domingo, 25 de março de 2018

Grande sertão: veredas (SP)

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Caio Blat

Uma imperdível montagem histórica

O espetáculo “Grande sertão: veredas”, dirigido por Bia Lessa, é daquelas montagens que ficam na história do teatro do país, como “O Balcão”, de Victor Garcia; ou “Gota d`água”, de Gianni Rato. Quem assiste sabe disso, quem faz deve se orgulhar. Trata-se de uma excelente adaptação para teatro do livro homônimo do mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967), a obra mais importante escrita em língua portuguesa desde “Os lusíadas” (1572), de Luís de Camões. (Quem não leu não pode dizer por aí que entende de alguma coisa.) No elenco, Caio Blat interpreta Riobaldo de maneira magistral e definitiva, marcando um lugar glorioso na história do teatro brasileiro. Ao seu lado, também se destacam os excelentes Luisa Arraes (Riobaldo jovem) e Leonardo Miggiorin (Zé Bebelo) com Luiza Lemmertz (Diadorim), Leon Góes (Medeiros Vaz) e grande ótimo elenco em seus encalços. Entre todos os destaques, precisa ser citada a trilha sonora de Egberto Gismonti, que colabora de maneira essencial para o todo. Depois de uma linda temporada em São Paulo, a produção cumpre concorrida estada no Centro Cultural do Banco do Brasil no Rio de Janeiro até o próximo dia 31 de março. 

A complexidade de uma humanidade ou a travessia de um sertão 
O primeiro aspecto muito relevante do espetáculo “Grande sertão: veredas” é que a sábia Bia Lessa entendeu que não poderia inventar a roda. Diferente do que muitos diretores fazem com obras clássicas, ela não dá sua opinião. Não que não a tenha (é óbvio que uma artista inteligente como ela pensa muito!), mas porque entende que trazer a opinião de Guimarães Rosa já é desafio pesado o suficiente para ainda querer mais. Com maestria, suas criações se focam nas contribuições do teatro para a literatura certa de que a literatura contribuiu muito para o teatro sobretudo no que diz respeito a esse caso em especial. Riobaldo é nosso Hamlet, nosso Dom Quixote, nosso Édipo, nosso enigma. 

Publicado em 1956, “Grande sertão: veredas” é a obra máxima em língua portuguesa já escrita desde “Os lusíadas”, de Luís de Camões, que foi lançada no final do século XVI. As duas inventaram um idioma, ambas fundaram uma sociedade. Em torno da volta de Vasco da Gama a Portugal, está toda a mítica do império português. No interior da mente de Riobaldo, está toda a complexidade do mundo moderno. O “grande sertão” é o homem. E os caminhos que um homem trilha no interior de si mesmo são suas veredas. 

A história pode ser dividida em quatro partes. Na primeira, há a juventude de Riobaldo desde momentos antes da morte da mãe até seus primeiros anos com seu padrinho Selorico Mendes, quando ele aprende a ler e a escrever. É na fazenda de São Gregório que ele conhece Joca Ramiro, um dos jagunços mais temidos do sertão de Minas Gerais, por cuja vida Riobaldo se encanta. Nessa fase, também está sua ida para a fazenda do rico Zé Bebelo, que sonha em ser deputado: um tipo de jagunçagem também, mas institucionalizada. Lá, Zé Bebelo é atacado pelo grupo de Hermógenes, uma subpartição do grupo de Joca Ramiro. Reinaldo, um jovem de olhos verdes que Riobaldo conheceu ainda criança, faz parte desse grupo. E, por causa dele, Riobaldo troca de lado. 

Na segunda fase, Riobaldo passa a ser chamado de Tatarana por sua boa mira. Liderados por Joca Ramiro, com o grupo de Hermógenes e de Ricardão, Tatarana e Reinaldo atacam Zé Bebelo, trazendo muitos conflitos à alma de Riobaldo que já não sabe mais qual é o lado certo e qual é o lado errado na guerra. Em meio à batalha, Reinaldo conta a Riobaldo que seu nome verdadeiro é Diadorim e autoriza o amigo para que, quando estiverem à sós, ele o chame desse modo. Diadorim faz Riobaldo prometer que não se envolverá com mulher alguma enquanto estiverem em guerra. Com muito receio, mas sentindo-se intimamente ligado ao amigo, Riobaldo faz o juramento. Preso, Zé Bebelo é julgado pelo grupo de Joca Ramiro. Muitos defendem a pena de morte, mas Tatarana argumenta que matar em batalha para defender-se da morte é uma coisa e matar ali, a sangue frio, é outra. Com isso, consegue que Zé Bebelo seja exilado para Goiás, não podendo mais entrar em Minas Gerais enquanto Joca Ramiro estiver vivo. 

A terceira fase começa quando se descobre que Hermógenes e Ricardão mataram Joca Ramiro pelas costas, uma traição brutal. Liderados por Medeiros Vaz, Riobaldo e Diadorim partem no grupo que pretende vigar a morte do líder já no sertão baiano. No meio do caminho, há o Liso do Sussuarão, um deserto terrível de onde nenhum homem jamais voltou com vida. Lá, Marcelino Pampa morre e há uma disputa para ver quem será o líder. Riobaldo é indicado, mas ele nega. Surge Zé Bebelo e propõe unir-se ao grupo vingador como líder e é aclamado como tal. Porém, revela-se fraco, dependendo exclusivamente da ajuda dos soldados do governo para vencer suas guerras entre e contra os jagunços. Quando Zé Bebelo some, Riobaldo é aclamado como líder, passando a ser chamado de Urutú-branco. Em uma encruzilhada, em Veredas Mortas, invoca o demônio várias vezes e carrega consigo a dúvida de se vendeu ou não sua alma ao diabo. 

Na última fase, Urutú-branco é o líder da jagunçada contra os “judas”. Munido de força inabalável, tenta pela segunda vez atravessar o Liso do Sussuarão, dessa vez, com sucesso, o que lhe faz acreditar que talvez esteja sido protegido pelo demônio. Na fazenda de Hermógenes, sequestram sua esposa, mas não encontram o traidor. Na batalha seguinte, Riobaldo mata Ricardão e segue, enfim, para o Paredão. Lá Riobaldo, Diadorim e Hermógenes vão travar o seu combate final. E o leitor conhecerá, de alguma forma, uma nova personagem: Maria Deodorina da Fé Bittancourt Marins. 

Essas quatro partes, diferente do modo como foram trazidas aqui, não estão cronologicamente dispostas. Através de uma narrativa em primeira pessoa, todas as lembranças vêm à boca de Riobaldo de um modo muito confuso, como acontece com qualquer um. E Guimarães Rosa preservou isso. Há dezenas de páginas sem parágrafo e frases que duram folhas. Ao longo de quase quinhentas laudas, surgem incontáveis neologismos de maneira que “Grande sertão: veredas” é um livro que precisa ser lido em voz alta para que os sons ajudem o leitor a compreendê-lo na falência das letras no papel. Tudo isso tem sentido: interessa à obra ser metáfora para a complexidade do mundo. 

Pelo menos, três grandes conflitos povoam a mente de Riobaldo: o moral, o religioso e o identitário. Em primeiro lugar, as noções de certo e errado nunca ficam exatamente claras para o personagem: ele se identifica com seus inimigos, se distancia dos seus amigos, não se sente realmente parte de nenhuma bandeira, mas pode se ver entre todas. Em segundo lugar, ele reconhece o poder das forças ocultas, mas não consegue dar-lhe um rosto. A existência do demônio é várias vezes questionada, embora pairem muitas dúvidas sobre o seu poder. Em Veredas Mortas, fica claro que o demônio, para Riobaldo, é útil, pois, com ele, sabe-se o que é justo e injusto, quem é bom e quem é mau, o que é bonito e o que é feio. Mas, para o protagonista, o problema da vida é justamente a dúvida, a falta de organização, a transformação, a travessia. Por fim, há ainda um debate interno que diz respeito à sua identidade. Sendo homem, como pode ele gostar de outro homem? 

O Brasil vive hoje um período em que massas clamam por um padrão moral inabalável capaz de trazer luz (como Lúcifer) sobre o que é bom e o que é mau, o que é certo e o que é errado. Isso resulta de um cansaço da convivência com o fluído, com o carnaval, com o sertão e com suas veredas. É nesse sentido - porque há que se reconhecer que é verdadeiramente no sertão onde há vida - que Riobaldo é essencial hoje em dia: um homem em travessia. 

Um espelho cheio de oposições 
Bia Lessa, para transpor “Grande sertão: veredas” ao teatro, escolheu o formato de palco em galeria: o público fica dos dois lados do espaço cênico, o palco no meio das duas plateias. Com isso, ela valoriza a dualidade presente em toda a obra: o conflito, o embate, a travessia. Essa concepção, assinada também por Camila Toledo com colaboração de Paulo Mendes da Rocha, privilegia a dúvida e faz dela o ponto chave para se adentrar no universo de Guimarães Rosa nesse livro. 

Com exceção de alguns bonecos de cobertor e pedaços de madeira, não há objetos em cena. Os figurinos de Sylvie Leblanc são pretos, uniformizando todos os personagens: membros de uma mesma humanidade em transformação apesar de terem nomes e personalidades distintas. Através disso, pode-se supor que Lessa entende que as pessoas da história são anônimos com nome: um povo esquecido do sertão, heróis sem caráter, nem história, nem medalhas. 

É desse material, "donada", que a história ganha corpo pela boca de Riobaldo. Tudo acontece em suas lembranças e lembranças não têm corpo, nem massa, mas são apenas energia em movimento atravessando o cérebro do narrador. São como o teatro, que existe enquanto acontece, mas depois é só imagens turvas na cabeça de quem dele se lembra. 

Através do belíssimo desenho de luz de Binho Schaefer e sobretudo da maravilha de música de Egberto Gismonti, o público é alçado para dentro da linguagem de Riobaldo: um falar pretensiosamente rebuscado a la Luís de Góngora (1561-1627), poeta culteranista espanhol que viveu na mesma época de Camões, Lope de Vega, Cervantes, de William Shakespeare, entre outros menos célebres. Em suas voz, o homem faz força para existir não apenas quando nasce, mas quando luta para legitimar no mundo sua existência. Tanto a luz quanto a música realçam sua narrativa, destacando o corpo, o movimento, as sombras. 

O ritmo do espetáculo “Grande sertão: veredas” é excelente porque a direção de Lessa, assistida por Bruno Siniscalchi, faz, de um lado, tudo acontecer no ato presente da encenação; e, de outro, se utiliza da reflexão do personagem-narrador como rápido respiro capaz de oxigenar o todo e manter-lhe a fluência. Em outras palavras, não há ações descritas, mas encenadas e não há reflexões desperdiçadas, mas integralmente relacionadas ao contexto narrativo. 

Dentre todos os méritos da encenação, valem destacar dois: o uso da som e a articulação entre as cenas. Quanto ao primeiro, a opção pelo palco em galeria levou a produção ao problema de espaço para a montagem. A rotunda do CCBB-Rio tem uma péssima acústica, mas o problema foi resolvido com o uso de fones de ouvido por meio dos quais o público ouve o que falam os atores. Os fones, no entanto, trouxeram inúmeras outras vantagens à fruição. Graças a eles, compreende-se tudo o que se é dito em cena com magnífica precisão. Além disso, por causa deles, pôde os atores optar por alternar momentos de maior grandeza no tom de suas falas e momentos em que a introspecção pode acontecer de modo mais realista. Assim, o ambiente sonoro de “Grande sertão: veredas” é um ponto relevante em seu sucesso porque concedeu à viabilização a possibilidade de explorar as sutilezas da mesma forma que as grandezas da obra. O momento em que os fones são desligados para realçar o ataque ao bando inimigo é um ótimo exemplo para argumentar sobre como a opção auxilia no ritmo do espetáculo positivamente. 

Por fim, a presença dos pássaros na encenação é outro ponto marcante. Sejam corvos, sejam urubus, sejam colibris, eles sustentam o mistério da obra, estando presentes vindos do céu, mas próximos dos homens, algumas vezes, desejando suas carnes apodrecidas. Em vários momentos, Lessa desfaz as presenças dos personagens, fazendo com que os atores abandonem as cenas por meio da representação de pássaros. Esses entrechos marcam um modo muito peculiar de articular os quadros na estrutura da peça. Não são finalizações rígidas, mas deslizantes, que colaboram para que a existência da narrativa no espaço-tempo seja integrada desde seu interior. 

Como acontece na leitura do livro, “Grande sertão: veredas” não pega fácil. É um sertão, não é um resort à beira mar afinal de contas. A obra exige esforço, a complexidade requer traquejo. Todo esse início difícil, no entanto, dá vida para a delícia da experiência do meio para o fim. De um lado da plateia, é plenamente possível identificar o outro lado completamente tocado pelo quadro que se interpõe entre o público. Riobaldo surge e reina como um espelho que devolve ao homem sua imagem cheia de oposições. 

Blat torna um clássico da literatura em um clássico do teatro 
Luisa Arraes e Leonardo Miggiorin
Ao analisar os trabalhos de interpretação, há que se começar por reconhecer outro aspecto bastante meritoso da produção: o casting. Quaisquer adaptações de “Grande sertão: veredas” para o campo do pictórico, do imagético, do audiovisual ou do teatral esbarra em um problema: como representar Diadorim sem revelar seu segredo? A montagem de Bia Lessa resolveu isso brilhantemente. Há três atrizes mulheres (cis) no elenco: Clara Lessa, Luisa Arraes e Luiza Lemmertz. Com isso, a produção informa ao público que faz parte de seu idioma se utilizar de intérpretes para os personagens sem se importar com o gênero. Arraes interpreta Riobaldo mais jovem, Lemmertz é Joca Ramiro além de Diadorim e Clara é vários jagunços além de Diadorim mais jovem. Esse jogo que a contemporaneidade permitiu ao teatro jogar (não comparar com o modo como teatro elisabetano lidava com essa questão) é um grande ganho para essa proposta e Bia Lessa soube aproveitar-se disso muito bem. 

Há aqui um belíssimo trabalho do conjunto de elenco. Em papeis menores, Balbino de Paula, Daniel Passi, Elias de Castro, Lucas Oranmian e Clarra Lessa contribuem com ótimas participações, oferecendo o que é possível dentro do espaço que eles têm. Verifica-se com júbilo grande força, intenções precisas, gestos bastante bem marcados em cada detalhe no todo de suas presenças. 

Leon Góes (Medeiros Vaz) e Luiza Lemmeterz (Diadorim) dão vida a figuras fortes, dando ver suas expressões quase sem detalhes, mas úteis ao que é necessário positivamente. Mais e melhor do que isso fazem Leonardo Miggiorin (Zé Bebelo) e Luisa Arraes (Ribaldo jovem). Nos dois, vê-se, para além do bom óbvio, uma sede pela minúcia, pelo ardiloso, pelo escondido de cada palavra. Seus corpos não se comportam ao texto, mas acrescentam algo a ele e às vezes flertam com o risco de modificá-lo. Isso dá vida aos seus personagens de modo brilhante. 

Todos os elogios são poucos a Caio Blat por esse trabalho. De modo excelente, ele se apropriou da voz de Riobaldo, um personagem literário, dando-lhe corpo através da corporalidade das palavras. Blat diz o texto como se o texto fosse dele, o que seria banal se não se estivesse falando de “Grande sertão: veredas”. As entonações, as respirações, as curvas, as perdas, as valorizações, os silêncios de cada fala são méritos do ator na atribuição ao personagem que se devem aplaudir sonoramente. 

Ainda sobre Blat, vale ressaltar o modo como o intérprete interage nas cenas. Suas presenças são sorrateiras – ele está ali, mas não está – como as de alguém que, do presente, visita o passado e se reencontra. Vértice sobre o qual toda a peça gira, seu personagem Riobaldo segura toda a responsabilidade pelo clássico da literatura e torna também o espetáculo um clássico do teatro por sua brava atuação. 

Vida longa! 
“Grande sertão: veredas” é um marco teatral em nosso tempo a que não se pode deixar de assistir. Que a produção tenha vida longa nos palcos desse grande, enorme e sedento Brasil. Evoé! 

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FICHA TÉCNICA
Concepção, Direção Geral, Adaptação e Desenho de Luz – Bia Lessa

Elenco – Balbino de Paula, Caio Blat, Daniel Passi, Elias de Castro, Leon Góes, Leonardo Miggiorin, Lucas Oranmian, Luisa Arraes, Luiza Lemmertz, Clara Lessa.

Concepção Espacial – Camila Toledo, com colaboração de Paulo Mendes da Rocha
Música – Egberto Gismonti
Colaboração – Dany Roland
Desenho de Som – Fernando Henna e Daniel Turini
Adereços – Fernando Mello Da Costa
Figurino – Sylvie Leblanc
Desenho de Luz – Binho Schaefer
Projeto de Audio – Marcio Pilot
Diretor Assistente: Bruno Siniscalchi
Assistente de Direção: Amália Lima
Direção Executiva: Maria Duarte
Produtor Executivo: Arlindo Hartz
Colaboração – Flora Sussekind, Marília Rothier, Silviano Santiago, Ana Luiza Martins Costa, Roberto Machado
Idealização e Realização: 2+3 Produções Artísticas Ltda
Patrocínio: Banco do Brasil
Apoio: Globosat e Instituto-E | Om Art

sábado, 24 de março de 2018

Caos (RJ)

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Foto: Andrea Rocha


Rita Fischer e Maria Carol

Ótima comédia de Rita Fischer


“Caos” é uma ótima ótima comédia escrita por Rita Fischer, dirigida por Thiago Bomilcar Braga e interpretada por Maria Carol e pela autora. O texto consiste na reunião de algumas crônicas escritas por Fischer em que se vê seu ponto de vista sobre fatos do seu dia, suas emoções, reflexões, opiniões e sobretudo suas aventuras. Na peça, a proposta surge dinâmica, engraçada e também com um fundo ideológico bem marcado, fazendo o público pensar sobre questões pertinentes a vários temas do cotidiano. A luta das mulheres, o embate político, o choque de gerações e os conflitos de relacionamentos afetivos-sexuais estão entre eles. Vale muito a pena conhecer o universo de Rita, divertir-se com ela, aprender com ela, assistindo à montagem que fica em cartaz no Teatro Serrador, na Cinelândia, até o dia 27 de março, sempre às terças e às quartas, às 19h30. 

Fluência, graça e interesse na dramaturgia de “Caos” 
Do ponto de vista teórico, o aspecto mais interessante de “Caos” é pensar sobre como ficção e realidade sem confundem na dramaturgia que apresenta Rita sendo interpretada por ela mesma em seu texto dramatúrgico. Ela é a protagonista em todas as crônicas que fazem parte da peça de modo que a espetacularidade não incide sobre a criação de uma figura, mas sobre a manipulação dela e dos momentos pelos quais ela passou. O texto, nesse sentido, é um pacote que envolve o objeto a ser apresentado, uma embalagem que modifica o conteúdo do seu interior e define traços essenciais do momento em que ele é oferecido ao público. 

Lá pelas tantas, a plateia, que preenche as fileiras do Teatro Serrador, fica plenamente envolvida por Rita: a personagem da dramaturgia, a autora do texto, a personagem da peça e sua atriz. O sucesso desse envolvimento fica claro na maneira como se relacionam palco e plateia: são amigos conversando, debatendo, trocando energias e sensações. 

Há vários personagens que surgem na narrativa além de Rita e eles também ganham corpo no espetáculo. Os funcionários da Casa & Vídeo, o vendedor de pasteis, a cachorra Futrica e outros vêm filtrados pelo olhar de quem escreveu sobre eles, mas positivamente também ganham o máximo de complexidade a que têm direito. Eles existem pelo modo como se relacionam com a protagonista e essa existência é válida e legítima na medida em que a dramaturgia reivindica o direito de Rita de existir também na esfera ficcional. 

De modo ágil e competente, a escrita de “Caos” une fluência, graça e interesse tanto na viabilização de um material gostoso de conhecer como na construção de algo rico para se pensar. 

Excelente ritmo na direção de Thiago Bomilcar Braga 
O maior mérito da direção de Thiago Bomilcar Braga é o excelente ritmo com que “Caos” ganha corpo no palco. O tempo corre, mas sem pressa, estando preocupado com a fluência e com a articulação. A construção de uma ideia de coerência e coesão - capaz de fazer a peça parecer uma só e não uma galeria de momentos separados – é um objetivo plenamente atingido. Um quadro se engendra no outro e dos dois surge um terceiro: todos eles levantados do nada (só há duas cadeiras em cena além das atrizes), mas responsáveis pelo brilho de todo um universo que é concreto aos olhos da audiência. 

O figurino de Dora Devin – roupas de malhas e tênis, unindo tons diferentes de cinza e de vermelho – faz participação positiva nos méritos do ritmo pela fluência que ele promove. A iluminação de Paulo César de Medeiros e a trilha sonora de Rádio Lixo valorizam as oportunidades poéticas do quadro geral, aumentando os valores estéticos da obra como um todo. 

Um grande encontro entre Maria Carol e Rita Fischer 
Rita Fischer e Maria Carol apresentam ótimos trabalhos de interpretação a partir de usos da voz e do corpo bastante potentes, de bom repertório expressivo e de enorme carisma. Sem jamais sair de cena durante toda a sessão, elas ficam expostas – entregues – ao contato com o público em um afinado trabalho colaborativo. Com destaque óbvio, Fischer tem melhores oportunidades, mas Carol vence o desafio de interpretar Rita diante de Rita, oferecendo ótimo equilíbrio à montagem. É um grande encontro entre elas e de ambas com a plateia. 

“Caos” é uma ótima opção na programação teatral carioca pelo modo como faz rir e pensar, por apresentar Rita Fischer como ótima dramaturga e cronista competente e por trazer uma equipe toda bastante qualificada em projeto de muitos valores estéticos na sua despretensão legítima. 

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Ficha técnica

Texto: Rita Fischer

Direção: Thiago Bomilcar Braga

Elenco: Maria Carol e Rita Fischer

Direção de movimento: Luísa Pitta

Iluminação: Paulo César Medeiros

Figurino: Dora Devin

Trilha sonora: Rádio Lixo

Fotos de divulgação: Andréa Rocha- ZBR

Produção: Rita Fischer

Identidade Visual: David Lima

O rei da glória (RJ)

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Foto: Rodrigo Castro

Anderson Cunha

Excelente interpretação de Anderson Cunha


O bom monólogo “O rei da glória” é uma ótima oportunidade para o público carioca (re)conhecer o enorme talento de Anderson Cunha como excelente intérprete que é. A peça, escrita por ele e dirigida por ele e por Guilherme Miranda, é também um meio de conhecer a Sala Espelho do Teatro Baden Powell, em Copacabana, que abre sendo uma nova janela na programação teatral fluminense. Na narrativa, Cunha dá vida a personagens, todos eles bastante diferentes entre si, que convivem em um perímetro comum: o bairro da Glória. O problema da montagem é o fato de, excetuando a localização, não haver maiores possibilidades de articulação entre as figuras que dê à produção melhor objetivo além de um portfólio do repertório expressivo do artista. Fica em cartaz até o dia 1o de abril próximo. 

Sobre a dramaturgia 
A dramaturgia de “O rei da glória” se organiza através de uma galeria de figuras mais e menos exploradas que despertam interesse na audiência. De todas, apenas uma é realmente bem trabalhada: Bóson, um homem que vive no alto das árvores do bairro da Glória, na zona sul do Rio de Janeiro. Dele sabemos sobre sua infância, como chegou aonde está e, por fim, seu desfecho. Dos demais, tem-se acesso apenas a relances de suas existências: o camelô Rico Star, que vende objetos usados na rua; o Pastor, que abriu uma nova religião apoiado não na bíblia, mas em um dicionário, e que condena os mudos e surdos por não usufruírem do dom da fala; o compositor e cantor EMC ao Quadrado, que busca sucesso com um rap composto por ele; e o Cineasta, que grava os depoimentos dos demais personagens. Há também duas outras personagens que participam da história apesar de não ganharem corpo na pele de Cunha: Rebeca, a namorada do Cineasta; e Clarisse, uma mulher virgem cuja gravidez movimenta a programação de rádio ouvido nas trocas de cena durante a peça. 

Questões como invisibilidade social e marginalidade são meramente tangenciadas, mas não chegam a se tornar propriamente um grande tema. Talvez ela atinja Bóson e Rico Star, mas definitivamente não se pode dizer que o Pastor seja invisível ou marginalizado e sobre o Cineasta muito menos. EMC, de um modo trágico, ele consegue o sucesso almejado e, a respeito de Rebeca e de Clarisse, também não há muito como argumentar nesse sentido. 

Assim, da primeira à última cena, o que realmente funciona no espetáculo “O rei da glória” são os meios expressivos que o ator Anderson Cunha emprega para dar a ver as figuras criadas por ele, como autor da dramaturgia. É uma peça ótima para produtores de elenco que poderão – espera-se, deseja-se, torce-se! – contratá-lo como ator. 

Excelente direção de arte de Ronald Teixeira 
A direção de Guilherme Miranda tem muitos méritos no modo como propõe o uso do espaço e o preenche ao longo da sessão. Cada personagens parte de um lugar fixo, mas que invade todo o palco aos poucos de modo que as figuras crescem positivamente no panorama geral do quadro espetacular. Entre o fim de cada cena e o início da seguinte, há um momento de neutralidade em que as inserções da trilha sonora – o caso da virgem Clarisse pelo rádio, por exemplo – colaboram para a narrativa. O ritmo lento é eficaz, pois talvez convide a audiência para que conheça melhor as figuras, ouça-as, descubra-as. Esse gesto viabiliza uma possível intenção da peça em valorizar a escuta em um mundo em que todo mundo parece ter algo a dizer, mas em que ninguém parece estar a fim de ouvir. 

A direção de arte de Ronald Teixeira, esse que assina o cenário e o figurino ao lado do diretor, é excelente. Como um espetáculo dentro do espetáculo, o quadro é composto de maneira que mais parece uma instalação. O palco está tomado de objetos, mas cada um se relaciona com os demais por meios de cores, de formas e de texturas como se fossem tintas em uma tela bastante bela. Sobretudo nos momentos de intervalo, a paisagem mantém presa a atenção do público que ainda respira o texto e a interpretação de Anderson Cunha. 

Nesse trecho, vale ainda elogiar a iluminação de Paulo César Medeiros e a trilha sonora do diretor e do dramaturgo. Esses dois elementos participam positivamente, aumentando os valores do todo na construção de imagens poéticas e também na abertura de espaços para a imaginação onde o horizonte narrativo pode se ampliar. 

Excelente atuação
Nesse espetáculo, Anderson Cunha apresenta, talvez, o seu melhor trabalho como ator em sua carreira. Para além de vozes diferentes e de corpos diversos, cada um dos personagens que ele interpreta em “O rei da glória” tem um tempo muito próprio. O jogo de ações e de reações sobre o qual está construída cada interpretação, em acréscimo à voz e ao corpo, insere uma carga poética extra às narrativas particulares, deixando cada figura ainda mais real, mais humana, mais próxima e carismática. É uma delícia encontrar artista com material tão rico e plenamente disponível para a arte. 

Além de todos os méritos, vale a pena ver “O rei da glória” para (re)encontrar Anderson Cunha com interpretação em ótima forma. 

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FICHA TÉCNICA

Texto e atuação: Anderson Cunha

Direção: Guilherme Miranda e Anderson Cunha

Direção de arte: Ronald Teixeira

Cenografia e Figurinos: Ronald Teixeira e Guilherme Reis

Iluminação: Paulo César Medeiros

Direção de movimento: Clarice Silva

Fonoaudióloga: Luisa Catoira

Trilha Sonora: Guilherme Miranda e Anderson Cunha

Assistência de direção: Renata Benicá

Direção de Produção: Andreia Fernandes e Lya Baptista

Programação Visual: Silvio Cunha e Rodrigo Micheli

Assessoria de Imprensa: Bianca Senna

Fotografia: Rodrigo Castro

Mídias Sociais: Rafael Teixeira

Vozes em off: Julia Shaeffer, Márcio Machado, Guilherme Miranda, Renata Benicá, Adriano Pellegrino e Thaine Amaral

Coordenador Técnico/ Operação: Iuri Wander

Realização: Cavalo Marinho Produções Artísticas Ltda.

sábado, 17 de março de 2018

"Master class" (SP)

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Christiane Torloni

O brilho humano de Maria Callas


“Master class”, escrita pelo norte-americano Terrence McNally, continua recebendo aplausos país a fora desde 2015. Protagonizada por Christiane Torloni, é a segunda montagem brasileira do texto desde a versão de 1996 de Marília Pêra (1943-2015). Com direção de José Possi Neto, a dramaturgia é baseada no livro “Callas at Juilliard: The Master Classes”, de John Ardoin (1987), e na coleção de discos lançados pela EMI que traz a cantora lírica Maria Callas (1923-1977) dando aulas de canto para alguns jovens cantores em Nova Iorque no início dos anos 70. Na narrativa, a organização pedagógica do momento é oportunidade para a diva fazer um mergulho em sua alma, o que permite ao público conhecer melhor seu universo. Além de Torloni, brilham Julianne Daud, Fred Silveira e Paula Capovilla como os alunos. A produção fez uma rápida passada por Porto Alegre, onde se apresentou no Theatro São Pedro, entre 9 e 11 de março. Depois, seguiu para Curitiba e estará em Goiânia, entre 23 e 25 de março; em Uberlândia, entre 30 e 31 de março; e em Belo Horizonte, de 6 a 8 de abril. Vale a pena ver! 

O mergulho de uma das personagens mais interessantes do século XX 
Entre 1971 e 1972, Maria Callas ministrou 23 aulas de 2 horas cada uma para 25 alunos por ela selecionados dentro de um universo de 300 inscritos. As “master classes” aconteceram no auditório da Juilliard School, uma escola de música em Nova Iorque nos Estados Unidos. Esses momentos foram gravados em áudio (hoje estão no Youtube!) e transcritos. Os registros inspiraram várias obras, entre elas, o texto de Terrence McNally. Os problemas na dramaturgia não impediram que o espetáculo chamasse a atenção do público e da crítica, que valorizaram as interpretações de Zoe Cadwell (Callas) e de Audra McDonald (Sharon). As duas receberam os troféus Tony de Melhor Atriz e Atriz Coadjuvante e a peça o de Melhor Espetáculo em 1996 na Broadway dentre outras menções honrosas. No mesmo ano, dirigido por Jorge Takla, o espetáculo teve uma versão brasileira protagonizada por Marília Pêra que fez muito sucesso no Brasil na ocasião. 

No texto, McNally mistura Maria Callas com outras duas cantoras líricas, a italiana Renata Scotto (1934) e a americana Leontyne Price (1927), reforçando a imagem de diva temperamental e escandalosa de La Divina. O objetivo é escrachadamente comercial. Para a história ser vendável, o dramaturgo superficializou a personagem, esforçando-se infelizmente em apagar muitas marcas de humanidade. Com as gravações disponíveis ao grande público, o fato original nem apresenta uma Callas grosseira, egoísta ou presunçosa, nem permite supor que sua sanidade estava comprometida. Na peça, um trecho imenso de Callas (Christiane Torloni) falando sobre a importância de se ter um “look” é apenas um comentário rápido em uma das gravações. O escândalo da personagem por uma almofada e um banquinho para ficar mais confortável também não aparece. 

Apesar dessas questões, o texto não é de todo ruim. McNally transformou os 25 alunos em apenas 3: Sophie De Palma (Paula Capovilla), Anthony Candolino (Fred Silveira) e Sharon Graham (Julianne Daud). A primeira canta uma ária de “La Sonnambula”, de Bellini. O segundo canta uma de “Tosca”, de Puccini. A terceira de “Macbeth”, de Verdi. O melhor momento é o número final de “Medea”, de Cherubini. Nele a orquestração dramatúrgica de McNally passa a ficar mais legível. Ao longo de “Master Class”, os trechos das óperas sutilmente deixam ver nuances do quanto a história da grande Callas ainda pulsa na então professora em suas aulas. Em “La Sonnambula”, por exemplo, está a culpa de Callas por ter abandonado seu primeiro marido e amigo G. B. Meneghini. “Recondita armonia”, a primeira música de “Tosca”, é um hino de amor à arte, atividade que transformou uma pobre adolescente americana refugiada na Grécia - gorda, feia e com pais separados - em uma das maiores estrelas do século XX. Em “Macabeth”, mas principalmente em “Medea”, está a abnegação de Callas a Aristóteles Onassis, seu maior amor, que a havia trocado por Jacqueline Kennedy em 1968. 

Ao longo desses três anos desde a estreia, a direção de José Possi Neto aprendeu a ressaltar as sutis propostas do texto, deixando de valorizar o exagero, a piada, a caricatura e passando a investir em uma Callas mais humana, mais real e mais bela. De 2016 para cá, o ritmo melhorou muito a partir de um esforço maior da produção de evitar as piadas fáceis de outrora em favor de um material mais tocante e complexo. Antes, o espectador saía com a impressão de que a ordem de aparição dos alunos na dramaturgia poderia até ser invertida, pois nenhum deles fazia a história andar. Hoje já está bem claro que a dramaturgia promove um mergulho de Callas em seu próprio espírito e que há vários níveis mais profundos entre “La Sonnambula” e “Medea”. É uma direção de Possi a ser aplaudida! 

A excelente Torloni
É interessante reparar na participação dos personagens coadjuvantes na peça a partir de suas defesas pelos intérpretes que lhes dão vida. Todos eles vêm de fora, com seus objetivos e realidades, que ficam justapostas à Maria Callas. Essa, porém, se divide entre a parte de si que eles veem nos seus contextos narrativos e a parte que nós, público, vemos dela, em seus apartes. Dito de outra forma, a audiência têm acesso a uma Callas muito mais completa do que os personagens-alunos, mas eles não sabem disso. O choque, que constitui o quadro geral sobre o qual o espetáculo se dá a existir, ficou muito mais claro e valoroso com as substituições feitas no elenco e com o amadurecimento da direção. 

Sophie (Paula Capovilla) é uma jovem sensível e amedrontada por estar diante de La Divina. Tony (Fred Silveira, que ganhou o Prêmio Reverência 2017 por sua atuação em “My fair lady”) é um sedutor deslumbrado com vontade de ser famoso. Sharon (Julianne Daud), o melhor papel entre os alunos, tem personalidade e coragem para desabafar o que pensa no melhor momento do texto de McNally. Há ainda o pianista Emanuel Weinstock (Thiago Rodrigues) sem destaque. E o histriônico Assistente de Palco (Jessé Scarpellini), que faz uma participação pequena ainda que carismática. Em todos esses, de modo maior ou menor, vê-se o empenho em aproveitar todas as melhores oportunidades de construir relações sejam de concordância, sejam de oposição com a protagonista. Esse esforço é o que dá a peça vivacidade e força para vencer os problemas do texto e alcançar a máxima glória dos objetivos do projeto. 

Christiane Torloni (Maria Callas) está excelente no papel, conferindo à sua construção humanidade, complexidade e carisma. Principalmente nos dois solilóquios que a dramaturgia lhe oferece, o público têm acesso à sua entrega por meio de um exuberante domínio de cena. Voz, corpo e gestos muito bem empregados em cada entrecho justificam o fato de a atriz ter ganho, por esse trabalho, o prêmio Aplauso Brasil, o prêmio da Revista Quem e o Prêmio Arte Qualidade Brasil. Eis um ótimo momento em sua longa, mas ainda jovem carreira. 

Brava!!
O cenário de Renato Theobaldo é inadequado. Apesar do texto ser claro em lembrar de que a história não se passa em uma sessão de espetáculo, mas em uma sala de ensaios, o que se vê em cena é uma estética que foge completamente dessa situação. A rede branca que cai em diagonal, funcionando como falsa rotunda, fica ainda mais prejudicial com a luz de Wagner Freire colorindo a opção com tons fortes e afastando o todo da proposta dita pelos próprios personagens. O figurino de Fabio Namatame & Claudeteedeca brinca com a emoção dos alunos por estarem diante da diva e apresenta fielmente a protagonista em relação ao contexto fonte, cumprindo muito bem seu trabalho na composição do espetáculo. 

“Master Class” traz Maria Callas de um modo muito digno que é lindo de se ver e aplaudir. Bravo! Brava! 


Ficha técnica:
Texto: Terrence McNally
Direção de Cena: José Possi Neto
Direção musical: Maestro Fabio G. Oliveira
Direção artística: Maestro Entretenimento

Elenco:
Christiane Torloni (Maria Callas)
Julianne Daud (Sharon Graham)
Paula Capovilla (Sophie De Palma)
Anthony Candolino (Fred Silveira)
Thiago Rodrigues (Emmanuel Weinstock)
Jessé Scarpellini (Contrarregra)

Cenário: Renato Theobaldo
Iluminação: Wagner Freire
Design de som: André Luis Omote
Figurinos: Fabio Namatame & Claudeteeca
Visagismo: Fabio Namatame e Sergio Gordin
Vídeo cenário: Bijari
Diretora de Produção: Julianne Daud
Produção Executiva: Lis Maia
Produção: Elza Costa e Fabio Hecker
Assistente de Produção: Alessandra Kosta
Assistente de Direção de Cena: Vanessa Guyillén
Assistente de Iluminação: Alessandra Marques
Designer Gráfico: Ebert Wheeler
Assessoria de imprensa: Liège Monteiro e Luis Fernando Coutinho
Produção Geral: Julianne Daud e Fabio G. Oliveira
Realização: Maestro Entretenimento

quinta-feira, 8 de março de 2018

Pequeno trabalho para velhos palhaços (RS)

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Foto: Julio Appel

Arlete Cunha, Sandra Dani e Zé Adão Barbosa

Ótimo Matéi pelo ouro do teatro gaúcho

“Pequeno trabalho para velhos palhaços” é um poema do dramaturgo romeno Matéi Visniéc que a Companhia Estúdio Stravaganza oferece ao público gaúcho nesse verão de 2018. Com a peça escrita em 1986, o grupo celebra os quarenta anos de carreira do escritor que começou a contar suas histórias ao mundo em 1977. Em “Old clown wanted”, três velhos e esquecidos palhaços se reencontram na sala de espera para uma audição através da qual só um deles poderá ganhar um novo trabalho. A amizade fica de lado na luta pela sobrevivência em mundo tão inóspito. Dirigidos por Adriane Mottola, Arlete Cunha, Sandra Dani e Zé Adão Barbosa têm excelentes atuações em espetáculo muito bonito em todos os aspectos: do figurino de Daniel Lion, da luz de Ricardo Vivian, do cenário de Zoé Degani e da trilha sonora de Álvaro RosaCosta. Vale a pena correr parar assistir à montagem que fica em cartaz até o dia 18 de março no Teatro Renascença. 

Qual o lugar da velhice no mundo contemporâneo? 
O texto de “Old clown wanted” se dá a ver aos poucos, contando com a boa vontade do público em acreditar que haverá um momento em que tudo fará sentido. Na plateia, há um encontro da obra com uma massa de leitores vinda de fora, mas com os pés firmes na contemporaneidade nesses 31 anos desde que a peça foi escrita. No palco, estão três velhos palhaços, trazendo seus registros de um antigo mundo imaginário bem menos veloz, com exigências bastante limitadas e com aquela pureza que o cineasta italiano Federico Fellini (e muitos outros) pintou a velha tradição do circo. O primeiro embate, então, é assim constituído: qual é o lugar dos velhos nesse mundo atual? 

A peça começa com a entrada de Niccolo (Arlete Cunha), ansioso por sentar-se e, assim descansado, preparar-se para uma entrevista de emprego. Então, ele é surpreendido pela chegada de outro concorrente e, mais surpreso ainda ele fica quando descobre que se trata de Filippo (Sandra Dani), seu velho amigo e companheiro de tantos picadeiros. Desde o início, para o leitor, ficam claras algumas questões importantes para a fruição da obra: só há uma vaga para trabalho, os dois concorrentes esperam que venha alguém buscá-los para a entrevista, ninguém sabe como será a seleção e nem exatamente qual é a proposta. Ao longo de toda a primeira cena, o diálogo entre Niccolo e Filippo trata sobre o passado individual e comum de ambos e expõe o presente desse encontro: eles estão felizes de se rever, mas temerosos, pois ali um é concorrente do outro. No entanto, o tempo passa muito devagar e não há sinais de transformação na história. 

Então, eis que chega um terceiro personagem. Mais velho que Niccolo e Filippo, Peppino (Zé Adão Barbosa) se diz mentor dos outros dois. Como os outros, esse também vem para a audição e também não sabe nada sobre o processo seletivo. O que acontece com a história a partir da entrada desse terceiro personagem? A desistência da trama. Na metade da peça, a audiência já tem instrumentos necessários para compreender que é possível que nada aconteça. “Old clown wanted”, fazendo alusão a “Esperando Godot”, do irlandês Samuel Beckett, recusa o tempo, isolando os personagens em uma situação absurda em que não há causa e efeito, em que não há progressão, em que o nada é tudo o que se tem. E é aí, nesse momento, que a peça atinge o seu auge estético. 

Na metade do texto, os três palhaços começam a duelar entre si, mostrando suas habilidades através de seus números clássicos. Niccolo mostra sua pantomina, provando que consegue - sem qualquer outro recurso além do corpo - mostrar um homem se livrar de outro que o agride com uma arma, descer escadas e roubar uma melancia. Filippo, por sua vez, apresenta um belíssimo número de mágica, fazendo com que bandeirinhas coloridas saiam de dentro de um recipiente vazio. Por fim, Peppino defende que o futuro da palhaçaria está no teatro de comédia e se apresenta como um ator “de verdade” com um número de intepretação. Diante dos três quadros, o público deve entender a pergunta do texto: aonde chegou a evolução humana? 

Por ter divertido plateias pela vida toda, por ter se dedicado às artes, à beleza, à poesia durante toda a sua existência, Niccolo, Filippo e Peppino agora parecem estar prestes a implorar por um vaga de emprego que eles nem sabem exatamente como é. Esse panorama trágico, imposto pelo mundo do qual nós todos fazemos parte, os alça de suas naturezas cordiais e sorridentes para a selvageria capitalista que Matéi Visniéc tantas vezes denuncia em suas peças. “Old clown wanted” termina como começou na forma, mas, em conteúdo, os personagens já são outros, ou talvez já não existam. Eis um belo texto para se aplaudir! 

Coesa, coerente e firme: a direção de Adriane Mottola 
A montagem da Companhia Estúdio Stravanganza começa por reunir alguns entre os melhores profissionais de artes cênicas no teatro gaúcho. Adriane Mottola, talvez a principal diretora de teatro do sul do país, é quem assina a encenação de “Old clown wanted”, que, em Porto Alegre, adotou o título “Pequeno trabalho para velhos palhaços”. O nome faz alusão ao anúncio de emprego ao qual Niccolo, Filippo e Peppino atenderam. Os três personagens são interpretados por Arlete Cunha, Sandra Dani e Zé Adão Barbosa respectivamente, todos eles atores donos de sólidas carreiras profissionais na arte de interpretar por cujo trabalho já receberam inúmeros troféus, homenagens e plateias lotadas. 

Mottola, assistida por Jéferson Rachewsky, investe em uma aura onírica para sua versão do texto, mas sustenta que seus Niccolo, Filippo e Peppino são humanos e não meras figuras de linguagem apenas. Diferente do modo como montagens ao redor do mundo caracterizaram os personagens logo de início, aparentemente Mottola optou por apresentar os personagens com toda a dignidade. É visível que eles se vestiram para a entrevista com suas melhores roupas, o que já desperta sobre suas figuras enorme carisma. Ao longo da peça, porém, vemos os três velhos palhaços empreenderem enormes esforços nas ações pelas quais foram consagrados. Isso pontua o poder inegável da velhice a qual todos nós nos dirigimos, e renova o carisma deles para com a audiência. Em um texto quase que inteiramente linear, com habilidade, Mottola deixa que a chegada da decrepitude na recepção da peça faça as vezes de fator transformador da dramaturgia cênica. 

A citação do vestuário e da movimentação dos atores, por exemplo, quer anunciar o desacerto que pauta a existência desses personagens na esfera espetacular. A princípio, os três palhaços denunciam um ponto de vista que lhes acusa de não servir ao mundo de hoje, de estarem obsoletos, desconectados, de serem inúteis: um peso que a juventude precisa suportar. Em todos os aspectos da montagem da Stravaganza, se veem contornos dessa reclamação: o ambiente onde eles estão é grande, mas abafado e sem qualquer conforto; nenhuma informação lhes foi dada; não há respeito, cordialidade, afeto. Na cena dos números, eles reagem sendo eles mesmos, trazendo suas melhores habilidades em seus repertórios. A reação final, muito mais terrível, também é uma resposta à pressão que lhes quer tirar do jogo da vida à força. Por construir todo esse discurso de modo claro, coeso, coerente e belo, a direção de Adriane Mottola é excelente. Ela providencia um espetáculo com uma ideologia bem demarcada e que tem tudo a ver com o mundo em que vivemos e seus desafios. 

Um trio de excelentes atores em ótimos trabalhos 
Arlete Cunha, Sandra Dani e Zé Adão Barbosa apresentam ótimos trabalhos, com destaque para as duas primeiras que vencem o desafio de esquentar a peça para a tranquila chegada de um terceiro personagem. Em Cunha, vê-se uma infantilidade perigosa em seu tom de voz e em suas entonações que revela a determinação de seu Niccolo em se sobressair diante dos demais candidatos. É apaixonante identificar o quanto sua personagem se esforça para se destacar e, ao mesmo tempo, o quanto sofre pela obrigação de tornar perdedores seus velhos amigos. 

Em Dani, Filippo faz pulsar uma energia mais requintada, mais “classuda” e que parece nunca ter sido muito afável com a baixa (?) palhaçaria. O personagem chega à entrevista depois de Niccolo, mas traz a certeza de que ganhará facilmente a disputa quando o entrevistador prestar a atenção no comportamento de seu concorrente. É bonito ver sua afetação brilhar na cena de mágica, quando a peça é aplaudida em cena aberta (na sessão que essa crítica analisa). 

Zé Adão Barbosa leva ao seu Peppino um delicioso mau humor como de quem tem a mais clara consciência de que é o melhor do trio. Citando Shakespeare, trazendo um cartaz de uma peça que ele supostamente fez e exortando a arte de interpretar para além de espetáculos de variedades, ele representa a pior ameaça aos outros dois. Barbosa, com enorme carisma, permite ao seu palhaço fluente comunicação com o público, servindo-se bem dos privilégios do melhor personagem de Matéi Visniéc nessa peça. 

Excelente colaboração da equipe criativa 
“Pequeno trabalho para velhos palhaços” tem ainda enorme valor estético pela excelente colaboração que lhe prestam os demais elementos do espetáculo: o cenário de Zoé Degani, o figurino de Daniel Lion, a iluminação de Ricardo Vivian e a trilha sonora de Álvaro RosaCosta. 

A peça começa quando um enorme painel de fundo sobe em direção ao teto formando a parede que limita por um dos lados a antessala da entrevista. É talvez uma metáfora para a lona de um circo, mas também representa a dureza do mundo profissional cuja recolocação os candidatos à vaga estranhamente almejam. Há ainda duas cadeiras diferentes e um suporte para pendurar casacos ao fundo, tudo feito com muita elegância, extremo bom gosto e inteligência. Nos figurinos, Daniel Lion investe na composição das imagens tradicionais dos palhaços com uma paleta reduzida. Exploram-se os tons terrosos e confiam-se nos modelos clássicos (calça, gravata, colete, casaca, chapéu), indo em caminho oposto ao colorido tradicional. Esses palhaços não estão em um picadeiro, mas em uma entrevista de emprego e, se essas roupas não lhe caem bem, essa é uma excelente metáfora de Lion para o desconforto da entrevista para os candidatos. 

O desenho de luz de Vivian sobre o cenário protagoniza o clima onírico presente no espetáculo. Esse tom afasta a peça do ideário de uma comédia rasgada, mas oferece a ela a chance de, dentro de uma poética que lhe é própria, se movimentar na construção de uma imagem que vem de longe, de tempos atrás, e invade o presente e lhe questiona. A trilha sonora de RosaCosta, da qual faz parte a “Canção para Velhos Palhaços”, originalmente composta por ele e por Leandro Maia para o espetáculo, participa do todo de modo definitivo. Tudo o que é escutado no ambiente sonoro proposto faz da alegria, da tensão, da crítica, da saudade e do medo caminhos por onde o quadro é levado, contribuindo com ele na construção de seu sentido. Em todos esses aspectos, eis um trabalho excelente. 

Ótimo início de 2018 
Junto com “Latidos”, de Júlio Conte, “Pequeno trabalho para velhos palhaços” inaugura o ano de 2018 no teatro gaúcho com muito orgulho. A peça abriu o 19o Porto Verão Alegre, no Theatro São Pedro, em janeiro e agora cumpre sua primeira temporada no Teatro Renascença. Vale a pena assistir a essa montagem tão nobre, que traz beleza a uma grade de programação teatral tão castigada pela realidade política brasileira infelizmente. Valorize de verdade o teatro gaúcho, indo ao teatro. 


Ficha técnica: 
Texto: Matéi Visniéc 
Direção: Adriane Mottola 
Elenco: Arlete Cunha, Sandra Dani e Zé Adão Barbosa 
Assessoria clownesca e Assistência de direção: Jéferson Rachewsky 
Assessoria ilusionismo: Eric Chartiot 
Cenário: Zoé Degani 
Figurino: Daniel Lion 
Composição sonora original: Álvaro RosaCosta 
“Canção para Velhos Palhaços”: Álvaro RosaCosta e Leandro Maia 
Piano: Simone Rasslan 
Iluminação: Ricardo Vivian 
Identidade visual: Sandro Ka 
Fotos: Julio Appel 
Vídeos: Daniel Jainechine 
Produção: Adriane Mottola e Áquila Mattos 
Realização: Cia. Stravaganza

sexta-feira, 2 de março de 2018

A noiva de cristal (RS)

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Foto: Jorge Aguiar

Ana Guasque e Joana Izabel

Ana Guasque brilha em dramalhão de qualidade

“A noiva de cristal” é um bom dramalhão daqueles que fazem a gente sentir saudades dos filmes de Douglas Sirk. Bem defendida dentro dessa proposta, a peça pode fazer os corações mais incautos se emocionar. Escrita e dirigida pelo carioca Márcio Azevedo, ela tem ótima interpretação de Ana Guasque e uma essencial participação de Joana Izabel. Na história, quinze anos depois de ter sido internada em um sanatório ao ser abandonada pelo noivo na véspera do casamento, a jovem Dulce receberá uma visita misteriosa. Na preparação para esse momento, as várias dimensões do amor se embaralham no interior da donzela ainda apaixonada pela lembrança do passado. O espetáculo retornou ontem a cartaz em temporada que vai até 11 de março no Teatro do Centro Histórico-Cultural da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. 

O bom dramalhão 
Para fins de análise da dramaturgia, o texto de “A noiva de cristal” pode ser dividido em duas partes. Na primeira, absolutamente nada acontece. Há o informe da situação inicial logo no texto da abertura e, a seguir, uma sucessão monótona de reflexões que se esforçam em descrever ao limite o sentimento da personagem protagonista. Em março de 1935, Dulce (Ana Guasque) iria se casar com seu noivo Fernando, mas ele desapareceu dias antes da cerimônia. Por isso, ela foi internada em uma casa de recuperação. Quinze anos depois, no natal de 1950, ela ganha, pela primeira vez, uma liberação para visitar a casa paterna. Ao rever seu antigo vestido de noiva, porém, o trauma vem à tona terrivelmente. A peça começa após esse momento de crise, quando Dulce já está de novo no seu quarto de hospital. Junto dela, há uma Senhora misteriosa (Joana Izabel) que não é vista por ninguém além de Dulce. É com essa companheira que a protagonista conversa. 

O autor Marcio Azevedo estrutura esse primeiro longo trecho da dramaturgia em cima de conhecidos textos literários sobre o amor. Entram aí, por exemplo, Carlos Drummond de Andrade e Florbela Espanca só para citar dois exemplos entre vários. Na encenação também dirigida por Azevedo, esses excertos vêm deslocados com inclusive uma mudança de voz na interpretação e por um registro facial mais neutro, funcionando como anexos. O todo resulta em uma colagem de grandes momentos da literatura que tornam toda essa parte da peça ainda mais monótona apesar de poeticamente bonita. 

O ritmo só melhora quando chega a notícia de que Dulce irá receber uma visita. Na certeza de que é Fernando, seu antigo noivo, quem virá, muitas questões surgem. Dulce ainda o ama o ex-namorado e não suporta a imagem de vê-lo casado com outra. O que terá acontecido com o personagem nesses anos todos? E o que acontecerá a partir desse encontro? Essas dúvidas espantam o marasmo da parte anterior e inauguram o drama propriamente dito em “A noiva de cristal”. Dois signos bastante relevantes permanecem sem resposta: o valor do outono para a narrativa, pois as duas datas citadas se passam no verão; e o porquê do apelido “a noiva de cristal”. 

Como em um bom dramalhão, o público não é de todo surpreendido por aquilo que se fica sabendo nos trechos finais. Vale dizer, no entanto, que as reviravoltas trazem efeito positivo para a dramaturgia. Quando a história, enfim, se movimenta, ela assume algum potencial de emocionar, cumprindo o seu papel de meramente entreter. Em resumo, tem-se um bom texto que, apesar de talvez andar meio fora de moda, ainda preserva seus méritos estéticos em uma análise livre de preconceitos. 

Aplausos à Ana Guasque 
A encenação dirigida por Marcio Azevedo parece estar plenamente consciente dos valores da obra dramatúrgica. Não há mudança de cenário e as alterações estéticas são bem pouco recorrentes, o que concorda com o ritmo lentíssimo do trecho inicial do espetáculo. Assim como no texto, os signos ganham maior mobilidade nas cenas finais. Isso revela um feliz acordo entre o texto e a direção assinadas pela mesma pessoa. 

O fato da personagem título da peça estar (?) diagnosticada como “louca” também libera a encenação para opções aparentemente estranhas. Em vários trechos, sobretudo naqueles em que os textos são de outros autores da literatura brasileira, Dulce assume uma aparência menos carregada e mais comedida. Na loucura, tudo se perdoa. 

No quadro final, por motivos óbvios para quem for ver a peça, o espetáculo ganha um ar surpreendentemente expressionista que é bastante interessante. A enorme quantidade de folhas secas no chão durante toda a narrativa já positivamente antecipava esse panorama. 

Os melhores elogios se devem fazer ao trabalho de Ana Guasque nesse espetáculo pelo modo como a atriz venceu o desafio de construir personagem tão difícil. O excesso de romantismo de Dulce poderia ter levado a peça ao melodrama e daí para a comédia. O trágico também parece ter sido um perigo presente do qual Guasque conseguiu se livrar bravamente. Com notoriedade, “A noiva de cristal” tem como inspiração inicial o realismo sobre o qual se subverte através da poesia chegando ao dramalhão. Esse trajeto específico foi delicadamente construído pela atriz, garantindo a ela os maiores aplausos. Além disso, há um claro e positivo uso da voz e excelente uso do corpo tanto na movimentação como no gestual. 

Apesar de uma entrada com problemas de dicção e com um volume de voz muito baixo, Joana Izabel defende, através de figura imponente, uma ótima participação em “A noiva de cristal”. Seus movimentos são vibrantemente equilibrados e, por isso, dispostos a atrair a atenção sem puxar o foco. Sua Senhora silenciosa faz elogiável contraponto com a verborragia de Dulce, trazendo méritos para o espetáculo. Caroline Vetori e Fabrício Zavareze trazem esforçadas construções menores, mas infelizmente sem igual mérito. Falta-lhes fluência e sobra-lhes preocupação com o texto e com as marcas. 

Bom cenário de Zoé Degani
O cenário de Zoé Degani faz colaborações bastante positivas ao quadro geral de “A noiva de cristal”, dando a ver bem o ambiente tanto físico quanto mental em que a peça acontece. O mesmo, porém, não se pode dizer do figurino de Degani e do diretor e da trilha assinada por esse segundo. O guarda-roupa usado Vetori e por Zavareze desmerece a produção negativamente por escolhas bastante ruins além de impróprias. O excesso de açúcar na escolha das músicas de fundo impedem maior aprofundamento em trechos centrais, isso fora os problemas de operação na sessão aqui analisada. O desenho de luz de Bathista Freire e de André Winoviski cumpre bem seu papel, tendo picos bastante positivos de redefinição do clima do espetáculo nos quadros de encerramento. 

Baseada em uma história real, “A noiva de cristal” estreou em novembro de 2017 no Teatro Bruno Kiefer da Casa de Cultura Mario Quintana. Nessa segunda temporada, a produção deverá aumentar sua coleção de elogios devidos. Um viva para a vitalidade do teatro gaúcho. 

*

FICHA TÉCNICA
Texto e Direção: Márcio Azevedo
Elenco: Ana Guasque, Joana Izabel, Thaís Petzhold, Caroline Vetori e Fabrício Zavareze
Design de Luz: Bathista Freire e André Winosviski
Cenografia: Zoé Degani
Figurinos: Zoé Degani e Márcio e Azevedo
Fotógrafo: Jorge Aguiar
Assistente de Direção: Fabrício Zavareze e Caroline Vetori
Trilha Sonora: Márcio Azevedo
Arte Gráfica: Gabriela Cima
Hair Stylist: Adriana Baptaglin Flores
Costuras: Atelier de Costuras Lori Peruzzo
Produção e Realização: Ana Guasque Artes & Entretenimentos e Sete Marias Produções
Assessoria de Imprensa: Produção A Noiva de Cristal
Apoiadores: Centro Histórico e Cultural Santa Casa, Virgínia Manssan Noivas, Hospital Santa Casa, Móveis do Bem, Zalux Espelhos e Molduras, Corte Zero, Atelier de Massas, Hotel Palácio, Brick Chic, Claríssima Moda em Branco, Ingresso Rápido, Loja Sirius