terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Vem buscar-me que ainda sou teu (RJ)

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Foto: Danillo Sabino


Saulo Segretto, Fernanda Gabriela e Leonam Moraes


Saulo Segreto, Joana Mendes e Fernanda Gabriela no novo espetáculo do CEFTEM


“Vem buscar-me que ainda sou teu” é o novo espetáculo da turma de Prática de Montagem do CEFTEM, escola de musicais dirigida por Reiner Tenente. Dirigida por João Fonseca, a peça foi escrita pelo dramaturgo santista Carlos Alberto Soffredini (1939-2001) e, nessa versão, tem músicas originais de Tony Lucchesi. O texto é uma declaração de amor ao teatro. Na trama, uma companhia tem sua história confundida com a da peça que ela apresenta: “Coração Materno”, do português Alfredo Viviani. Saulo Segreto e Joana Mendes se destacam ao lado de Fernanda Gabriela em ótimas atuações. A produção fica em cartaz no Teatro Serrador, na Cinelândia, até o dia 12 de fevereiro.

O mérito de Tony Lucchesi
“Coração Materno” é uma peça radiofônica escrita por Alfredo Viviani em resposta ao sucesso da canção homônima do cantor carioca Vicente Celestino (1894-1968). A música, um dos últimos grandes sucessos desse que foi uma das maiores estrelas da música brasileira na primeira metade do século XX, foi baseada no poema “A canção de Maria dos Anjos, do francês Jean Richepin (1849-1926), que havia sido traduzido para o português por Guilherme de Almeida em 1936. Na letra, uma mulher pede ao seu amante, como prova de seu sentimento, o coração da mãe dele. Cego de paixão, o obstinado jovem comete matricídio, mas, no caminho até o encontro com a amada, tropeça e deixa cair o órgão. Nesse momento, a voz da mãe morta é ouvida. Ela perdoa o filho como sinal da devoção incondicional do amor materno. Além da peça de Viviani, a canção inspirou também um filme dirigido pela franco-brasileira Gilda de Abreu (1904-1979), atriz e cantora que foi, durante muito tempo, casada com Celestino. Essa diretora foi uma das primeiras mulheres a dirigir cinema no Brasil. “Coração materno”, que tinha Abreu e Celestino como protagonistas, foi lançado em 1951.

O texto de “Vem buscar-me que ainda sou teu” foi escrito entre 1978 e 1979 e a sua primeira versão teatral foi produzida pelo Grupo de Teatro Mambembe. A peça, que ficou em cartaz em São Paulo, foi dirigida pelo israelita-brasileiro Yacov Hillel e teve, como interpretação mais destacada, a de Rosi Campos no papel da vedete pseudo-argentina Amada Amanda.

A história se passa nos bastidores de uma companhia de circo-teatro em uma pequena cidade do Brasil. Ela é dirigida por Aleluia Simões, que luta bravamente pelo sustento de seus artistas e do seu negócio desde que herdou a lona dos seus pais. Ela é mãe de Campônio, que está cego de paixão pela ambiciosa Amada Amanda, uma das dançarinas do grupo. Um dia, a chegada da talentosa Cancionina Song e partida do sedutor Lologigo incendeiam a inveja de Amada, que estimula Campônio a matar Aleluia para deixar o caminho livre no comando da empresa. A dramaturgia, ao lado da de “Na carreira do divino”, também de Carlos Alberto Soffredini, ganhou os prêmios APCA, APETESP e MAMBEMBE de melhor texto na temporada de 1979. O crítico Sábado Magaldi elogiou o trabalho, mas apontou negativamente o excesso de melodrama nas curvas finais.

As canções originais de Tony Lucchesi são bonitas, mas pesam o ritmo da dramaturgia em vários momentos. Dividido em vinte e uma cenas, todas elas previamente anunciadas, o texto sofre pela previsibilidade. Toda vez que a narrativa já emperrada estanca para a entrada da música, o enredo parece ainda mais longo. Apesar disso, Lucchesi merece ter seu trabalho elogiado pelo valor de uma composição original que se dedica a uma história tão querida principalmente por quem gosta de teatro e reconhece o valor da arte popular.

Saulo Segreto, Joana Mendes e Fernanda Gabriela
A direção de João Fonseca valoriza o melhor do texto que é a homenagem dele ao teatro. Nos vários momentos em que o olhar do público atua como mais um personagem entre as figuras da narrativa de Soffredini, Fonseca impõe um diferencial sobre a expressão delas de modo que o que é passa a conviver com o que deve parecer e, no meio do caminho entre os dois, estão os conflitos maiores da trama. Com exceção dos personagens Virgínia e Brilhantina, todo mundo é ator ali e até mesmo esses dois tem sua história com o ato de atuar que modifica o seu caráter. Essa influência da arte cênica sobre a vida daqueles através de quem a história se dá aparece em “Vem buscar-me...” de modo muito sutil, elegante e meritoso.

Além dos problemas da participação das canções já apontados, o ritmo de “Vem buscar-me que ainda sou teu”, em alguns momentos, também sofre com intepretações ruins. A cena dos temperos, em que Soffredini homenageia a revista “Tim tim por tim tim”, de 1889, do português António de Sousa Bastos (1844-1911), é inteiramente defendida por atores que nem atuam bem, nem cantam bem nessa produção infelizmente. Quanto aos demais do elenco, Gabriel Querino (Lologigo Valadão) e Mariah Viamonte (Amada Amanda) têm bons momentos seguidos por Leonam Moraes (Ruy Canastra), Jeff Fernandéz (Brilhantina) e Sophia Dornellas (Cancionina Song) em melhores participações.

Há que se valorizar os entrechos em que não é a tensão que faz ver as melhores marcas interpretativas, mas a operação de sensibilidades. É ela que é capaz de oferecer verdade aqui, considerando que, embora elogie a farsa, essa peça não é um exemplo dela. Em outras palavras, os célebres personagens do teatro popular, como a Dama (Aleluia), a Cínica (Amada), a Ingênua (Cancionina), entre outros, são referências aqui para os quadros em que há um teatro dentro do teatro, mas esses não acontecem sempre nessa narrativa. É nesses que se veem os melhores trabalhos de interpretação: Saulo Segreto (Campônio), Joana Mendes (Dona Virgínia) e principalmente Fernanda Gabriela (Aleluia). Os dois primeiros apresentam ótimas atuações e a última, além disso, canta lindamente em toda as suas oportunidades. Segreto e Mendes se movimentam bem na farsa, mas, com habilidade, permitem igualmente que as partituras os mantenham aparentemente vivos. Gabriela nunca vai pra farsa, mas, considerando que essa é uma peça de teatro musical, sua voz a destaca ao mesmo tempo em que eleva os méritos do espetáculo como um todo.

Votos de uma longa carreira pela frente
Em “Vem buscar-me que ainda sou teu” há que se valorizar o figurino de Carol Lobato e o cenário de Nello Marrese como elementos bastante colaborativos ao espetáculo. O ambiente promove um misto de circo e de teatro de variedades e o guarda-roupa lida bem com o desafio de uma peça que às vezes está dentro de outra peça. As coreografias de Victor Maia e a iluminação de Luiz Paulo Nenén são sem grande destaque.

Para algumas pessoas do elenco, esse é o primeiro trabalho profissional. Qualquer coisa menos positiva que se aponte, por isso, deve ficar por trás do incentivo a quem há de ter uma longa carreira no futuro. Vale a pena ver “Vem buscar-me que ainda sou teu”, um famoso marco na dramaturgia brasileira contemporânea.

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Ficha técnica:

Texto de Carlos Alberto Soffredini
Direção e Adaptação: João Fonseca
Direção Musical & Músicas originais: Tony Lucchesi
Coreografia: Victor Maia
Cenário: Nello Marrese
Figurino: Carol Lobato
Iluminação: Luiz Paulo Nenén

Elenco:
Fernanda Gabriela
Saulo Segreto
Leonam Moraes
Gabriel Querino
Mariah Viamonte
Jeff Fernandéz
Joana Mendes
Sophia Dornellas
Andressa Tristão
Bruno Rasa
Eduardo Barbuto
Ingrid Manzini
Gustavo Henrique
Luiz Felipe Carvalho

Banda:
Guilherme Borges
Victor Pires
Leonardo Fiuza
Carlos Bach
Patrick Grossman

Atores alternantes: Maíra Garrido, Augusto Volcato, Gabirel Leal, Murici Lima, Vitor Louzada, Yuri Izar, Hamilton Dias, Rhuan Santos, Marina Mota, Carol Baptista, Priscila Diniz e Tecca Ferreira

Assistente de direção: Pedro Pedruzzi
Preparação vocal e Assistente de direção musical: Maíra Garrido
Direção de produção: Reiner Tenente, Joana Mendes e Gabriel Querino
Produção Executiva: Gabriela Tavares e Tecca Ferreira
Idealização: João Fonseca e Reiner Tenente
Realização: CEFTEM

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