Curta nossa página no Facebook: www.facebook.com/criticateatral
Siga-nos no Instagram: @criticateatral
Foto: divulgação
Foto: divulgação
O espetáculo mais inspirador de 2016
“Gritos”, a nova peça da Cia. Dos à Deux, é o espetáculo mais inspirador de 2016 no Rio de Janeiro e está em cartaz até o próximo dia 16. André Curti e Artur Luanda Ribeiro apresentam aqui três poemas gestuais metafóricos em um todo sem falas preparado para atingir todos os públicos e oferecer uma obra estética de primeiríssima grandeza. A peça, que estreou em 17 de novembro, está em cartaz no Centro Cultural do Banco do Brasil, no centro da cidade, e depois seguirá para Brasília, São Paulo e Belo Horizonte. É correr para ver!
"Alta arte"
A primeira coisa que se deve dizer a respeito de “Gritos” é que, ao sair do teatro, se sabe ter estado diante de uma obra de “alta arte”. O termo é horroroso, porque pressupõe – de modo grosseiro – uma arte menor. Então, é preciso descrevê-lo. O novo espetáculo da Dos à Deux, como foi com “Irmão de Sangue” no ano passado, está além das perspectivas. O modo como os signos que estruturam o espetáculo estão dispostos é tão esteticamente explosivo que, nos lugares em que a conexão talvez não seja possível de ser identificada, reconhece-se mesmo assim seu brilhantismo. Porque rico demais, torna-se a peça a melhor imagem para descrever o adjetivo “inspirador”.
A dramaturgia se organiza em três quadros. Seus títulos são: “Louise e a velha mãe”, “O muro” e “Amor em tempos de guerra”. O primeiro traz uma transexual que mora com a mãe, essa última imobilizada em um cadeira e, por isso, totalmente dependente. A relação entre as duas revela o preconceito, o desgosto, a mágoa que habita nelas. O segundo é uma imagem surrealista de um homem cuja cabeça está separada do corpo, ambas as partes presas apesar da liberdade. O terceiro apresenta o ponto de vista de uma mulher do islã a respeito dos homens do seu mundo: a feminilidade e a maternidade em meio a necessidade de sobrevivência na guerra social e religiosa que se vive.
Com exceção de um brevíssimo momento em que há uma voz em off, não há diálogos verbais ao longo de todo o espetáculo. Isto é, o verbo não é usado enquanto signo estruturante da linguagem. No entanto, de modo vibrante, os personagens conversam entre si e consigo mesmos durante toda a peça, dando a ver diferentes contextos narrativos e poéticos capazes de viabilizar o discurso espetacular, como já disse, com grande potência.
O visual é um dos aspectos mais relevantes e essa é a segunda questão que precisa ser dita sobre “Gritos”. O modo como o cenário, a luz e a movimentação dos atores acontecem no palco parece ter sido organizado pelas regras renascentistas da perspectiva pelo excesso de triangulação entre o fundo e o público. Isso pauta um ponto de vista muito específico sobre o papel do olhar do espectador na fruição da obra. Talvez, com isso, a Dos à Deux queira humanizar o contexto, dizendo que tudo o que está em cena só pode ser compreendido a partir do homem e jamais de forma fria e mecanizada.
Da manipulação de bonecos como extensão dos corpos dos atores ao movimento dos objetos cênicos na espacialização dos ambientes, a tridimensionalidade normal do teatro ganha aqui uma aparência rara que é belíssima. A cenografia é assinada pela dupla de realizadores Ribeiro e Curti e eles tiveram a colaboração da marionetista russa Natacha Belova e do brasileiro Bruno Dante. André e Artur tiveram partes dos seus corpos – cabeça, mãos, pés e braços – esculpidos com gesso e depois trabalhados em diferentes materiais. Os figurinos dos atores e dos bonecos são assinados por Thanara Schonardie.
O belíssimo desenho de luz é assinado por Ribeiro e por Hugo Mercier. Sobre esse ponto, vale dizer que aqui a luz não apenas ilumina, mas “em-cena” todo quadro, isto é, contextualiza os contornos, as profundidades, as formas de tudo através do quê se vê a peça, tornando os signos outras coisas, multiplicando com isso suas potencialidades significativas brilhantemente.
O som é ainda mais um espetáculo à parte. Em primeiro nível, estão a criação musical de Beto Lemos e a trilha sonora de Marcello H. É um trabalho vibrante, que envolve as narrativas sem tomar o lugar delas, elevando a qualidade estética já altíssima da obra. Em segundo nível, estão as respirações dos bonecos inanimados, as vozes das conversas não ouvidas e principalmente os gritos jamais proferidos, esses que dão nome ao texto. O jeito como os atores, a mobilização dos objetos e a luz constroem a sensação do som é o mais interessante dessa produção.
Capaz de alimentar o público por muito tempo
André Curti e Artur Luanda Ribeiro apresentam um belíssimo trabalho de corpo na interpretação dos seus personagens. Seus gestos são minuciosos na construção de cada imagem, construindo um todo delicado, sensível e tocante. Das expressões mais pequenas aos movimentos mais largos, seu balanço se estende a tudo aquilo que está no palco ao seu lado - os bonecos, os objetos, a luz -, tornando todas as coisas, para além do cênico, em material poético de primeira grandeza. Excelente!
“Gritos” é uma daquelas obras capaz de alimentar o público em termos de estética por muito tempo. É um privilégio enorme assistir-lhe! Aplausos efusivos e gritos de Bravo!
*
FICHA TÉCNICA
Espetáculo: Gritos
Concepção, dramaturgia, cenografia e direção: Artur Luanda Ribeiro e André Curti
Interpretação: Artur Luanda Ribeiro e André Curti
Criação e realização objetos/bonecos: Natacha Belova e Bruno Dante
Criação Musical: Beto Lemos
Trilha sonora: Marcelo H
Cenotécnico: Jesse Natan
Iluminação: Artur Luanda Ribeiro e Hugo Mercier
Programaçao visual: Bruno Dante
Realização próteses: Dra. Rita Guimarães
Produção Brasil: Sergio Saboya - Galharufa
Produção executiva: Ana Casalli e Ártemis
Difusão - França: Drôles de Dames
Fotos: Renato Mangolin
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Bem-vindo!