sábado, 6 de setembro de 2014

Meu Deus (SP)

Dan Stulbach e Irene Ravache em cena
Foto: divulgação

Boa comédia

Estreou no Rio de Janeiro, “Meu Deus”, espetáculo dirigido por Elias Andreato com Irene Ravache e Dan Stulbach no elenco. A partir de texto da dramaturga israelense Anat Gov (1953-2012), a peça é ótima, mas não excelente. Em vários pontos, percebe-se que há um direcionamento interessante para as ações, mas que essas se rendem ao superficial ao invés de investir na complexidade infelizmente. Depois de quatro meses lotando plateias em São Paulo, o esplêndido sucesso se repete no Rio de Janeiro com vivas à Irene Ravache. Ela merece.

A protagonista Ana (palavra que pode ser lida igualmente da esquerda para direita e vice-versa) é uma psicóloga de meia-idade que mora com o filho adolescente com necessidades psicológicas especiais. Ela não acredita na existência de deus, mas, como qualquer pessoa, reza para a chuva vir molhar as plantas e alimenta a esperança de que um dia seu filho consiga falar. A peça se passa em um dia comum, quando Ana (Irene Ravache) recebe uma ligação estranha de uma pessoa não identificada insistindo para marcar uma consulta em caráter de emergência. Na sessão, ela (ou melhor, ele) revela ser Deus e desse encontro entre a terapeuta e o “Todo Poderoso” resulta toda a narrativa do espetáculo. O que faz Deus precisar ir a uma analista? O que Ana dirá ao seu paciente extraordinário? O que cada um de nós diria? O que cada um de nós ouviria? Não há dúvidas de que Anat Gov parte de um lugar dramático riquíssimo que suscita interesse, possibilita reflexões e gera emoção. A discussão a partir de trechos bíblicos, como o dilúvio e as chagas de Jó, aproximam a personagem terapeuta do público que também pode se interrogar sobre os fatos sagrados. O mais brilhante é que, separadamente, os dois personagens farão suas curvas dramáticas, pois o encontro representado na peça modificará ambos. O final tem, entre vários méritos, o de ser tocante.

No que diz respeito à encenação, porém, o resultado não é tão excelente. Dan Stulbach não constrói o mesmo personagem Deus com quem Ana (Ravache) fala. É como se fossem duas peças diferentes, duas concepções opostas. Irene Ravache deixa para a situação a responsabilidade da comédia, exibindo excelente resultado ao transformar o texto em diálogos críveis apesar da hipótese fantástica. Stulbach investe no caminho oposto. O tom de voz arrastado tenta dar a ver um pastor senhorial, uma figura caricata em que as crueldades apontadas por Ana são meros atos infantis. O olhar parado e as pausas longas deixam o texto continuar parecendo texto no palco infelizmente. Pedro Carvalho interpreta Paulo, o filho de Ana, vencendo o desafio de viabilizar com sensibilidade e discrição um personagem cuja única função é humanizar o de Ravache e o de Stulbach. A Andreato, assistido por Andréa Bassitt, cabe o mérito de ter apagado a maioria das marcas da direção, oferecendo um espetáculo que parece se contar sozinho, o que é positivo para o gênero comédia-dramática.

Todos os demais elementos se apresentam de forma positiva. Antônio Ferreira Júnior e Fause Haten apresentam cenário e figurino com discrição e toques sensíveis de elegância. A sala de Ana atende bem ao realismo, sem ser opulenta, mas com momentos de extremo bom gosto, com positivo destaque para os desenhos de Paulo na parede. A saia azul com linhas vermelhas horizontais da terapeuta dá a ela a casualidade da ambiência “casa” com a formalidade de uma sessão profissional que a elegância traz na medida certa. A iluminação e a trilha sonora (Wagner Freire e Jonatan Harold) envolvem a história com boas participações porque sutis.

Sem realmente emocionar, tampouco gargalhar, “Meu Deus” perde a oportunidade de ser uma das melhores produções da temporada. Seu sucesso, no entanto, ratifica os muitos valores que essa peça felizmente apresenta, os quais valem a pena ser conferidos. Viva Irene Ravache!

*

Ficha Técnica:
Texto: Anat Gov
Adaptação: Jorge Schussheim
Tradução: Eloísa Canton
Versão: Célia Regina Forte
Direção: Elias Andreato

Elenco:
Irene Ravache – Ana
Dan Stulbach – Deus
Pedro Carvalho – Paulo

Cenário: Antonio Junior
Figurino: Fause Haten
Iluminação: Wagner Freire
Trilha Sonora: Jonatan Harold
Assessoria de imprensa RJ: Barata Comunicação
Assessoria de Imprensa SP: Daniela Bustos e Beth Gallo - Morente Forte Comunicações
Programação Visual: Vicka Suarez
Fotos: João Caldas
Assistente de Direção: Andréa Bassitt
Assistente de Iluminação: Alessandra Marques
Assistente de Figurino: Gabriela Marumoto
Assistente de Fotografia: Andréia Machado
Assessoria Contábil: Marina Morente
Assistente de Produção: Celso Dornellas e Thaís Peres
Administração: Magali Morente
Produção Executiva: Kátia Placiano
Coordenação de Projetos: Egberto Simões
Produtoras: Selma Morente e Célia Forte
Realização: Morente Forte Produções Teatrais

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