sábado, 9 de dezembro de 2017

[nome do espetáculo] (RJ)

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Foto: divulgação


Carol Berres, Junio Duarte, Caio Scot e Ingrid Klug

Lindas vozes em um dos melhores musicais do ano no Rio

O excelente musical “[nome do espetáculo]”, com direção de Tauã Delmiro e com direção musical de Gustavo Tibi, é a primeira versão brasileira do norte-americano “[title of show]”, de Jeff Bowen e de Hunter Bell, que foi uma sensação em Nova Iorque em 2008. O elenco dessa montagem, formado por Caio Scot, Junio Duarte, Ingrid Klug e por Carol Berres, com destaque mais significativo para essa última, apresenta, entre outros méritos, um belíssimo trabalho vocal. Sozinhos ou em conjunto, eles cantam tão lindamente que se sai do teatro com as músicas desconhecidas no ouvido além do coração cheio e de uma forte crença na humanidade. São para essas coisas, afinal, que um musical serve, não? Tendo cumprido uma primeira temporada no Solar de Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro, entre 4 de novembro e 4 de dezembro, espera-se que a produção retorne em cartaz e viaje pelo país com sua enorme beleza.

Dramaturgia brilhante
O texto, que foi indicado ao Tony Award de 2008, é nada menos que brilhante. Isso porque ele catalisa, na sua estrutura fundamental enquanto literatura, as marcas que vinculam a sua dramaturgia à sua própria tradução para o palco. Sabemos que uma das diferenças mais brutais entre a arte literária e o teatro é o seu vínculo com o presente. Enquanto um texto dramático, um romance, um poema duram milênios após a sua escritura e as relações da obra com o seu autor são muito pueris, o texto cênico só dura o tempo da apresentação e, a menos que se disfarce muito, a forma do ator é a base para a forma do personagem. “[nome do espetáculo]”, já no título, deixa claro o espaço para o agora. Mais do que o nome da peça, é um buraco onde se pode encaixar qualquer nome. É uma espécie de presença-ausência, sendo presente porque existe, sendo ausência porque não descredibiliza a interação.

Na narrativa, a iminência de um Festival de Teatro mobiliza um jovem compositor chamado Jeff (uma óbvia referência ao compositor Jeff Hunter) e um jovem dramaturgo chamado Hunter (alusão a Hunter Bell) a escreverem uma peça original para participar do evento. Como uma medida de proteção contra o bloqueio criativo, a dupla investe no registro de tudo o que lhes vem à mente, de tudo lhes acontece. Sendo os dois personagens figuras discursivas, existentes apenas como parte do acontecimento teatral e por motivação das ações dos atores em consideração ao público que lhes assiste no ato do espetáculo, de repente, o texto que Jeff e Hunter criam passa a ser, ao mesmo tempo, a dramaturgia que eles elaboram, a peça que eles apresentam, mas também o elo que os une aos atores que lhe dão aparência e ao público que lhes frui. Nos anos 70, a grande pesquisadora francesa Anne Übersfeld (1918-2010) concluiu que o signo teatral era triádico porque, em um só momento, fazia referência a si mesmo, ao contexto onde ele surge e ao além do palco aonde ele dirige. Aqui, desde o ponto de vista da dramaturgia, há um quarto nível: em “[nome do espetáculo]”, o signo teatral se refere à natureza da sua constituição.

Existe uma clara ligação entre “[nome do espetáculo]” e “Seis personagens à procura de um autor”, do italiano Luigi Pirandello (1867-1936), pois em ambos o texto teatral em específico fala sobre a materialidade do texto teatral em geral, sendo os dois exemplos de metateatro. Os autores Jeff Bowen e Hunter Bell, no entanto, vão além. Nesse musical, eles não só tornam o teatro um dos principais assuntos de sua dramaturgia, como cavam buracos para a encenação entre as palavras escritas no papel. Nesses gaps, será onde o espetáculo vai se enfiar e tornar as palavras em cenas. “[title of show]” foi desenvolvido para a primeira edição do New York Musical Theater Festival, que aconteceu em setembro de 2004. Além de Bowen e de Hunter, as atrizes Heidi Blickensataff e Susan Blackwell, e o pianista Larry Pressgrove, estavam em cena e consequentemente viraram personagens. Dois anos depois, quando  a produção ganhou uma pauta na Off-Broadway, a dramaturgia mudou para incluir os acontecimentos do Festival. Em 2008, na Broadway, houve novas mudanças. Mudar, nesse sentido, não é um mero efeito de aproximação entre o palco e a plateia. É a própria ideologia dessa dramaturgia que, aparentemente, se reconhece como somente válida no aqui e no agora da sua viabilização em cena seja em qual país ou em qual época for.

A versão brasileira, assinada por Luisa Viana, pelos atores Caio Scot, Carol Berres e Junio Duarte e pelo diretor Tauã Delmiro, mantém os nomes dos personagens de cena como Jeff, Hunter, Heidi e Susan, mas modificam quase todas as inúmeras referências. Surgem, apenas para dar alguns exemplos, a Lapa, o Aterro do Flamengo, o Theatro Net Rio. Aparecem Mirna Rubim, Charles Möeller e Cláudio Botelho. São citados vários musicais produzidos no Brasil recentemente, desde “Barbaridade” até “60! Década de Arromba – Doc. Musical”, passando por “Rent” e “Wicked”. Toda a estrutura, apoiada sobre o universo das produções de teatro musical no Brasil, a princípio, se se afastam de quem não está inserido nesse mundo, logo em seguida, cedem seu lugar de importância para algo muito mais nobre: o desejo humano natural de ser reconhecido.

Embora constituído de um só ato de cerca de noventa minutos, “[nome do espetáculo]” pode ser dividido em duas partes para fins de análise. A primeira diz respeito à caminhada dos quatro personagens até uma primeira temporada de sucesso em um grande teatro de sua cidade, ou seja, a conquista do topo. Na segunda, trata-se da manutenção do lugar conquistado. A partir dessa observação, nota-se que, de início, o problema do drama é a realização de um sonho. Mas esse problema se transforma: o sonho muda de lugar, o limite fica mais longe. E é aí que os personagens realmente aparecem. Nesse momento, vem à superfície o humano – a ambição, a frustração, o medo, a ira, a responsabilidade para com a memória da infância. E, apesar de todas as marcas do aqui e do agora, “[nome do espetáculo]” se torna tão atemporal quanto qualquer outro clássico. Um texto brilhante.

Excelente direção de Gustavo Tibi
Quanto à montagem brasileira, “[nome do espetáculo]” mantém o mesmo ideário estético do seu original “[title of show]”. Estão nessa versão o clima de “ação entre amigos”, capaz de aproximar o espetáculo do público; um excelente trabalho musical, que dá conta de lindas partituras difíceis; e uma estética interpretativa carismática porque oposta a construções de personagem muito complexas. Com mão firme, a direção de Tauã Delmiro não revela a sua inexperiência na função, mas, ao contrário, exorta um enorme talento em criar quadros cheios de ironia, graça e com excelente uso do tempo. Vale considerar ainda a materialização do conceito: uma crítica bem humorada à lógica das produções de musical aliada a um tom tão realista quanto o gênero, em sua melhor potencialidade, permite.

Em mais alto destaque na produção, está a direção musical de Gustavo Tibi, essa contemplável pela indescritível beleza das vozes dos quatro intérpretes em conjunto, mas também em cada parte. O espetáculo, inteiramente desconhecido no Brasil (e também não muito famoso nem mesmo em seu país de origem), por isso, consegue sugerir suas melodias à prisão dos ouvidos mais desavisados. Aplausos à direção vocal de Rafael Villar e ao designer de som Gabriel D’angelo.

O cenário de Cris de Lamare, atendendo ao texto, é composto por quatro cadeiras, cada uma de forma e cor diferente, talvez se manifestando em favor ao modo como seres diferentes constituem uma harmonia na vida e nos musicais. Os objetos sustentam o clima simples e intimista de um musical que nasce e sobrevive em paralelo às grandes produções com ambientes que sobem e descem das coxias. O figurino assinado pelo diretor age no mesmo sentido positivamente. A iluminação de Paulo César Medeiros aumentou o espaço do palco do Solar de Botafogo, aproveitando-o em sua máxima potencialidade de maneira muito meritosa.


A potência e a beleza da voz de Carol Berres
O conjunto das interpretações é bastante positivo. Caio Scot (Hunter) e Junio Duarte (Jeff) protagonizam uma dupla de amigos muito carismática. Em torno de seus personagens, giram oposições e similaridades que, ora os aproximam, ora os diferenciam, mas sempre os mantêm próximos das pessoas que conhecemos no além da narrativa. Os intérpretes parecem fugir de estereótipos, investindo nas chances que suas figuras terão ao longo da peça de ganhar cores mais intensas. Scot é mais privilegiado do que Duarte, porque o personagem do primeiro é o único da narrativa que tem uma curva dramática relativamente acentuada. No entanto, vale dizer que ambos aproveitam bastante bem as oportunidade que têm. O elenco é composto também por Ingrid Klug, que interpreta Susan, a figura cômica do grupo. Com excelente timing de comédia, a atriz garante os momentos mais engraçados da sessão além de oferecer números musicais bastante meritosos. Carol Berres, com uma voz potentíssima e um excelente trabalho de corpo, é quem melhor se destaca. Trata-se de um fenômeno no cenário do teatro musical brasileiro sob a qual devem-se recair as mais criteriosas atenções. No todo, eis um excelente conjunto.

“[nome do espetáculo]”, argumentando em torno de si e sobre si enquanto existe e se apresenta, é uma gratíssima surpresa entre as oportunidades teatrais de 2017. Há de ser em 2018 também a partir dos enormes talento e técnica que seus realizadores trazem à programação, mas principalmente pela interessada resposta de curadores e, por fim e mais importante, do público afeito a bons musicais. 

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Ficha Técnica:
TEXTO ORIGINAL: Hunter Bell
LETRAS E MÚSICAS ORIGINAIS: Jeff Bowen
VERSÃO BRASILEIRA (TEXTO E MÚSICAS): Caio Scot, Carol Berres, Junio Duarte, Luisa Vianna e Tauã Delmiro
DIREÇÃO ARTÍSTICA: Tauã Delmiro
ELENCO: Caio Scot, Carol Berres, Gustavo Tibi, Ingrid Klug e Junio Duarte
STAND-IN: Catherine Henriques
CENÁRIO: Cris de Lamare
ASSISTENTES DE CENOGRAFIA E ADEREÇOS: Fernanda Correia e Silas Pinto
FIGURINO: Tauã Delmiro
ILUMINAÇÃO: Paulo César Medeiros
DIREÇÃO MUSICAL: Gustavo Tibi
DIREÇÃO VOCAL: Rafael Villar
DESIGNER DE SOM: Gabriel D’Angelo
OPERADOR DE SOM: Cidinho Rodrigues e Erick Lima
OPERADOR DE LUZ: Dans Souza
MICROFONISTA: Manuela Hashimoto
DESIGNER GRÁFICO: Thiago Fontin
FOTOS DE DIVULGAÇÃO: Bárbara Lopes
ASSISTENTE DE PRODUÇÃO: Manuela Hashimoto
DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: Fernanda Alencar
ASSESSORIA DE IMPRENSA: Julyana Caldas – JC Assessoria de Imprensa
IDEALIZAÇÃO: Caio Scot e Junio Duarte
REALIZAÇÃO: Caju Produções



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