Foto: divulgação
Discreta homenagem ao grande
Irving Berlin
“Be
careful, it’s my heart” cumpriu temporada no Teatro Maria Clara Machado, na
Gávea, trazendo ao público carioca dezoito canções de Irving Berlin
(1888-1989). O compositor, cujo trabalho é considerado definitivo para a história
do teatro musical norte-americano, escreveu mais de mil e quinhentas canções ao
longo de uma carreira longeva, dentre elas, “Cheek to Cheek” e “There’s no
business like show business”, além de “White Christmas” e de “God Bless
America”. Idealizado por Darwin Del Fabro, o modesto espetáculo é apresentado
por ele e por Laura Lobo. Ela, mais uma vez em brilhante performance, esteve recentemente
em cartaz no Rio com o musical “A família Adams”, em que interpretava a filha
Wandinha. Eximindo-se de explorar um pouco mais o repertório escolhido, a
montagem merece aplausos contidos.
Homenagem ou auto-homenagem?
“Be
careful, it’s my heart” é um espetáculo frio. Cena após cena, tudo o que se vê
no palco é mera oportunidade para Darwin Del Fabro e para Laura Lobo ou
mostrarem o quão belas são as canções de Irving Berlin ou quão hábeis eles
próprios são em
cantá-las. Nesse movimento, o espetáculo perde toda a graça. Para
analisar essa questão, é preciso observar que a cultura na qual essas canções
apareceram e fizeram primeiro sucesso é diferente da nossa. Enquanto aqui,
muitas vezes, o popular precisa ser referendado pela intelectualidade para
ganhar prestígio, no contexto da produção teatral norte-americana de primeira
metade do século XX, o movimento parecia ser o contrário. E essa peça
infelizmente não propõe esse contraponto essencial.
A fama da
Broadway como lugar onde se fabricam sonhos e deles se vivem começa em 1904 com
a abertura de uma estação de metrô na Times Square. A partir desse momento, em Nova Iorque, os
teatros e as casas de entretenimento que existiam na região teriam acesso
facilitado pela classe trabalhadora da cidade. Talvez mais do que agora,
Manhattan e seu entorno eram um lugar dividido por imigrantes oriundos de toda
a parte do mundo que chegavam aos Estados Unidos e precisavam ganhar a vida
para sobreviver. O dinheiro que garantia essa sobrevivência vinha em primeiro
lugar, à frente de qualquer forma de preconceito. A composição “Alexander’s
ragtime band”, de 1911, primeiro sucesso de Berlin, era um ragtime, um ritmo
popular considerado grosseiro pelos críticos. Dizia-se dele exatamente o que
hoje aqui se diz dos funks pancadões e outrora se atribuiu ao samba, ao maxixe,
ao tango, ao rock’n’roll, à valsa, etc.
No entanto,
diferente de nossa cultura, o grau de popularidade (e de comercialização) era a
marca de prestígio. Compondo inicialmente para Florenz Ziegfield (1867-1932), o
maior produtor de teatro americano da primeira metade do século XX, Irving
Berlin, esse russo-americano judeu batizado com o nome de Israel Isidore
Baline, rapidamente ascendeu na sua profissão. Ao longo de 66 anos de carreira,
e 101 de vida, foram dezoito musicais para a Broadway e dezenove filmes para
Hollywood.
Em termos de
dramaturgia e de encenação, “Be careful, it’s my heart” não pauta o alcance
popular do compositor e de suas canções no coração da cultura americana. Por
isso, remetendo a um lugar clássico e um tanto mofado que erroneamente se
atribui a esse repertório, o espetáculo perde a chance de sugerir algo mais
relevante, apenas apontando para a beleza desses standars e das vozes que os
interpretam.
O brilho de Laura Lobo
Com
direção de movimento de Renato Vieira, a direção de Darwin Del Fabro propõe
relações sutis entre os personagens liricamente sugeridos nas canções. Ao longo
de cinquenta minutos de encenação, tanto Fabro quanto Lobo apresentam
expressões delicadas e discretas que, com parcimônia, ocupam-se em apresentar
virtuosismo musical. Os melhores momentos do espetáculo estão em “I love a
piano” (1915), em “Blue skies” (1926) e principalmente em “Always” (1925).
Nessa última canção, em especial, a extrema beleza da voz de Laura Lobo garante
os aplausos que toda a produção recebe no encerramento. As famosas “There’s no
business like show business” (1946) e “Cheek to cheek” (1935), que mundialmente
ficaram conhecidas nas interpretações de Ethel Merman e de Fred Astaire
respectivamente, aparecem em versões alternativas estranhamente. Na mesma
direção, o cenário de Cris De Lamare, assim como o figurino e a iluminação
assinados pelo diretor, fecham o quadro com coerência à aparente proposta. A
direção musical e os arranjos são de Betto Serrador e de Thalyson Rodrigues,
esse último em cena ao piano ao lado de Saulo Vignoli no violoncelo.
“Be
careful, it’s my heart” é uma oportunidade do público carioca ouvir ao vivo
algumas canções de Irving Berlin e de se reencontrar com Laura Lobo, uma das
melhores atrizes-cantoras desse país. Quem venham outras!
*
Ficha técnica:
Roteiro e Direção: Darwin Del
Fabro
Elenco: Darwin Del Fabro e Laura
Lobo
Direção de Movimento: Renato
Vieira
Direção Musical e Arranjos:Betto
Serrador e Thalyson Rodrigues
Cenografia: Cris De Lamare
Visagismo: Ricardo Moreno
Assistência de Direção: Fabiana
Tolentino e George Luis
Direção de Produção: George Luis
Produção Executiva: Maria
Fernanda Marques e Igor Miranda
Assistência de Produção: Julia
Kussler
Assessoria de Imprensa: Minas de
Ideias