segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Ayrton Senna - O musical (RJ)

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Foto: Caio Gallucci 



Numa das cenas mais aplaudidas, Hugo Bonemer e Ivan Vellame, na frente, em destaque


Direção de Arte de Gringo Cardia é o melhor do novo musical da Aventura Entretenimento

“Ayrton Senna – O musical” é o novo espetáculo da Aventura Entretenimento. A peça, com texto e músicas originais de Claudio Lins e de Cristiano Gualda, tem direção de Renato Rocha e direção de arte de Gringo Cardia, esse último que oferece as melhores experiências estéticas ao espectador durante a sessão. O belo Hugo Bonemer interpreta o personagem título na fase adulta, mas sua história é entrecortada por outra em que Senna aparece mais jovem (João Vitor Silva) e ao lado de um amigo criança (Lucas Vasconcelos). Com diversos problemas na dramaturgia quanto ao modo como essas duas histórias vão se relacionar e também na direção que nem resolve os problemas, nem oferece outros caminhos, o espetáculo depende do aspecto visual. Cardia é quem oferece, através dos cenários, dos recursos circenses, das cores e dos movimentos da direção de arte, o algo para a peça se manter mais ou menos interessante ao longo de quase três horas. Ficam na memória as lindas vozes de Lana Rhodes e de Estrela Blanco também. A produção fica em cartaz até 4 de fevereiro no Teatro Riachuelo, na Cinelândia, centro do Rio. 

Os problemas da dramaturgia 
Mantendo uma infeliz tradição da Aventura Entretenimento, o maior problema de “Ayrton Senna – O musical” é a dramaturgia. E, como em vários musicais antes desse, as justificativas para essa avaliação negativa são facílimas de serem encontradas a olhos nus. O texto não se sustenta: suas forças são fracas e/ou contraditórias fazendo com que sua estrutura caia como castelos de areia, suas motivações nascem fora da peça e permanecem infelizmente aí, sua organização é mal feita embora com alguns momentos positivos de exceção. Para esclarecer esses aspectos – não basta a uma crítica avaliar, mas é preciso justificar a análise! –, inevitavelmente cair-se-ão em spoilers. Por isso, se você não está preparado para eles, pare essa leitura por aqui. Assista à peça e depois seja bem-vindx de volta. 

Para falar sobre como o texto de Cristiano Gualda e de Cláudio Lins se organiza na narrativa, é preciso começar com o fato de ele ser dividido em duas narrativas que vão acontecendo em paralelo. De um lado, na primeira narrativa, há uma justaposição talvez não de todo cronológica de alguns momentos da fase final da vida do corredor Ayrton Senna da Silva (1960-1994). De outro, há uma romancialesca história entre o jovem Beco (Ayrton Senna jovem) e um garoto pobre chamado Wandson. Vamos analisar individualmente as duas narrativas. Elas têm suas próprias forças e não é difícil identificar porque elas são fracas ou contraditórias mesmo quando unidas no todo da peça. 

Uma dramaturgia: duas histórias 
No primeiro lado da história, os momentos surgem desconexos. Com altas doses de lirismo, em uma nítida vontade de destacar as canções – efeito que será tratado mais adiante –, as cenas estão dispostas na narrativa de maneira quase sempre cronológica, mas sem que uma justifique nem a anterior, nem a posterior. Desse modo, há um espalhar de oportunidades ao longo da peça que, por sua natureza, nem bem informam o espectador sobre o que está vendo, nem bem o situam em uma estrutura própria, mas ocupam o tempo. Às vezes, parece que se está diante de uma perspectiva intimista, isto é, por dentro de Senna, por sobre suas sensações interiores a respeito do mundo que ele vê. Em outros trechos, a impressão é de que se acompanham, na mesma proposta, outros personagens. Há ainda cenas em que o ponto de vista não é nem de dentro de Senna, nem de dentro de outro personagem, mas externo: o interesse na descrição do acontecimento histórico. Passam-se anos entre umas cenas, segundos entre outras e tudo, nesse ponto da dramaturgia, parece muito nebuloso. Não há tempo para o espectador da peça identificar a ordem do que lhe é apresentado porque esse lado da narrativa é entremeado por outro sobre o qual vai se falar no parágrafo a seguir. 

No outro lado da história, acontece exatamente o oposto do primeiro: tudo é claro demais a ponto de não parecer viável. Em um dia como outro qualquer, o jovem e rico Beco está preocupado administrando uma loja de materiais de construção (que o seu pai montou pra ele) na zona norte de São Paulo no início dos anos 80. É quando Beco descobre que uns fios enviados a uma danceteria em reforma não estão nos conformes e, portanto, precisam ser trocados a fim de que um incêndio seja evitado sob sua responsabilidade. Na correria desse gesto de extrema e louvável honestidade, aparece um garoto pobre na loja que rouba um vidro de cola de uma das estantes. Beco sai correndo atrás do moleque pelas ruas da capital paulista e os dois esbarram em um Policial. Para defender o ladrãozinho desconhecido, Beco mente que se trata de um primo seu e que ambos estão brincando. O policial, porém, reconhece a farsa e tenta extorquir o jovem herói, mas Beco ameaça o guarda mentindo (de novo) sobre um parente que ele tem na polícia e que poderia ser superior ao guarda. Nasce aí uma repentina e brilhante amizade à primeira vista (que quase cheira à pedofilia) entre Beco e Wandson. 

De início, Wandson diz ao novo e melhor amigo Beco que não foi à escola naquele dia porque lá está acontecendo uma apresentação de pais e, como ele não tem pai, ficou constrangido de ir à aula (e resolveu ir roubar cola em uma loja qualquer). Beco, comovido, resolve sugerir a ideia de ir à escola de Wandson, representando sua família. A apresentação está para começar, então, eles pegam um táxi. Começa a chover e o tempo antes da atividade ter início é muito curto. Por isso, Beco assume a direção do carro e, correndo pelas ruas de São Paulo, se esforça para estar no compromisso de Wandson na hora. Seu esforço é em vão. Quando eles chegam, o portão da escola está fechado e a apresentação já começou. Para o azar da dupla, ao tentar pular o portão estranhamente trancado (embora seja uma escola pública cujos pais e alunos estão em atividade em seu interior), eles são surpreendidos pelo mesmo Policial de antes, que agora já sabe que Beco não tem parente algum na polícia. No entanto, o guarda está feliz, orgulhoso do seu filho (colega de Wandson) que se apresentou, e deixa Beco entrar com seu “primo”. Na apresentação, Beco se dá conta de que não nasceu para ser dono de uma loja de material de construção, mas que gosta mesmo é de correr e que quer ser piloto de corrida. Ao fim do trecho, ele comunica essa decisão ao seu pai, que lhe consegue um patrocínio incrível, garantindo a realização de seu sonho. Beco promete um par de luvas para Wandson, que conta a verdade sobre sua família: seu verdadeiro pai não morreu, mas está preso. Wandson, envaidecido por ter um amigo que será famoso, promete em troca nunca mais faltar à aula. 

Se, em uma das narrativas, há poucos ganchos que unam as cenas entre si, em outra, os ganchos estão unidos com força muito grande. Fica óbvio o interesse enorme da dramaturgia em vender Ayrton Senna da Silva como um herói: em um espaço ficcional de menos de doze horas contíguas, ele quer proteger uma danceteria contra incêndio mesmo que tenha prejuízo, quer salvar um garoto desconhecido mesmo que tenha que mentir para um policial duas vezes; quer correr velozmente pelas ruas da grande cidade pra ajudar esse amigo mesmo que isso ponha a vida de outros transeuntes em perigo. Esses caminhos todos são fracos, pois, ainda que estejam bem unidos na narrativa, no todo do quadro, não fazem sentido. E toda a questão fica um big White People Problem. 

Vamos aos fatos reais. Logo depois de se casar com sua namorada Lílian, em fevereiro de 1981, Ayrton Senna da Silva (1960-1982) tinha ido morar na Inglaterra com sua jovem esposa. Nessa época, ele tinha sido campeão brasileiro, sul-brasileiro e, por duas vezes (1979 e 1980), vice-campeão mundial de kart. Na Inglaterra, tentava entrar no mercado da Fórmula 3 (um nível acima do kart e abaixo da Fórmula 1), sendo financiado pelo pai (o empresário de médio porte Milton da Silva) que lhes oferecia casa, carro e comida para o casal viver por meses na Europa enquanto o garoto de 21 anos vencia corridas. Teve 12 vitórias e 5 segundos lugares em vinte voltas, o que, no esporte, é um enorme mérito. 

A decisão de voltar ao Brasil se deu oito meses depois, antes do inverno inglês começar, em outubro de 1981. Durante quatro meses, período em que supostamente a história ficcional de Beco e de Wandson teria acontecido, Senna esteve de castigo à frente da Anhembi Materiais de Construção Ltda. Em fevereiro de 1982, já separado da esposa, decidiu voltar para a Inglaterra quando, depois ainda de muitas vitórias, um ano depois, fez seu primeiro teste em carro de Fórmula 1. E suas vitórias não pararam de ser acumuladas. Nesse sentido, é inegável o sucesso de Ayrton Senna da Silva como alguém que venceu verdadeiramente suas batalhas como esportista, mas não há aí nada do heroísmo que a dramaturgia de Claudio Lins e de Cristiano Gualda (inspirada e somente existente na ficção global de Galvão Bueno) tenta enfiar “goela abaixo”. 

Uma dramaturgia: duas constantes 
Analisados os modos como cada uma das duas narrativas se organizam internamente no todo, vale observar a relação entre ambas. Há duas constantes: a ordem de entrada de cada história e o comportamento da música nesse ínterim. De maneira repetidamente intercalada (primeiro uma parte, depois outra, depois a primeira, depois outra de novo), o público vai vendo um pouquinho de cada história se desenvolver no quadro. A música é outra constante. O enorme lirismo da primeira narrativa traz músicas que não exatamente estão coladas na história a qual elas pertencem: os últimos momentos de Senna. Se lermos as letras em separado (elas constam no programa da peça), não vamos identificar o trecho ao qual elas se referem no seu conteúdo. Em termos estéticos, isso tem a ver com a primeira virada na história dos musicais com “Show Boat” há exatos noventa anos na Broadway. Tratava-se, na época, de uma medida prática: as músicas cantadas pelos atores nos palcos dos teatros precisavam ser vendidas separadamente no mercado da música que se abastecia com o advento do rádio nos 20 do século XX. O leitmotiv (a frase musical que dá cara para toda a peça), que vinha das óperas de Wagner, entrou em declínio nas composições de musicais até quase desaparecer por completo nos anos 70. Foi o compositor inglês Lloyd Weber (De “O fantasma da ópera”, por exemplo) quem investiu pesado no retorno às composições mais orgânicas sem retirar de todo as letras da chance de fazer sucesso individualmente. Em “Ayrton Senna – O musical”, não há um único leitmotiv (A célebre e esperada frase do “Tema da vitória”, de Eduardo Souto Neto, aparece brevemente no fim do primeiro ato e no fim da peça) e nem um trecho de qualquer uma das muitas músicas realmente se refere aos personagens ou à narrativa de modo inseparável. Ou seja, cria-se um padrão monotonamente repetido ad infinitum: história 1 + música, história 2, história 1 + música sucessivamente (A história 2, a de Beco e de Wandson, só vai ganhar canções no segundo ato.) sem que uma música converse com outra de modo algum. Quando a música dois aparece, já não se se lembra mais qual era a música anterior. 

Por fim, toda a motivação de “Ayrton Senna – O musical” parte do piloto que realmente viveu, mas muito mais ainda da figura midiática da qual o piloto fez parte. E, de uma maneira muito pobre, o texto não só parte desse registro, mas fica nele ao longo de toda a sessão sem qualquer esforço em observar o personagem com alguma complexidade. Em outras palavras, a dramaturgia, que não apresenta bem o protagonista, também não o defende contra o mundo além da ficção. Seu Senna existe a partir da Globo e só permanece existindo dentro daqueles limites e em nenhum outro mais ao longo de duas horas e meia de texto. 

De fato, o piloto Ayrton Senna da Silva caiu nas graças da TV no Brasil e no mundo nos últimos dez anos em que viveu. No caso do nosso país, em 1983, quando Nelson Piquet ganhava o mundial de Fórmula 1, a Globo transmitia, além dessa corrida, também a final da Fórmula 3 (a série B da corrida automobilística) devido ao sucesso que o jovem paulista fazia na telinha. Senna era bonito, educado, tímido, tratava bem os jornalistas, tinha belas namoradas, era rico, branco e bem sucedido. Há quase quinze anos sem nem chegar à final de uma Copa do Mundo, o futebol decrescia e novos ídolos esportivos e outros esportes surgiam. Senna era perfeito nas capas dos jornais e das revistas e ficava ainda melhor nas vibrantes narrações de Galvão Bueno nos domingos pela manhã. Quando ele faleceu, naquele 1o de maio de 1994 (dia do trabalhador!), no Grande Prêmio de San Marino, em Ímola, na Itália, o ocidente fez uma pausa e o Brasil literalmente parou. Durante quinze dias consecutivos pelo menos, toda a programação de rádio e de TV estava voltada para a vida tragicamente encerrada do piloto que morreu em um acidente de trabalho aos 34 anos. Ninguém tinha saúde para explicar ao povo muito bem o plano do então ministro da economia Fernando Henrique Cardoso de fazer com que o valor do dinheiro se modificasse todos os dias. Naquele domingo, 1 URV (Uma uerrevê - Unidade Real de Valor) valia CR$ 1.323,92 (mil, trezentos e vinte e três cruzeiros novos e noventa e dois centavos) e esse valor se modificaria no dia seguinte e no próximo e assim sucessivamente até 1o de julho, quando entrou o Real. Mas isso não tinha importância. 

Uma dramaturgia: nenhum conflito 
Voltando à análise da dramaturgia, vale dizer que, em pelo menos vinte e cinco séculos de pesquisas, se sabe que um herói não se mede por seus valores morais, mas seu heroísmo é testado quando entram em choque seus valores, suas habilidades e um desafio a vencer. Um enorme desafio exige enormes capacidades e altos valores. É no recorte desse combate que se observam os méritos dos lados. Na dramaturgia de “Ayrton Senna – O musical”, há um esforço, primeiro, de dizer o quanto era difícil vencer na Fórmula 1 considerando as qualidades técnicas dos automóveis e das pistas, a política, o comportamento dos adversários. Por outro lado, há esforço também em descrever os altíssimos valores morais de Ayrton Senna da Silva: um cara bonzinho, que gostava da família e ajudava os pobres. O que não há é o encontro desse herói com esse desafio já que eles não são opostos. Pessoas boas e más podem ser corredores, pessoas boas e más podem morrer ou sobreviver nas corridas de Fórmula 1. Pode haver mérito (das equipes) em vencer as corridas, mas não há mérito em sobreviver a elas, porque não há desmérito em morrer nelas. Morrer é uma fatalidade em qualquer ocasião, mesmo quando o esporte que se pratica se pauta por uma disputa de carros a 300km por hora. Nem Senna, nem qualquer outro, morreu porque foi um mal corredor, mas porque houve outros motivos, alguns dos quais inexplicáveis. E a dramaturgia de “Ayrton Senna – O musical”, apoiada nessa falsa oposição entre corrida e heroísmo, afunda sem contar uma boa história. 

Méritos na Direção de arte de Gringo Cardia 
Em cena, é visível que há um discrepância entre a dramaturgia e a direção. Enquanto a primeira narrativa, a dos últimos momentos de Senna, é levada ao palco com zilhões de belíssimos efeitos visuais e a brilhante participação de artistas circenses, a segunda história, a de Beco e de Wandson, surge praticamente apoiada neles mesmos. A opção da direção de Renato Rocha, nesse sentido, colabora para o dasande do ritmo, pois valoriza o enorme lirismo de uma e pesa o já pesado melodrama de outra. 

A sensação de que são duas peças – com uma interrompendo a outra - também acontece no modo como os atores interpretam. Há um jogo de cena muito bem articulado entre Beco e Wandson, o que não acontece entre Senna e seus parceiros. Na primeira narrativa, os personagens parecem estar sozinhos mesmo que em meio a multidões. O feito é muito interessante individualmente, mas corrobora com essa desconversa aparente do todo. 

O melhor aspecto de “Ayrton Senna – O musical”, e aquilo pelo qual realmente vale a pena ir ver o espetáculo, é a Direção de arte e a Cenografia de Gringo Cardia, no que se devem incluir os figurinos de Dudu Bertholini e o visagismo de Anderson Montes, o desenho de luz de Renato Machado, a Criação Sonora de Daniel Castanheira, o Desenho de som de Carlos Esteves, a coreografia de Lavinia Bizzotto e toda a contribuição circense da produção (direção técnica efeitos de voo de Vicent Schonbrodt). Se não há uma boa história para ser contada e nem músicas interessantes que ficam no ouvido da gente, há lindas imagens para se ver. Para se analisar esse feito, podem-se dividir a experiência estética em virtualidade e circo. 

O empenho desse musical em explorar as possíveis contribuições da estética do videogame, da Second Life e do 3D na narrativa é vibrante. Em primeiro lugar, como dito anteriormente, a dramaturgia não sai dos limites muito bem definidos da figura midiática do personagem. Nesse sentido, no imaginário coletivo, Senna é um corredor de Fórmula 1 eternamente entrando naquele carrinho esquisito e dando mil voltas quase todas circulares atrás de outros carros iguais ao dele. Brincar com essa imagem oferece à encenação uma possibilidade de se falar da tragédia - o homem preso ao seu destino - que é muito interessante na arte contemporânea. Em termos de cores e de formas, Cardia usa e abusa de uma estética dos anos 90 que tem voltado com força total nos últimos meses, permitindo ao espetáculo se servir de alguns laços visuais de hoje para falar de ontem. 

O circo, além da beleza, inclui na narrativa o argumento do risco físico. Várias teorias da cena contemporânea se dedicam a observar a participação do risco na construção do campo semântico do espetáculo. Entre elas, estão as que refletem que, quando os homens da plateia veem os homens do palco correr risco de vida, estabelece-se entre eles um acordo intocável que os leva à humanidade de que ambos compartilham. A possibilidade da perda da vida é uma questão muito presente a qualquer corredor de Fórmula 1 e um traço importante a quem ama o esporte. Em “Ayrton Senna – O musical”, durante largas frações de sua apresentação, há homens e mulheres pendurados em cabos aéreos ou em lugares muito altos, ou em círculos livres. Além disso tudo glorificar a beleza do corpo humano, da sua elasticidade, das suas muitas potencialidades de driblar a gravidade e voar, está a tensão de que a vida deles corre risco. E essa sensação é útil para a peça dado o seu tema. Na Direção de arte e no seu entorno, Gringo Cardia apresenta uma excelente colaboração aqui. 

Sem grandes trabalhos de interpretação 
Não há grandes trabalhos de interpretação em “Ayrton Senna – o Musical”. Hugo Bonemer (Airton Senna da Silva), com tons graves, ombros largos e olhar marcante, mais seduz do que realmente apresenta um bom trabalho seja como intérprete das canções ou do texto. Com méritos, João Vitor Silva (Beco) honrosamente se esforça para tornar o seu personagem menos superficial, mas quase nunca ganha batalha tão difícil infelizmente. Lucas Vasconcelos (Wandson) se serve dos benefícios de ter o melhor personagem da dramaturgia e ainda por cima ser uma criança, o que lhe facilita ainda mais a conquista de aplausos. No panorama geral, ele é um dos pontos altos do elenco. 

Como personagens secundários, há artistas honrados como Victor Maia (Engenheiro), Ivan Vellame (Alain Prost), Will Anderson (Policial e Taxista) e Kiko do Valle, entre outros, defendendo bem suas figuras pouco expressivas. Anderson se esforça para oferecer alguma comédia tanto no Policial como no Taxista, o que seria ótimo no marasmo da peça, mas não consegue pelas limitações do texto infelizmente. Além de Vasconcelos, só quem brilha mesmo é Estrela Blanco e Lana Rhodes. Apesar de estarem em personagens completamente dispensáveis e que não lhes oferece muito material para interpretar, as duas apresentam belíssimos trabalhos na defesa das canções, lembrando o público do quanto uma canção bem interpretada faz bem a um musical. São os dois únicos momentos de preciosismo musical para além da mediocridade em “Ayrton Senna – O musical”. 

Bruno Carneiro, Douglas Cantudo, Marcellinton Lima, Marcela Colares, Natasha Jascalevich, Olavo Rocha, Joao Canedo e Juliano Alvarenga elevam as qualidades estéticas do espetáculo por suas excelentes participações como atores-acrobatas. Ao longo de toda a sessão, é a eles que se esperam no oferecimento de novas experiências estéticas que alimentem a vontade de continuar assistindo. E todos, com muita precisão, cumprem bem as expectativas. Excelentes. 

Os maiores méritos da produção 
Quais são os maiores méritos de “Ayrton Senna – O musical”? Em primeiro lugar, existir. Fazer teatro nunca foi fácil, musical menos ainda, mas um espetáculo desse porte diante da crise em que nosso país se encontra é realmente um enorme feito. Depois é a oportunidade para que Gringo Cardia e sua equipe ofereçam obra tão impactante no âmbito de suas formas, cores e potencialidades visuais para o deleite o público carioca. Por fim, conhecer Lucas Vasconcelos e rever Lana Rhodes e Estrela Blanco em ótimas performances. E, ao final, participar de uma vaga celebração da memória de Ayrton Senna cujas vitórias embalaram os domingos de manhã entre o meio dos anos 80 e o meio dos anos 90 do século passado e que, graças à fundação do Instituto Ayrton Senna depois de sua morte, conseguiu ajudar milhares de crianças no nosso dolorido país. Essas coisas fazem o espetáculo valer a pena de ser visto. 


Ficha técnica: 
Texto e Músicas Originais: Claudio Lins e Cristiano Gualda 
Direção: Renato Rocha 
Direção musical e Arranjos: Felipe Habib 
Desenho de Luz: Renato Machado 
Direção de arte e Cenografia: Gringo Cardia 
Figurino: Dudu Bertholini 
Criação sonora: Daniel Castanheira 
Coreografia: Lavínia Bizzotto 
Desenho de som: Carlos Esteves 
Assistente de direção: Pedro Rothe 
Coordenação geral de produção: Bianca Caruso 
Preparação vocal: Aurora Dias 
Direção executiva: Luiz Calainho 
Direção artística e Supervisão de produção: Aniela Jordan 
Marketing e Negócios: Fernando Campos 
Direção financeira e Leis de incentivo: Patrícia Telles: 
Produção: Aventura Entretenimento 

Elenco: 
Hugo Bonemer – Ayrton Senna da Silva 
Vitor Maia - Engenheiro 
João Vitor Silva – Beco 
Lucas Vasconcelos / Pepê Santos – Wandson 


Kiko do Valle, Lana Rhodes, Laura Braga, Leonardo Senna, Adam Lee, Bruno Carneiro, Douglas Cantudo, Estrela Blanco, Marcelinton Lima, Marcella Collares, Natasha Jascalevich, Olavo Rocha, Ivan Vellame, João Canedo, Juliano Alvarenga, Karine Barros, Paula Raia, Will Anderson, Gabriel Demartine, Norrana Hadassa / Pedro Valério Lopez.

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