sábado, 24 de setembro de 2016

Balada de um palhaço (RJ)

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Foto: Procena Foto


Ângela Rebello e Silvio Guindane

Texto de Plínio Marcos completa 30 anos em montagem cambaleante

“Balada de um palhaço”, de Plínio Marcos (1935-1999), finalizou sua primeira temporada no Rio de Janeiro no último sábado, dia 17 de setembro, em uma montagem infelizmente repleta de problemas. A direção de Emílio de Mello não contorna os desafios da dramaturgia original, nem propõe uma encenação que equilibre com méritos as dificuldades do texto original. Ficou, assim, desamparado de uma concepção mais firme o casal de atores Silvio Guindane e Ângela Rebello, que interpretou os personagens Bobo-Plin e Menelau, esses palhaços em um circo falido na história. A peça, que teve belos figurinos de Cássio Brasil e potente cenário de Marcelo Escañuela, esteve em cartaz no Teatro do Sesi, no centro do Rio de Janeiro.

Os desafios desse texto de Plínio Marcos
O texto “Balada de um palhaço” é um importante documento estético escrito pelo santista Plínio Marcos em 1986. Nele é possível encontrar, talvez mais do que em qualquer outra peça sua, o modo como o escritor vê o artista enquanto ser político. Temas como ética profissional, relação entre arte e mercado e entre dinheiro, espírito, beleza e transformação social são pano de fundo para a extensa conversa travada pelo palhaço Bobo-Plin (Silvio Guindane) e o seu chefe Menelau (Ângela Rebello) ao longo da obra. No entanto, como dramaturgia, isto é, como texto pensado em relação à cena, é um desafio difícil de vencer. A seguir vão algumas considerações sobre esse ponto de vista da análise.

A primeira questão a se destacar é a estrutura da obra. Trata-se de um diálogo, um gênero literário muito comum da Idade Antiga até a Renascença que entrou em desuso nos séculos seguintes. Nesse tipo de texto, os personagens, construídos a partir de suas oposições entre si, são meios através dos quais a reflexão do escritor se apresenta ao leitor mais do que a narrativa propriamente dita. Em outras palavras, não é, em sua origem, para ser encenado, mas para ser lido. Casos célebres são “Fédon”, de Platão, e “Diálogos sobre os dois máximos sistemas do mundo”, de Galileu Galilei, entre vários outros na literatura. Ainda que adaptações teatrais deles sejam montadas aqui e ali, é consenso de que se tratam de abordagens muito desafiadoras para o palco (além de monótonas se forem produzidas na íntegra).

O conflito de “Balada de um palhaço” se dá no encontro entre duas figuras opostas. Cada uma delas representa um lado da questão e uma terceira personagem (a cigana/bruxa Grande-Mãe não aparece nessa versão da peça) funciona, às vezes, como mediadora e, em outras, como estímulo a um dos dois lados. Bobo-Plin está interessado em avivar as pessoas, fazê-las sentir que estão vivas, transformá-las como também o mundo em redor. Menelau, seu patrão, pensa no dinheiro, nas necessidades mais imediatas, na subsistência. O que movimenta o texto, dessa forma, é somente a tensão entre ambos, essa que permanece regular durante toda a sua extensão do debate e se expressa através de um exercício puramente retórico.

A segunda questão diz respeito aos personagens. Há um desejo de Bobo-Plin em sair do circo e em mudar de vida e uma disposição de Menelau em convencê-lo a ficar. Mas, de um modo geral, não há quebra em qualquer um dos dois. Tanto um quanto o outro são rígidos em suas posições, sendo mais figuras discursivas que propriamente elementos de uma narrativa. Em outras palavras, não há um universo interno neles, mas uma aparência reativa que atende às propostas de Plínio Marcos ao escrever o texto, mas que não se serve do contexto narrativo, esse também criado pelo autor. Bobo-Plin comunica sua visão do mundo e Menelau responde com a sua, mas nem um nem outro se reorganiza a partir disso.

Por fim, há uma terceira questão que relaciona a peça com seu entorno. Idealizada em 1985, “Balada de um palhaço” foi produzida um ano depois a partir de texto escrito durante o período em que Plínio Marcos estava internado em um hospital após sofrer um enfarte. O Brasil vivia no primeiro ano do Presidente José Sarney, primeiro civil em vinte anos e último eleito pelo Colégio Eleitoral. O Estado de São Paulo era administrado por Franco Montoro e a capital paulista por Jânio Quadros, esses primeiros governantes eleitos pelo voto direto. O movimento “Diretas Já”, acontecido em 1984, tinha alimentado o debate sobre a participação política do povo, gesto esse sempre valorizado por Plínio Marcos desde suas obras mais famosas nos anos 60 e 70, como “Barrela” (1958), “Quando as máquinas param” (1963) e “Dois perdidos numa noite suja” (1966), entre outras. No entanto, o dramaturgo sentia que o engajamento político se esvaziava na sede do consumo exacerbado, na carnavalização dos discursos e no enrubescimento de um teatro que se dizia mais engajado. Tudo isso fazia o dramaturgo se ressentir.

Na primeira montagem, a peça foi dirigida por Odavlas Petti (1929-1997) e tinha, no elenco, Walderez de Barros (Bobo-Plin) e Antônio Petrin (Menelau). As canções eram de Léo Lama com direção musical de Luís Gustavo Petri. O modo como as poesias do texto viraram canções na peça e o jeito como os realizadores estavam envolvidos com aquele momento histórico brasileiro atribuíram à produção algum destaque na grade teatral paulista na temporada no Teatro Zero Hora. Trinta anos depois, porém, o caso não é o mesmo no Rio de Janeiro. O debate sobre a atividade profissional do ator/artista circense, se talvez passe pela relação desse com a televisão, vai também por sobre a internet e aí se perde no caminho. O momento político que o Brasil vive agora não é tão claro como era naquele período também. O próprio circo hoje não é o mais mesmo. Ou seja, “Balada de um palhaço”, sendo ainda um texto interessante de ser lido, cobra de uma encenação contemporânea desafios diferentes (e maiores) que outrora exigiu. E infelizmente, como mais adiante se analisará, essa montagem não os ultrapassa.

Problemas na versão dirigida por Emílio de Mello
A versão dirigida por Emílio de Mello não enfrenta os problemas da estrutura do texto, da composição dos personagens e dos elos entre a produção e seu entorno.

Quanto ao primeiro, sobre a estrutura do espetáculo, “Balada de uma palhaço” pode ser dividido em duas partes: aquela que acontece quando não há público no circo e Bobo-Plin e Menelau estão conversando na intimidade. E um momento em que Bobo-Plin se apresenta para o público. Essa divisão marca a atividade profissional (palhaço) em ação e a em reflexão, mas aqui ela não está clara, sendo por isso pouco aproveitada. O texto de Plínio Marcos oferece o desafio do lirismo no texto, o que ajuda a embaralhar as duas partes, mas esse detalhe seria uma oportunidade para a direção de se equilibrar à obra, o que não aconteceu infelizmente.

Quanto às composições de personagem, Silvio Guindane (Bobo-Plin) e Ângela Rebello (Menelau) usam muito pouco do repertório de gestos conhecido como “clown”. “Balada de um palhaço” não é um texto realista, mas talvez surrealista, e, por isso, a escolha desse referencial por parte dos atores fez com que suas atuações parecessem desajustadas ao espetáculo. Guindane canta mal seus números, contribuindo pouco para um quadro estético melhor. Com uma defesa pouco carismática do personagem também, o ator investe em certezas pouco acolhedoras, agressivas às vezes, o que acaba por revelar um palhaço menos interessante. Rebello, por sua vez, dizendo o texto em excelente ritmo em com ótimo aproveitamento das intenções, torna seu personagem muito mais rico que seu interlocutor. O problema disso é que Bobo-Plin, alter-ego de Plínio Marcos, domina a história de maneira que os méritos da intérprete, ao desequilibrar o trabalho, acabam por auxiliar no desajuste da obra.

Presa ao circo, a narrativa se apresenta com belo cenário de Marcelo Escañuela, figurino de Cássio Brasil, iluminação de Daniel Galvan e com trilha sonora de Ivo Senra. Esses elementos, explorando o enorme referencial estético do circo, apresentam um quadro colorido que, pela sua facilidade, é bonito. No entanto, eles pouco contribuem para oferecer à obra maior profundidade, alojando a peça em lugar estéril onde a conversa entre os personagens parece ainda mais desajustada.

Com muitas pontas soltas, sem coesão, nem coerência, “Balada de um palhaço” perdeu oportunidades nessa sua primeira temporada carioca. Uma pena!

*


Ficha técnica:
Autor: Plínio Marcos
Direção: Emilio de Mello
Elenco: Silvio Guindane e Ângela Rebello
Trilha sonora: Ivo Senra
Preparação Circense: Vinicius Daumas
Cenário: Marcelo Escañuela
Figurino: Cássio Brasil
Iluminação: Daniel Galvan
Direção de Produção: Valéria Alves
Produção Sevla Produções
Duração: 65 minutos
Gênero: Comédia Dramática
Não recomendado para menores de 12 anos

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