quarta-feira, 28 de maio de 2014

Philippine (RJ)

O espetáculo tem direção de João Marcelo Pallottino
Foto: Clayton Leite

Belíssima homenagem à Pina Bausch


“Philippine – uma peça para Pina Bausch” é um dos espetáculos mais interessantes no roteiro cultural de dança no Rio de Janeiro. Ao homenagear a coreógrafa alemã, falecida em 2009, a Hospedaria Cia de Teatro fala menos da pessoa de Pina Bausch e muito mais sobre a sua contribuição para a história da arte felizmente. Com um trabalho delicado e bastante nobre, o espetáculo tem direção de João Marcelo Pallottino e esteve em cartaz na Sala Multiuso do Espaço Sesc Copacabana durante o mês de maio.

Como os concretistas e neoconcretistas, o trabalho de Pina Bausch reage ao figuratismo com uma acusação séria. Para artistas como ela, a arte tem função de existir antes de fazer existir o artista. Assim, antes de fazer ver o artista (ou tornar uma pessoa comum em artista), a arte faz ver a si própria, fechando a sua existência no fato puro e simples da sua existência. João Marcelo Pallottino, em “Philippine”(o título faz referência ao nome de Pina Bausch), interessa-se em impor a forma, independente do conteúdo, cortando o tempo com uma lâmina afiada que rasga o sentido e, por isso, se liberta dele. A peça reproduz menos o trabalho de quem homenageia, brotando a partir dele muito mais. Em um mundo em que muitas coisas simplesmente não fazem sentido, os fatos que acontecem precisam ter seu acontecimento valorizado. Excelente contribuição essa da Hospedaria Cia de Teatro.

Dividido em quatro partes, a primeira e a última são melhores, porque apresentam um resultado mais coeso e menos mecânico. Na abertura, uma televisão, situada no centro do palco, exibe um vídeo em que objetos caem das alturas em uma imagem preto e branca, denunciando a coragem dos realizadores de “Philippine” em não se importar com a hierarquia dos sentidos e em deixar a fruição sem ordem aparente. Formalmente, o texto se abre em regime colaborativo com o conteúdo: o espatifamento de uma cadeira é primeiro o fim do sentido "cadeira" e depois o fim do objeto em si. Investir no claro e no escuro, preferir o preto e o branco em uma imagem aparentemente bidimensional são opções que proporcionam um jogo com o espectador de forma a fazê-lo a refletir sobre as diferenças entre a arte e o teatro-dança (ou a dança-teatro). Diferente de todas as artes, a arte cênica, por ser irreprodutível, é uma celebração do momento único que nunca se repete. “Philippine”, como a obra de Pina Bausch, trata bem desse lugar abismal entre o momento e o próximo segundo.

Ana Amélia Vieira, Evandro Manchini, Flávio Pardal, Leandro Fernandes, Ricardo Grings e Symone Strobel se dividem em intérpretes-dançarinos que contribuem tornando objetos em objetos cênicos com suas presenças. O resultado é uma equação equilibrada de formas, cores e de sentidos que conduz a um jogo de sensações tão vital quanto a vida da qual a peça é metáfora.

Mais uma vez o trabalho de sonorização de Daniel Belquer faz a diferença na construção de um excelente projeto. Em “Philippine”, a imagem e o som têm importância tão grande quanto as interpretações como já foi dito, mas o resultado só é equilibradamente positivo porque, assim como as atuações, cada detalhe do som, incluindo a qualidade da recepção, foi pensado e bem realizado. Nisso, há que se elogiar igualmente a iluminação de Ricardo Grings e de Gleydson Lopes, a cenografia de Leo Bungarten (Folguedo Produções) e a trilha sonora da Caeso.

O melhor de “Philippine” é o fato de que não é necessário conhecer Pina Bausch para gostar da peça ou mesmo bem fruí-la. Dentro do ideário da homenageada, a obra existe independente de todo mundo em sua volta, sendo ela própria um mundo paralelo. Parabéns.

*

Ficha técnica:
Direção: João Marcelo Pallottino
Criação e Concepção : Hospedaria Cia de Teatro
Elenco: Ana Amélia Vieira, Evandro Manchini, Flávio Pardal, Leandro Fernandes, Ricardo Grings, Symone Strobel
Cenografia : Leo Bungarten/ Folguedo Produções
Iluminação: Ricardo Grings e Gleydson Lopes
Figurino: Paulo Barbosa
Projeto Gráfico: Leandro Fernandes
Fotografia: Clayton Leite
Trilha Sonora: Caeso
Edição de vídeo: Evandro Manchini
Consultoria e Projeto Sonoro: Daniel Belquer
Técnico de Som/ Design : Caeso
Operador de Luz: Gleydson Lopes
Operador de Som: Val Elias
Direção de Montagem/ Palco: Flávio Pardal
Assessoria de imprensa: Lu Nabuco Assessoria em Comunicação
Direção de Produção: Isabel Themudo
Realização: Hospedaria Cia de Teatro

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