sexta-feira, 7 de julho de 2017

O que terá acontecido a Baby Jane? (SP)

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Foto: divulgação

Eva Wilma e Nathália Timberg

Um grande espetáculo em meio à crise

“O que terá acontecido a Baby Jane?” é a primeira versão oficial no Brasil para teatro da novela do americano Henry Farrel (1920-2006) eternizada por Bette Davis e por Joan Crawford no filme de 1962 dirigido por Robert Aldrich. A peça, que surge traduzida por Cláudio Botelho com adaptação e direção de Charles Möeller, chegou ao Rio de Janeiro com Eva Wilma e Nathália Timberg nos papeis principais. Além dos grandes trabalhos de interpretação delas e de seus pares no elenco, a produção teve também contribuição valorosa da cenografia de Rogério Falcão, do figurino de Carol Lobato e da luz de Paulo Cesar Medeiros. Cumpriu longa e meritosa temporada no Theatro Net Rio, em Copacabana, na zona sul do Rio de Janeiro.

Bette Davis e Joan Crawford
Vale considerar duas histórias no imaginário do público brasileiro sobre “What ever happened do Baby Jane?”: a primeira diz respeito à narrativa interna do filme e outra às narrativas da produção da obra cinematográfica. Quanto à primeira, é fácil lembrar de que são duas irmãs já às portas da velhice: a grande estrela do cinema americano Blanche Hudson (Joan Crawford), aprisionada em uma cadeira de rodas depois de um acidente de trânsito; e sua irmã Jane Hudson (Bette Davis), que a ampara. A história é entremeada pelas memórias de ambas personagens. Quando crianças, Jane era uma famosa menina do teatro de variedades americano que, pouco a pouco, foi substituída pela irmã no palco e nas telas de cinema. Décadas depois, a mágoa ainda norteia o relacionamento delas e fica pior quando novas informações sobre o acidente de Blanche vêm à tona. O público acompanha o isolamento imposto à Blanche por Jane, que limita o recebimento de cartas, as visitas da empregada e a comida à antiga estrela, torcendo pela libertação da prisioneira. Mas, ao final, poderá reavaliar a situação e talvez reocupar os lugares de mocinha e de vilã.

A segunda história, talvez, seja ainda mais interessante. Baseado em uma novela escrita em 1960, o filme foi produzido pela Warner dois anos depois. Consta que a ideia veio de Joan Crawford (1904-1977) e que também surgiu dela o convite a Bette Davis (1908-1989). As duas atrizes tinham sido desde muito tempo uma espécie de concorrentes no cinema americano. Crawford já era célebre na época da entrada do cinema falado, em 1927. Até os anos 50, já tinha ganhado duas indicações ao Oscar e um prêmio de Melhor Atriz. Davis, por outro lado, tinha consolidado sua carreira no teatro quando foi para o cinema nos anos 30. Acumulou sete indicações e dois Oscar de Melhor Atriz. A primeira nunca tinha sido considerada tão talentosa quanto a segunda. A outra jamais tão bonita. Enumeram-se histórias sobre as brigas entre as duas na filmagem de “O que terá acontecido a Babe Jane?”, por qual Davis foi indicada ao Oscar, mas que Crawford recebeu a estatueta, representando outra atriz concorrente de outro filme que venceu na disputa (Anne Bancroft por “O milagre de Anne Sullivan”). “Babe Jane” ganhou quatro indicações e o Oscar de Melhor Figurino. Custou hum milhão de dólares e, no ano de seu lançamento, lucrou dez milhões, se tornando um dos filmes mais lucrativos do ano.

Em 1990, houve uma segunda versão da obra para a televisão. Dirigida por David Greene, ela foi estrelada por Vanessa Redgrave (Blanche) e por sua irmã Lynn Redgrave (Jane). Em 2002, depois de longas tentativas, houve uma versão da novela para teatro musical. Defendido por Leslie Denniston (Blanche) e por Millicent Martin (Jane), a produção tinha músicas de Lee Pockriss, letras de Hal Hackady e direção de David Taylor. Mas foi considerada um enorme fracasso em sua primeira temporada no Texas e, por isso, nunca foi levada à Broadway. Além dessa montagem dirigida por Möeller, houve várias investidas do teatro em relação ao filme nos últimos 55 anos. Uma delas está em cartaz atualmente em Porto Alegre, com direção de Zé Adão Barbosa, e com Caio Prates (Blanche) e João Carlos Castanha (Jane) no elenco.

Joan Crawford e Bette Davis

Muito se escreveu sobre as polêmicas entre Joan Crawford e Bette Davis no entorno do filme. Talvez, entre tudo o que já foi produzido, vale destacar a série americana de TV “Feud”, criada por Ryan Murphy, Jaffe Cohen e por Michael Zam a partir do livro “Bette and Joan: the divine feud”, lançado em 1989 por Shaun Considine. Susan Saradon (Bette Davis) e Jessica Lange (Joan Crawford) interpretam as duas atrizes no programa que tem oito belos episódios que foram ao ar pela Fox entre março e abril de 2017 nos Estados Unidos.

Charles Möeller
A versão oficial brasileira de “O que terá acontecido a Baby Jane?” estreou em agosto de 2016 no Teatro Porto Seguro em São Paulo e, no último outono, cumpriu temporada no Rio de Janeiro. Lá Nicette Bruno interpretava o papel de Blanche, aqui é Natália Thimberg quem a defendeu ao lado de Eva Wilma (Jane). Ao longo de 70 minutos (o filme tem 133min), o espectador do teatro tem bastante claras as referências à obra cinematográfica. Charles Möeller e Claudio Botelho atualizaram no palco o sabor de um noir que beira o terror psicológico. Estão lá o clima soturno de duas estrelas (quase) esquecidas em uma grande casa velha, as reviravoltas clássicas de um cinema de baixíssimo orçamento, as metalinguagens da arte falando de arte e principalmente as gags de comédia advindas da suspensão da tensão e do empenho da trilha sonora bem como a poesia de falas bem escritas e da humanidade por trás de figuras tão fantasiosas quanto, no fim das contas, reais. Os cortes, se reduziram o tempo da narrativa, mantiveram o excelente ritmo: o grande público está seguro em uma história bem contada e, com base nisso, pode se divertir e, ao mesmo tempo, se emocionar em sua confortável posição.

Como é de costume, Charles Möeller não dispensa os mínimos detalhes do cuidado estético. Há cenários que sobem e descem, trilha em todos os momentos da narrativa, movimentos de luz que invadem a cena nos tempos específicos e, no figurino, sobram perucas, babados e maquiagem positivamente. Todo esse enorme investimento estético, infelizmente raro hoje em dia, parece servir especialmente a um grande propósito: entreter. Através de suas marcas, a peça deixa a plateia em uma situação bastante estável que, quando é posta a perigo, gera um riso interessante à abordagem. As maldades de Jane vão surpreendendo cada vez mais, levando o público ao divertimento, mas também, pouco a pouco, à expectativa de que a ordem retorne, isto é, de que a vilã seja punida. A direção, em todos os seus argumentos, estrutura um quadro que vai ser reanalisado a partir dos momentos finais. E é isso exatamente que era para acontecer.

O cenário de Rogério Falcão com luz de Paulo Cesar Medeiros, o figurino de Carol Lobato com visagismo de Beto Carramanhos, e o desenho de som de Ademir Moraes Jr. constroem um misto de fantasia e de realidade. De um lado, o guarda-roupa e a ambientação atendem a propostas estéticas que, em exercício de redundância, aproximam a obra do consenso. Por outro, as caracterizações, a luz e a trilha sonora colaboram para um idealismo próprio de uma reflexão sobre cinema e teatro que os personagens propõem. As duas dimensões, ao contrário do que se poderia pensar, não são contraditórias, mas colaborativas. Em questão, está a lição de vida que o final oferece através delas.

É difícil identificar destacar os méritos dos trabalhos de interpretação, porque esses chegam ao público muito contextualizados por outras marcas estéticas: o texto, o figurino, a maquiagem, a luz e o cenário. Nedira Campos, dando vida à vizinha; Paulo Goulart Filho, ao pai e ao pianista; e Teca Pereira, à empregada, parecem aproveitar muito bem as chances que têm e apresentam trabalhos, dentro do possível, valorosos. Ágatha Félix e Juliana Rolim, que interpretam respectivamente e a menina e a moça Jane têm mais oportunidades que Duda Matte e Karen Junqueira, a menina e a moça Blanche. Nesse sentido, talvez esteja aí o destaque que as primeiras ganham – e conquistam – em relação às segundas.

Eva Wilma e Nathalia Timberg são as estrelas da produção. Cada uma delas acumula uma carreira longa e cheia de sucesso no teatro e na televisão que se confirma por seus trabalhos nessa montagem. Se o filme não é popular entre o maior público, esse também pode gostar dele a partir do interesse gerado pela presença desses grandes nomes no elenco. Quanto a suas participações, vale dizer que, aprisionadas pelas inúmeras referências tanto à obra primeira quanto às marcas estéticas da própria produção, o trabalho delas sofre como os outros: é difícil identificar as particulares. É fácil, no entanto, perceber os mesmos aspectos positivos: texto bem dito, marcações bem feitas, ótimo ritmo.

Aplausos!
“O que terá acontecido a Baby Jane?” foi um grande espetáculo que passou pelo Brasil, atravessando a enorme crise que assola o país com a cabeça erguida e fazendo o público se orgulhar de seus artistas. Valeu a pena tê-lo assistido e torce-se que prossiga sua carreira em outros lugares da nação. Aplausos!

*

Ficha técnica:
Autor: Henry Farrell.
Adaptação: Charles Möeller.
Tradução: Claudio Botelho.
Direção: Charles Möeller.
Cenografia: Rogério Falcão.
Figurinos: Carol Lobato.
Iluminação: Paulo Cesar Medeiros.
Visagismo: Beto Carramanhos.
Design de som: Ademir Moraes Jr.
Coordenação Artística: Tina Salles.
Produtor executivo: Bruno Avellar
Assistente de produção: Leonardo Leone
Elenco: Eva Wilma, Nathália Timberg, Paulo Goulart Filho, Teca Pereira, Nedira Campos, Juliana Rolim, Karen Junqueira e as crianças Sophia Valverde, Duda Matte, Alessandra Martins e Ágatha Félix.
Realização: Brain+

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