quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

O Capote (MG)

Curta nossa página no Facebook: www.facebook.com/criticateatral
Siga-nos no Instagram: @criticateatral

Foto: divulgação



Rodolfo Vaz

Rodolfo Vaz em espetáculo imperdível

"O Capote" abrilhanta a programação teatral do Rio nesse fim do verão de 2016. A versão para teatro do conto de Nikolai Gógol (1809-1852), com adaptação assinada por Drauzio Varella e por Cássio Reis, tem direção de Yara de Novaes com Rodrigo Fregman, Marcelo Villas Boas no elenco. No papel principal, Rodolfo Vaz está em brilhante atuação. A história, que se passa na primeira metade do século XIX na Rússia, narra a desventura do funcionário público Akáki Akákievitch na conquista de um novo sobretudo de lã, um capote. A indumentária, além de protegê-lo contra o frio, tem o poder de oferecer um certo de tipo de ascensão social, aspecto que facilmente faz a narrativa servir de reflexão para essa contemporaneidade aficionada por novos I-Phones, roupas de grife e carros de luxo. O espetáculo pode ser conferido até 13 de março no Teatro 1 do Centro Cultural do Banco do Brasil no centro. 

A contemporaneidade da narrativa de Gógol
O cinquentão pobre e solitário Akáki Akákievitch sente o inverno castigar-lhe o corpo coberto por um capote cada vez mais puído. A necessidade esbarra no alto preço cobrado pelo alfaiate inicialmente, muito além de suas posses. Aos poucos, a narrativa original do russo Nikolai Gógol vai evoluindo em um movimento que pode ser analisado duplamente. Do ponto de vista da identidade, o olhar do outro por sobre o protagonista acaba por colocar em xeque sua subjetividade. Quanto à análise social, o conto serve como reflexão sobre o movimento de consumo: um objeto não é só visto pela sua utilidade, mas também pela sua capacidade de representar status social, alçando o consumidor para realidades até então estranhas.

Os sacrifícios homéricos que Akáki Akákievitch – vale notar que o nome do personagem é o mesmo do seu pai, outro elemento que anuncia sua falta de individualidade – em prol da compra de um novo capote dominam a narrativa. O desenvolvimento da história acentua as largas diferenças entre os pontos inicial e final desse conto lançado vinte e cinco antes de "O Capital", de Marx, mas já cheio de reflexões sociais que depois ganharam outras leituras. O advento da indústria e ampla aparelhagem dos meios de comunicação de massa tornaram o mundo de hoje bastante parecido com aquele descrito em "O Capote". Esse aspecto enche de méritos o projeto de adaptação dessa literatura para teatro.

A força da estética nessa direção de Yara de Novaes
Ao lado do dramaturgismo de Cássio Pires, a direção de Yara de Novaes revela a importância do equilíbrio entre o protagonista e o mundo que o circunda. Diferente de outras obras célebres do realismo psicológico – do qual Dostoiévski e Tchekhov são expoentes –, em "O Capote", o entorno não é apenas a paisagem e nem tampouco o algoz. Sem identidade, o anti-herói acaba invadido naturalmente no livro e na versão teatral. No palco, toda a estética de Novaes traz essas pistas: a paleta de cores regularmente sorumbática, a ampla exploração visual dos quadrados e o mobiliário apático do ótimo cenário de André Cortez. A iluminação de Bruno Cerezoli dá importância para os espaços escuros, recortando os personagens quando esses são trazidos pelo curso da narrativa para o primeiro plano e só nesses momentos. A trilha sonora interpretada ao vivo por Sarah Assis, presente na cena, inclui na argumentação a falta de vida dos sons eletrônicos. Com isso, oferece quase uma versão prêt-à-porter da música como meio de aproximar a questão narrativa de uma reflexão atual. De modo ainda mais claro, os figurinos de Cortez fazem o mesmo.

A brilhante interpretação de Rodolfo Vaz
Ao lado de Rodrigo Fregman e de Marcelo Villas Boas em bons trabalhos, Rodolfo Vaz apresenta uma interpretação que é excelente. Paulatinamente, o vínculo com a estética mais clownesca vai sendo abandonada não se sabe se pelo sufoco causado pela narrativa cada vez mais angustiante, se pela crítica realista mais afiada ou se pelo heroísmo mais impossível. Ao longo da encenação, o personagem Akáki Akákievitch vai sucumbindo pela tentação demoníaca a qual ele não pode resistir, deixando de viver em seu mundo original e ganhando o proscênio. Lá ele se encontra com o público, onde pode apunhalá-lo, vingando-se, mas ao mesmo tempo colocando-se em sacrifício em prol da reflexão. Eis um belo momento de Vaz como intérprete!

"O Capote", depois de estar em São Paulo e em Belo Horizonte, é um dos pontos altos agora da grade teatral do Rio de Janeiro. Imperdível!

*

Ficha Técnica
Autor: Nikolai Gogol.
Adaptação: Drauzio Varella.
Dramaturgia: Cássio Pires.
Direção: Yara de Novaes.
Elenco: Rodolfo Vaz, Rodrigo Fregnan e Marcelo Villas Boas.
Musicista: Sarah Assis.
Cenografia e figurinos: André Cortez.
Trilha sonora e música original: Dr.Morris.
Vídeo arte e design de projeção: Rogerio Velloso.
Criação de luz: Bruno Cerezoli.
Visagismo: Leopoldo Pacheco.
Arte e projeto gráfico: Lápis Raro.
Fotografia: João Caldas.
Produção: Oitis Produções Culturais
Produção executiva : Rose Campos