sexta-feira, 13 de março de 2020

O Quintal do Manoel (RJ)

Foto: Fábio Fortes

Renata Egger e Amaury Lorenzo


Muitos problemas nesse quintal do Manoel de Barros

Com muitos problemas, espetáculo “O Quintal do Manoel” estreou no pátio do Museu de Arte Contemporânea – MAC/Niterói no último domingo e vai até o final de março com sessões aos domingos pela manhã. Boa parte dos entraves da encenação exibe a falta de investimento dos grupos fluminenses na estética do Teatro de Rua / Teatro na Rua, essa já relativamente sólida em outras regiões do país inclusive com boa literatura teórica a respeito. Dirigido por Fábio Fortes, o texto é inspirado na obra do saudoso poeta mato-grossense Manoel de Barros (1916-2014) e tem interpretações de Luan Vieira, Renata Egger e de Amaury Lorenzo, esse último em excelente contribuição. A Direção de Arte de Eric Fully é o melhor aspecto desse projeto construído como resposta à elogiável Chamada Pública para Teatro em Novos Espaços, essa promovida pela Prefeitura Municipal de Niterói por meio da Secretaria Municipal das Culturas e da Fundação de Arte de Niterói.

Concepção cheia de buracos
Independentemente de qualquer outra avaliação, uma obra lírica como a de Manoel de Barros já impõe tantos desafios quanto liberdades a quem for adaptar para a linguagem cênica. Nesse sentido, o texto de Simone Bibian já enfrentaria a difícil responsabilidade de conectar as palavras do poema com a presença viva da plateia por meio de atores fosse de qualquer modo. O grande problema em termos de dramaturgia no caso de “O Quintal do Manoel” é que o texto não chegou, na sessão de estreia, ao público. Sabe-se que há três personagens – Avoada (Renata Egger), Bocó (Luan Vieira) e Inventador (Amaury Lorenzo) – e que a coisa toda gira em torno da potencialidade que há na imaginação de se transformar algo (uma caneta, por exemplo) em outro algo (um avião). Fora isso, chegam apenas informações soltas que poderiam até configurar um arcabouço estético interessante se não fosse notório o esforço dos atores em relação ao seu insucesso na empreitada. É uma pena.

Em tudo, há problemas na direção de Fábio Fortes a começar pela movimentação do elenco e da própria cena no espaço do MAC. É possível imaginar que talvez tenha havido a intenção de criar a sensação de que a abordagem estética venha do nada e ao nada vai. Ou talvez, em oposição, Fortes tenha tido dificuldade de lidar com o reflexões acerca da Caixa Preta / do Cubo Branco, que muitos grupos de Teatro de Rua resolvem com a criação da roda – uma delimitação programada por meio do qual o público reconhece onde é espaço cênico e onde não é. (Aliás, os próprios conceitos de Espaço Cênico e de Lugar Cênico são valiosos nessa construção!) O muito aparente porém é que não se trata de uma opção estética, mas de um problema mal resolvido de concepção: pela Direção de Arte, pela Trilha Sonora e pelos resquícios de Dramaturgia, o espetáculo se impõe à paisagem apesar da movimentação talvez almejar, na melhor das hipóteses, a invisibilidade.

Do mesmo modo, os problemas de concepção se revelam nas prosódias dos intérpretes. Se, no Teatro de Sala, há um acordo tácito entre público e atores que se pautam pelo silêncio de um diante da fala do outro, isso praticamente não acontece em Teatro de Rua / Teatro na Rua. A Rua não é um espaço controlável: os carros não param de passar, o tempo muda, os ambulantes gritam, a própria paisagem do MAC é um espetáculo à parte. Além disso, a duração da audiência não tem equiparidade com a duração do espetáculo: as pessoas só ficam diante do espetáculo enquanto podem ou lhes interessam, motivos esses por demais fluídos. Então, os recursos de convencimento dos intérpretes para manter a audiência são completamente diferentes. Renata Egger e Luan Vieira, em “O Quintal do Manoel”, põem a jogo a altura da voz, mas isso está longe de bastar. Por outro lado, Amaury Lorenzo balança a informação para todos e a informação da conversa particular e aposta meritosamente nas inflexões. Resultado? Seus personagens acabam por ser muito mais interessantes do que o de seus colegas e pautam, em consequência, assim, a maior parte toda a hierarquia de valores da encenação em enorme desequilíbrio.

Há ainda investimentos estéticos de ordens diversas, o que revela o pouco hábito de Fábio Fortes com a linguagem. É impossível pensar trilha sonora para um espetáculo no domingo de manhã no MAC como se estivesse decidindo uma trilha para o interior de um lugar reservado. Uma caixa de som com música incidental trava um duelo invencível com os sons naturais. Há que se considerar, por outra via, que a presença de um som artificial representa uma perda inestimável de possibilidades performativas ao elenco. Assim como o texto na dramaturgia, a música na trilha são valores jogados fora aqui.


Luan Vieira

O valor da aventura
O melhor elemento da construção estética de “O Quintal do Manoel” é a Direção de Arte de Eric Fully. Desde às cores até as texturas, em tudo, cenário e figurino foram visivelmente pensados para o espaço e para o momento da encenação. Quem está acompanhando o quadro de longe tem algumas percepções. Quem está vendo e ouvindo tudo desde muito pertinho (tocando inclusive nos atores) percebe outros detalhes. E todo esse balanço é muito positivo. Em termos visuais, o espetáculo chama a atenção e a sustenta positivamente com seus méritos.

Há que se considerar no aplauso a coragem da F2 Produções Artísticas e da Cambará LTDA em produzir tal experimento e da Prefeitura Municipal de Niterói em valorizar os fazeres de seus artistas. Sem fazer, nem os artistas crescem, nem o público toma contato com a experiência, nem os pensadores têm desafios a enfrentar. Aventurar-se é muito positivo. E Manoel de Barros sempre
merece atenção.

*

Ficha técnica:
Texto: Simone Bibian
Direção: Fábio Fortes
Elenco: Amaury Lorenzo, Luan Vieira e Renata Egger
Trilha Sonora: Sérgio Lobato
Direção de Arte: Eric Fully
Assistente de Direção de Arte: Beatriz Gonçalves, Bikahlo e Vivan Carla.
Assistente de Produção: Rodrigo Sundin
Programação Visual: Érika Villas Bôas
Fotos: Fábio Fortes
Produção: F2 Produções Artísticas e Cambará LTDA.

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