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Foto: Rodrigo Castro
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Anderson Cunha |
Excelente interpretação de Anderson Cunha
O bom monólogo “O rei da glória” é uma ótima oportunidade para o público carioca (re)conhecer o enorme talento de Anderson Cunha como excelente intérprete que é. A peça, escrita por ele e dirigida por ele e por Guilherme Miranda, é também um meio de conhecer a Sala Espelho do Teatro Baden Powell, em Copacabana, que abre sendo uma nova janela na programação teatral fluminense. Na narrativa, Cunha dá vida a personagens, todos eles bastante diferentes entre si, que convivem em um perímetro comum: o bairro da Glória. O problema da montagem é o fato de, excetuando a localização, não haver maiores possibilidades de articulação entre as figuras que dê à produção melhor objetivo além de um portfólio do repertório expressivo do artista. Fica em cartaz até o dia 1o de abril próximo.
Sobre a dramaturgia
A dramaturgia de “O rei da glória” se organiza através de uma galeria de figuras mais e menos exploradas que despertam interesse na audiência. De todas, apenas uma é realmente bem trabalhada: Bóson, um homem que vive no alto das árvores do bairro da Glória, na zona sul do Rio de Janeiro. Dele sabemos sobre sua infância, como chegou aonde está e, por fim, seu desfecho. Dos demais, tem-se acesso apenas a relances de suas existências: o camelô Rico Star, que vende objetos usados na rua; o Pastor, que abriu uma nova religião apoiado não na bíblia, mas em um dicionário, e que condena os mudos e surdos por não usufruírem do dom da fala; o compositor e cantor EMC ao Quadrado, que busca sucesso com um rap composto por ele; e o Cineasta, que grava os depoimentos dos demais personagens. Há também duas outras personagens que participam da história apesar de não ganharem corpo na pele de Cunha: Rebeca, a namorada do Cineasta; e Clarisse, uma mulher virgem cuja gravidez movimenta a programação de rádio ouvido nas trocas de cena durante a peça.
Questões como invisibilidade social e marginalidade são meramente tangenciadas, mas não chegam a se tornar propriamente um grande tema. Talvez ela atinja Bóson e Rico Star, mas definitivamente não se pode dizer que o Pastor seja invisível ou marginalizado e sobre o Cineasta muito menos. EMC, de um modo trágico, ele consegue o sucesso almejado e, a respeito de Rebeca e de Clarisse, também não há muito como argumentar nesse sentido.
Assim, da primeira à última cena, o que realmente funciona no espetáculo “O rei da glória” são os meios expressivos que o ator Anderson Cunha emprega para dar a ver as figuras criadas por ele, como autor da dramaturgia. É uma peça ótima para produtores de elenco que poderão – espera-se, deseja-se, torce-se! – contratá-lo como ator.
Excelente direção de arte de Ronald Teixeira
A direção de Guilherme Miranda tem muitos méritos no modo como propõe o uso do espaço e o preenche ao longo da sessão. Cada personagens parte de um lugar fixo, mas que invade todo o palco aos poucos de modo que as figuras crescem positivamente no panorama geral do quadro espetacular. Entre o fim de cada cena e o início da seguinte, há um momento de neutralidade em que as inserções da trilha sonora – o caso da virgem Clarisse pelo rádio, por exemplo – colaboram para a narrativa. O ritmo lento é eficaz, pois talvez convide a audiência para que conheça melhor as figuras, ouça-as, descubra-as. Esse gesto viabiliza uma possível intenção da peça em valorizar a escuta em um mundo em que todo mundo parece ter algo a dizer, mas em que ninguém parece estar a fim de ouvir.
A direção de arte de Ronald Teixeira, esse que assina o cenário e o figurino ao lado do diretor, é excelente. Como um espetáculo dentro do espetáculo, o quadro é composto de maneira que mais parece uma instalação. O palco está tomado de objetos, mas cada um se relaciona com os demais por meios de cores, de formas e de texturas como se fossem tintas em uma tela bastante bela. Sobretudo nos momentos de intervalo, a paisagem mantém presa a atenção do público que ainda respira o texto e a interpretação de Anderson Cunha.
Nesse trecho, vale ainda elogiar a iluminação de Paulo César Medeiros e a trilha sonora do diretor e do dramaturgo. Esses dois elementos participam positivamente, aumentando os valores do todo na construção de imagens poéticas e também na abertura de espaços para a imaginação onde o horizonte narrativo pode se ampliar.
Excelente atuação
Nesse espetáculo, Anderson Cunha apresenta, talvez, o seu melhor trabalho como ator em sua carreira. Para além de vozes diferentes e de corpos diversos, cada um dos personagens que ele interpreta em “O rei da glória” tem um tempo muito próprio. O jogo de ações e de reações sobre o qual está construída cada interpretação, em acréscimo à voz e ao corpo, insere uma carga poética extra às narrativas particulares, deixando cada figura ainda mais real, mais humana, mais próxima e carismática. É uma delícia encontrar artista com material tão rico e plenamente disponível para a arte.
Além de todos os méritos, vale a pena ver “O rei da glória” para (re)encontrar Anderson Cunha com interpretação em ótima forma.
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FICHA TÉCNICA
Texto e atuação: Anderson Cunha
Direção: Guilherme Miranda e Anderson Cunha
Direção de arte: Ronald Teixeira
Cenografia e Figurinos: Ronald Teixeira e Guilherme Reis
Iluminação: Paulo César Medeiros
Direção de movimento: Clarice Silva
Fonoaudióloga: Luisa Catoira
Trilha Sonora: Guilherme Miranda e Anderson Cunha
Assistência de direção: Renata Benicá
Direção de Produção: Andreia Fernandes e Lya Baptista
Programação Visual: Silvio Cunha e Rodrigo Micheli
Assessoria de Imprensa: Bianca Senna
Fotografia: Rodrigo Castro
Mídias Sociais: Rafael Teixeira
Vozes em off: Julia Shaeffer, Márcio Machado, Guilherme Miranda, Renata Benicá, Adriano Pellegrino e Thaine Amaral
Coordenador Técnico/ Operação: Iuri Wander
Realização: Cavalo Marinho Produções Artísticas Ltda.
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