Silvero Pereira |
Foto: divulgação
Um dos mais elogiados espetáculos teatrais do país finalmente inicia temporada no Rio de Janeiro
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FICHA TÉCNICA
Direção: Jezebel De Carli
Dramaturgia: Silvero Pereira
Elenco: Silvero Pereira
Músico: Rodrigo Apolinário
Cenário: Rodrigo Shalako
Iluminação: Lucca Simas
Design: Sandro Ka
Produção do grupo: Ana Luiza Bergman
Administração e Produção Rio de Janeiro: Quintal Produções
Direção Geral: Verônica Prates
Gestora de projetos: Maitê Medeiros
Produtor Executivo: Iuri Wander
Um dos mais elogiados espetáculos teatrais do país finalmente inicia temporada no Rio de Janeiro
“BR-Trans” enfim chega ao Rio em temporada que vai até o início de setembro. Dois anos depois de rodar o Brasil, participando dos mais importantes festivais e mostras de artes cênicas no país, a peça só havia feito duas apresentações no Galpão Gamboa. Além do mérito de pautar a questão da transexualidade, tão cara ao bem viver de nossa sociedade, a produção merece elogios pelo modo como se articula em um misto de narrativas e de reflexões. Dirigido pela gaúcha Jezebel de Carli e interpretado pelo cearense Silvero Pereira, nesse excelente monólogo, a questão da contemporaneidade vai além de um aspecto formal. Ponto alto da programação de teatro carioca, “BR-Trans” está em cartaz no Teatro III do Centro Cultural do Banco do Brasil.
Cruzamento de linguagens:
O uso de microfones e de projeções em vídeo, ao lado do discurso articulado em primeira pessoa pelo personagem que tem o mesmo nome do ator que o interpreta, são marcas que, de tão usadas, identificam o teatro contemporâneo como se ele fosse um gênero ou um estilo. “BR-TRANS” tem tudo isso, mas meritosamente não são essas características que sugerem ao espetáculo uma melhor leitura nesse sentido. Coberta de referências culturais, como o filme “Tudo sobre minha mãe” (Pedro Almodóvar, 1998), o musical “Ópera do Malandro” (Chico Buarque, 1978) e o conto “A dama da noite” (Caio Fernando Abreu, 1988), a dramaturgia apresenta a sua contemporaneidade pelo modo como se utiliza da união entre ficção e fatos reais, dois contextos que se confundem (ou parecem se confundir).
A canção “Balada de Gisberta”, composta por Pedro Abrunhosa, que se ouve pela voz de Maria Bethânia, por exemplo, relembra o assassinato de Gilberto Salce Júnior, transexual brasileira assassinada em Portugal no verão de 2006. Ao longo da peça, vários crimes parecidos que aconteceram recentemente são citados ao lado de histórias que Silvero Pereira colheu em suas andanças pelo Brasil na pesquisa do tema. A leitura da carta de sua (?) mãe, a dublagem de “Shake it out” (Florence and the Machine, 2011) e diversas outras pequenas narrativas, verdadeiras ou não (o que é isso?) participam do texto, oferecendo uma dramaturgia que é metáfora para essa vida tão cheia de cruzamentos culturais.
Longos aplausos:
A direção de Jezebel de Carli reparte os méritos de “BR-TRANS” na medida em que faz da encenação um jogo capaz de manter a atenção desperta e o coração aberto. Do início ao fim, um quadro se articula noutro através de um repertório de ações em que ator e objetos de cena se misturam, se modificam, interagem e fazer aparecer novas situações. Alimentando o olhar da plateia com vibrante criatividade, ao lado do texto, a direção garante o lugar do espetáculo entre momentos de excelente vivência estética.
Em seu trabalho de interpretação, Silvero Pereira põe a mostra toda a sua longa pesquisa. O projeto mapeia algumas reflexões sobre o universo das travestis/transformistas do sul e do nordeste, mais especificamente nos estados do Ceará e do Rio Grande do Sul, compartilhando a pesquisa realizada pelo Coletivo Artístico As Travestidas. O ator evolui de um personagem a outro, explorando as proximidades existentes entre essas figuras e ele próprio. Gisele Almodóvar e todas as outras personagens aparecem e desaparecem fluentemente, como pedaços de um todo que anuncia a complexidade (e a riqueza) do tema. Nenhuma delas é mais importante, nenhuma domina o espaço, mas, todas surgem fortes, exuberantes e potencialmente capazes de se servir da história. Corporalmente comprometido e disponível, Silvero brinda o público com um trabalho magnífico.
O cenário de Rodrigo Shalako, a trilha sonora interpretada ao vivo por Rodrigo Apolinário e o desenho de luz de Lucca Simas são mostras da mesma concepção que nutre todo o espetáculo. Os objetos não ilustram as cenas, mas potencializam os contextos narrativos e os mantêm suspensos mesmo após o fim dos quadros em que eles aparecem. Sem spots de iluminação superiores, é Silvero Pereira quem opera a luz, ligando e desligando fontes na medida em que as cenas acontecem. O gesto faz parte da encenação bem como o seu resultado, e talvez seja uma metáfora para a ideia de que toda a existência desses personagens (os travestis) dependa unicamente deles e de ninguém mais. Rodrigo Apolinário divide o palco como testemunha, como ponto de apoio da fruição, como estrutura fixa que se opõe à interpretação variante de Pereira. Nele, “BR-Trans” se equilibra e ganha força para emocionar: o teatro se refere à vida, mas só emociona porque é teatro.
Há três anos fazendo crítica de teatro no Rio de Janeiro, assistindo a produções de toda ordem, tamanho e origem nos mais diversos espaços da cidade, eu nunca tinha visto um espetáculo ser aplaudido tão longamente. O horror do preconceito sentido pelos transexuais, de que a peça fala, pode ser sentido em alguma medida por qualquer pessoa por causa de sua raça, religião, peso, formação escolar, origem, etc. “BR-Trans”, porque conecta as mais diversas pessoas, merece mesmo os longos aplausos. Tocante!
FICHA TÉCNICA
Direção: Jezebel De Carli
Dramaturgia: Silvero Pereira
Elenco: Silvero Pereira
Músico: Rodrigo Apolinário
Cenário: Rodrigo Shalako
Iluminação: Lucca Simas
Design: Sandro Ka
Produção do grupo: Ana Luiza Bergman
Administração e Produção Rio de Janeiro: Quintal Produções
Direção Geral: Verônica Prates
Gestora de projetos: Maitê Medeiros
Produtor Executivo: Iuri Wander
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