, passa diariamente por agruras de vários tipos, fazendo com que qualquer espectador rapidamente se identifique, mas também se distancie.

Ao longo da peça, a relação com a plateia é conduzida excelentemente: o público ri de si mesmo, talvez de nervoso e de decepcionado de si próprio, para, em seguida, refletir. Com fortes marcas de ingenuidade, a performance do comediante diverte, mas deixa claro que expõe todas as mazelas sociais que são reproduzidas diariamente ou com as quais se concorda infelizmente de forma que, dadas as contradições, fica-se diante de uma sociedade complexa que é , ao mesmo tempo, humana e fria. Por tudo isso, “Dona Encrenca só muda o endereço”, embora pareça boba e despretensiosa, é, na verdade, um excelente retrato que a boa comédia pode devolver ao homem por trás do ingresso. Longe de produzir alienação, o humor negro de Bemvindo merece os mesmos elogios pelos menos motivos que atualmente se costuma dar ao norte-americano Nicky Silver, por exemplo.

O maior mérito, e segurar a atenção da plateia por mais de noventa minutos é algo dificílimo, é o de fazer o personagem rir de si mesmo. Disso pode advir o carisma que esse stand-up comedy apresenta enquanto gênero. Localizado no proscênio, o ator fala com o público sobre si mesmo, variando o tom na medida que as repostas vão sendo recebidas. Com quase 50 anos de carreira, Bemvindo Sequeira ganha aplausos renovados por oferecer, de jeito simples e valoroso, a alegria necessária tanto quanto e com igual mérito de todos os outros sentimentos e sensações. Aplausos!

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