"O dia em que Sam morreu" é o novo espetáculo do Armazém Companhia de Teatro |
Um espetáculo sobre a ética
“O dia em que Sam morreu” tem o mérito de falar sobre ética sem ser um espetáculo moralista. Ao trazer à baila o assunto, sem se posicionar efetivamente, a nova produção do Armazém Companhia de Teatro sugere que a discussão deva acontecer na plateia, entre o público, cumprindo assim uma função que é paralela e melhor que o teatro ideológico já fora de moda. Contada de forma não linear, a narrativa escrita por Maurício Arruda Mendonça e por Paulo de Moraes se passa quase que inteiramente em um hospital. Da equipe médica frente a um paciente na mesa de cirurgia às relações pessoais desses personagens, tudo é oportunidade para vê-los na sanha pelo poder. Em cartaz no Espaço Armazém, da Fundição Progresso na Lapa, eis aí uma peça que mostra um olhar pessimista sobre a sociedade, mas não menos valoroso.
O cirurgião Benjamin (Otto Jr.) quer uma colocação de chefia no hospital. O Dr. Arthur (Ricardo Martins) quer antecipar a chamada para transplante de coração para a sua esposa, a juíza Samantha (Patrícia Selonk), que, por sua vez, quer o novo coração para continuar vivendo. Sophia (Lisa Eiras) quer o tratamento para o seu pai, Samir (Marcos Martins), que sofre de Alzheimer, e que, um dia, quis viver a sua vida com o circo. Samuel ( Jopa Moraes, em sua estreia como ator) quer mudar o mundo e livrá-lo da corrupção e da desonestidade. Ou seja, sejam lá quais forem os motivos que levam esses personagens a fazerem algo de errado em prol dos próprios interesses, e sejam lá os momentos em que esses interesses ficam claros para o público, em “O dia em que Sam morreu”, todos estão corrompidos. O pai abandona a filha, o doutor é conivente com os erros do chefe, a mulher faz favores sexuais, a outra faz “vista-grossa” para um privilégio, e, assim, do cirurgião que conscientemente erra a operação de seu próprio chefe ao garoto que, num estado de loucura, invade o hospital com uma arma, todos movimentam a reflexão sobre a ética.
As interpretações são vibrantes em conjunto e em individualmente, porque são cheias de marcas que aproximam a ficção do real além da narrativa. Em outras palavras, os personagens se utilizam bem da forma física dos atores de jeito que o resultado não é só um efeito de teatralidade, mas um mérito de casting também. Para citar um exemplo, a cena em que Samual invade o hospital com uma arma, além de renovar a discussão sobre ética que a peça propõe, causa enternecimento diante da ingenuidade do personagem, ainda muito jovem. Essa sensação só tem permissão para acontecer porque o intérprete é realmente alguém com pouca idade, ou seja, não é preciso um esforço do público para aceitar a proposição da peça, mas a narrativa se conta ao natural. O mesmo acontece com Marcos Martins que é um ator mais experiente. Assim, o realismo é um gênero hoje mais difícil de ser viabilizado porque, diferente do século XIX, ele concorre agora com vários outros gêneros trazidos pelo século XX. O neorrealismo de “O dia em que Sam morreu” só é possível pela forma potente com que os signos, incluindo aqueles ligados à interpretação, estão articulados.
Um dos grandes méritos estéticos da peça são o cenário de Carla Berri e de Paulo de Moraes e a trilha sonora interpretada ao vivo por Ricco Viana. De um lado, temos uma situação vazada que oxigena a narrativa sem desrespeitar a hierarquia do essencial em termos de ilustração, de outro temos uma sonorizaçãoo que valoriza a história, mas também parece convocar o espectador à reflexão.
“Sam”, do título, pode ser Samantha, Samir e Samuel e também pode ser os três. O gesto, desde aí, indica à chamada ao pensamento, à tomada de um ponto de vista, a uma posição no que diz respeito à ética, palavra tão essencial nesse mundo de hoje. Parabéns!
Ficha Técnica
Direção :: Paulo de Moraes
Dramaturgia :: Maurício Arruda Mendonça e Paulo de Moraes
Elenco :: Jopa Moraes, Lisa Eiras, Marcos Martins, Otto Jr., Patrícia Selonk e Ricardo Martins
Iluminação :: Maneco Quinderé
Cenografia :: Paulo de Moraes e Carla Berri
Figurinos :: Rita Murtinho
Direção Musical :: Ricco Viana
Cartaz: Jopa Moraes
Material Gráfico: Jopa Moraes e João Gabriel Monteiro
Produção de vídeos :: José Luiz Jr., João Gabriel Monteiro e Ricco Viana
Assistente de Direção :: José Luiz Jr
Assistente de Iluminação :: Felício Mafra
Assistente de Cenografia :: Rodrigo
Assistente de Figurinos :: Rafaela Rocha
Assistente de Produção :: Iza Lanza
Técnico de Montagem :: Regivaldo Moraes
Preparação Corporal :: Fred Paredes e Rafael Barcellos
Preparação Vocal :: Jane Celeste Guberfain
Produção Executiva :: Flávia Menezes
Produção: Armazém Companhia de Teatro
Adorei suas colocações Rodrigo. Adorei o espetáculo!
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