Theo Nogueira, Lorena Comparato, Pedro Baião e Renato Goes |
O preço de uma produção unicamente comercial
#broncadequê é uma decepção sob vários aspectos. Vendida como uma comédia em que se discute a questão do preconceito de que são vítimas as pessoas com Síndrome de Down, a peça apresenta uma série de superficialidades que nada acrescenta à programação de teatro carioca. O mérito da produção de incluir no elenco um ator (Pedro Baião) que possui essa condição genética cai por terra quando todos os investimentos da ordem da dramaturgia e da encenação se reduzem. No fim das contas, o preconceito acaba por ser maior. Em cartaz no Teatro das Artes, no Shopping da Gávea, é triste encontrar o dramaturgo Rogério Blat, o diretor Ernesto Piccolo e o ator Renato Goes em tão tola realização.
Texto pobre:
Demoram quase trinta minutos (ao todo, a peça tem cinquenta) para Pedro Baião aparecer em cena. Ele interpreta Guilherme, um personagem portador de Síndrome de Down que, irritado com sua falta de liberdade, marca uma manifestação através das redes sociais, utilizando um perfil secreto (Célula47). Os jovens Clara (Karina Ramil), Nick (Tatiana Alvim), Lupi (Renato Goes) e Jorge (Theo Nogueira) atendem à chamada anônima, mas, ao chegar na hora e no local combinado, descobrem que foram os únicos a comparecerem. Na dramaturgia de Rogério Blat, até essa cena aparecer, nada acontece.
De um jeito muito modesto, o público conhece os personagens através de apresentações em primeira pessoa ou de flashbacks mera e pobremente descritivos. Ao tentar comprar ingresso para um show (a bilheteira é nordestina), a patricinha Clara (Ramil) é assaltada por cambistas. Preocupada com os rumos dos negócios da família, a estressada Nick (Alvim) sofre com um pai maconheiro e uma mãe liberta sexualmente. Sem ter um emprego que lhe sustente, Lupi (Goes) não sai do quarto onde cria aplicativos para internet (e não pode falar palavrão para não fazer a empregada evangélica desmaiar). Frustrado, Jorge (Nogueira) se ressente por ter largado a faculdade de artes para cursar publicidade (como se publicitário vivesse tão melhor artista no Brasil).
Em todo o canto, o texto reforça os preconceitos sem nenhum motivo realmente útil: não há curva narrativa (a chegada de Guilherme não mudará o modo como eles vivem), as situações são mal construídas (a presença na manifestação, por exemplo, se dá por tédio.) e o final nem mesmo é claro. Apresentando uma visão subestimada (ou muito discretamente crítica) dos jovens adultos, a narrativa evolui de modo tão simplório que acaba por falar mal de quem vai ver a peça. Será que somos tão burros assim?
Apenas boas inteções:
A direção de Ernesto Piccolo igualmente não colabora com o texto. Durante quase toda a peça, os atores, todos eles em participações bastante superficiais, interpretam virados para a frente. O palco não está explorado sob qualquer potencialidade, com as cenas acontecendo no centro e nas laterais apenas por uma questão de equilíbrio. Não há cenário e os figurinos têm toda a responsabilidade por dar a ver as poucas características dos personagens assim como a iluminação e a trilha sonora pelo ritmo. O ator Pedro Baião enfrenta alguns desafios quanto à dicção e aparece, em vários momentos, dizendo o texto enquanto olha para cima. No entanto, apesar de suas dificuldades, apresenta ótimo trabalho no que diz respeito ao ritmo dos diálogos, além de suas entonações variarem e suas entradas e saídas de cena serem nas horas certas. Considerando o desafio que deve ter sido à produção viabilizar a ideia de tê-lo como parte do elenco, esse é o único ponto positivo de todo o projeto #broncadequê.
Lá pelas tantas, Guilherme (Baião) reclama do como é tratado inclusive pelos demais moradores do edifício onde mora, indo parar na delegacia para contra eles prestar queixa. Enquanto isso, seus pais estão na Europa, vindo em seu socorro para levá-lo a Disney nos momentos finais da peça. Ao passar por cima de várias situações que poderiam resultar em um trabalho riquíssimo, #broncadequê perde ótimas oportunidades. O preço a ser pago por ser unicamente comercial é muito alto.
FICHA TÉCNICA
Texto: Rogério Blat
Direção: Ernesto Piccolo
Com: Karina Ramil, Lorena Comparato, Pedro Baião, Renato Goes, Theo Nogueira (atores substitutos: Sonny Duque e Tatiana Alvim)
Direção de Movimento: Marcia Rubin
Cenário: Clívia Cohen
Figurinos: Maria Estephania
Trilha musical Rodrigo Penna
Iluminação: Luis Paulo Nenen
Preparação vocal: Rose Gonçalves
Designer gráfico: Cargo Collective Ana Luiza Mello e Rodrigo Barja
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Fotos: Nana Moraes
Assistente de Direção: João Maia
Assistente de produção & Marketing: Renata Monteiro de Barros
Assistente de produção: Joel Duarte
Direção de Produção: Dadá Maia
Realização: Expressão Piccolo Produções
Patrocínio: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro ׀ Secretaria Municipal de Cultura ׀ II Programa de Fomento à Cultura Carioca
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