sexta-feira, 13 de março de 2020

Leopoldina, independência e morte (SP)


Foto: divulgação
Sara Antunes e Plínio Soares

Sucesso de público: a oportunidade Dona Leopoldina

O bom espetáculo “Leopoldina, independência e morte” está agora em cartaz no delicioso Teatro Petra Gold, no Leblon, onde fica até o fim de março. A peça vem completando temporadas cheias de sucesso no Brasil desde maio de 2018, vencendo batalhas difíceis no cenário cultural do país. Um dos motivos para isso pode ser o largo carisma de Dona Leopoldina, personagem que oferece uma rica oportunidade de conciliar “gregos e troianos”. Na narrativa, Sara Antunes defende com força a primeira imperatriz do Brasil em três momentos de sua vida. É interessante assistir ao trabalho idealizado, escrito e dirigido por Marcos Damigo, mas mais ainda refletir sobre ele.

Um herói por outro: sentimento sobreposto à razão
A grande questão da dramaturgia é que, por meio dela, a peça reclama o heroísmo mítico de Dom Pedro I em favor de Dona Leopoldina no processo da Independência do Brasil. Em outras palavras, escrito por Marcos Damigo, o texto de “Leopoldina, independência ou morte” quer substituir um herói pelo outro sem questionar o heroísmo em si. E é nesse esforço que talvez se possa justificar a melhor parte do sucesso desse aparentemente modesto espetáculo.

O texto é inspirado no ensaio “Cartas de uma imperatriz”, da psicanalista Maria Rita Kehl, e tem realização sob consultoria do historiador especialista Paulo Rezzutti, autor de “Dona Leopoldina, uma história não contada”. No entanto, a tese de que a Imperatriz Dona Leopoldina é “a verdadeira articuladora da Independência” é original. Os registros históricos, em que está inclusa a correspondência da Imperatriz, não apontam para a existência de um articulador, mas para a confluência de um conjunto de fatores que desembocaram na separação política legal do Brasil em relação a Portugal em meados de setembro de 1822. A localização como herói de Dom Pedro I ou a de José Bonifácio é simplista como também a de Dona Leopoldina. E é no simplismo que se encontram os maiores sucessos comerciais no campo do entretenimento. “Leopoldina, independência ou morte” tem diálogo valoroso com o grande público. E isso está longe de ser um desmérito.

O maior mérito da dramaturgia de Marcos Damigo nesse espetáculo é o efeito emotivo que a peça causa no público. De um lado, agarrada à valorização feminista da posição da mulher; e, de outro, apegada à tese conservadora do mito monárquico conservador e da Grande Mãe do Brasil, a plateia lotada adia a reflexão. No lugar da razão, vem um sentimento contagiante de humanidade em defesa da mulher e de patriotismo em luta contra a corrupção. O sentimento é legítimo e a opção por ele no lugar da razão tem que ser valorizada para além de qualquer gosto em contrário.

O romantismo no espetáculo
Sara Antunes

Dividida em quatro partes, a peça “Leopoldina, independência ou morte” está organizada em três momentos cronológicos da vida da Imperatriz Dona Leopoldina. De início, o público está diante da personagem por volta de 1819, menos de dois anos depois de sua chegada ao Brasil vinda da Áustria. Depois, há encontro com sua maturidade em uma audiência entre ela e o político José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838). Por fim, sucedem-se dois quadros: solilóquios mais ou menos com razão e delírio nos dias finais de sua vida (1826) e palavras dirigidas diretamente ao público com referências à atualidade. Todos esses trechos são construídos ficcionalmente com vistas ao despertar da emoção. E tudo isso está na peça bem à moda romântica, estética essa que a real Leopoldina havia visto florescer, na Áustria, no pós-classicismo de Beethoven, de Haydin e de Goethe. É assim, pelo apoiar-se às emoções, que o texto de Damigo se viabiliza organicamente na cena dirigida por ele próprio com colaboração de Lucas Brandão.

Da ingênua jovialidade da princesa austríaca em oposição à velhice carcomida da barroca corte portuguesa no Brasil, a peça se embrenha por um jogo político de ideias em um tabuleiro de xadrez. A trilha sonora de Ana Eliza Colomar e de Nivaldo Godoy Junior acompanha esse movimento: floreado na primeira parte e mais sóbrio na sequência. Em gesto coerente, o cenário de Renato Bolelli Rebouças e o figurino de Cássio Brasil se transformam de um jardim vistoso e de uma toillette retocada para um boudoir suado e um vestido encardido (com Bonifácio em um fraque acetinado grosseiramente amassado). Nos trechos finais, o desenho de luz de Aline Santini abandona a amplitude descritiva e participa do texto alçando a protagonista para destaque, de onde ela vaticina verdades e maldições no ponto alto de seu trágico discurso. Rebouças e Brasil deixam ver o caos e, na música, surge irônica participação do “Hino Imperial do Brasil” (hoje Hino da Independência), que foi composto por Dom Pedro I, o Jasão de quem essa Medeia fala mal. Em ritmo contorcido aparentemente complexo, todos os pontos se ligam em um conceito único na direção elogiável de Damigo e de Brandão.

As interpretações de Plínio Soares (José Bonifácio) e principalmente de Sara Antunes deixam ver mais esforço que intenção. O diagnóstico fica pior se se considerar a longevidade da produção (Soares ocupa o lugar de Jocca Andreazza, que estreou o personagem no lançamento da peça). Há um exagerado uso das mãos, com gestos acompanhando as palavras, que permanece alto durante toda a peça linearmente. As dicções são ótimas (nada se perde!), o que é bem positivo, mas quase não há investimento em entonações e em expressões faciais mesmo que quase dois anos desde a estreia. Eis bom trabalho, mas pouco relevante.

Produção de sucesso
A Palimpsesto Produções Artísticas, que produz “Leopoldina, independência ou morte”, merece aplausos pela qualidade de sua produção. Tornar uma proposta altamente comunicável sem se rebaixar ao nível do pastelão ou do stand-up comedy, é, hoje em dia, cada vez mais meritoso. Qualquer debate sobre a natureza desse trabalho vem depois do reconhecimento das dificuldades que esse intento dribla. Que o calor do público mantenha acesa essa chama.

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FICHA TÉCNICA
texto, direção e idealização: Marcos Damigo
codireção: Lucas Brandão
elenco: Sara Antunes e Plínio Soares
música ao vivo: flauta e cello por Ana Eliza Colomar
colaboração artística: Fabiana Gugli, Tarina Quelho e Joca Andreazza
cenário: Renato Bolelli Rebouças
assistente de cenografia: Amanda Vieira
figurino: Cássio Brasil
assistente de figurinos: Daniela Tocci
trilha sonora: Ana Eliza Colomar e Nivaldo Godoy Junior
desenho de luz: Aline Santini
assistente de direção: Laura Salerno
consultor histórico: Paulo Rezzutti
artes visuais: Priscila Lopes
design gráfico: Ramon Ribeiro
foto divulgação: Maíra Barillo
video: João F Maciel
comunicação: Agência Fervo - Priscila Cotta
produção local RJ: Reprodutora
produção executiva RJ: Gabriel Bortolini
coordenador de produção RJ: Luiz Schiavinato Valente
operação de luz e projeção RJ: Lara Cunha
contrarregra e camareira RJ: Sonia Oliveira
direção de produção: Fernanda Moura
assistente de produção: Fernanda Ramos
assessoria administrativa e jurídica: Mariana de Castro
assistente contábil: Anna Laura
contabilidade: Andrade & Associados
assistente contábil: Anna Laura Soeira
produção e administração: Palimpsesto Produções Artísticas - Fernanda Moura
patrocínio: Banco do Brasil
realização: Centro Cultural do Banco do Brasil
assessoria de imprensa RJ: JSPontes Comunicação - João Pontes e Stella Stephany

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