Foto: Ruth Jucá
O espetáculo não começou
Eis a obscura sinopse do espetáculo “Cabanagem”, parte da programação do 6º Festival Palco Giratório, evento promovido pelo Sesc/RS.
“Cabanagem foi uma revolta popular em que negros, índios e mestiços insurgiram contra a elite política regencial. Diversas batalhas fizeram com que o movimento ficasse marcado por violência. A pesquisa para o espetáculo partiu da literatura de Márcio Souza e Marilene Corrêa, a partiu da qual o coreógrafo iniciou o seu trabalho, mergulhando no universo cabano. A obra não é narrativa. O espetáculo apropria-se da essência da Cabanagem e utiliza a linguagem de Mário Nascimento para traduzir o espírito de resistência, de luta, de revolta, de preservação das culturas de
determinado local.”
A Revolta dos Cabanos está para os Estados do Amazonas, Pará, Acre e Roraima (que, no século XIX, era uma só província) o que a Revolução Farroupilha está para o Rio Grando do Sul, acontecendo, inclusive, no mesmo período. Algumas diferenças: eles não se separaram do Império, a guerra durou cinco anos e não dez, e teve maior participação de populares do que a nossa daqui. O nome “Cabanagem” surgiu pelo mesmo motivo que o “dos Farrapos”: em tom pejorativo, assim eram chamados aqueles que moravam nas cabanas, pobres casas de telhado de palha. O espetáculo homônimo, no entanto, nem de longe, apresenta ao público qualquer referência à revolução mais importante da região norte do país, à guisa do que consta na sinopse acima. Nem referencia qualquer outra coisa. Em suma, a obra concebida e coreografada por Mário Nascimento é indicial apenas: exibe uma técnica, uma habilidade, a possibilidade de algo que não se concretiza. É impossível dizer que algo nada significa, mas, sobre o espetáculo do Corpo de Dança do Amazonas, a afirmação possível é a de que seu significado é tão desinteressante quanto chato.
Quase uma hora de coreografias que não são nem narrativas e codificadas como a dança tradicional (folclória ou ballet clássico), nem fluídas e livres como a dança contemporânea, mais parecem um aquecimento, o que nos deixa a espera de algo que não se estabelece. Cada dançarino, sozinho ou em grupo, repete do início ao fim os mesmos movimentos em lugares diferentes tanto do palco como da duração do espetáculo. Não há quebras, sendo extremamente previsível num constante equilibrar-se e desequilibrar-se, intenção e foco múltiplo, força e embasamento. A trilha sonora escolhida confere ambiente, mas não faz referência a nada que já não sabemos lendo a sinopse. O figurino é neutro. A iluminação é redundante. Resultado: o parágrafo escrito pela produção do espetáculo e divulgado pela produção do evento é mais rico do que obra cênica, essa paupérrima.
Um único momento de exceção: quanto todos entram vestindo casacos, somos convidados a nos revirar nas cadeiras à espera de algo que possa fazer sentido. Alarme falso: novas exibições de movimentos desconexos num todo nada arregimentado.
Dançarinos com boa forma física e instrumentos corporais dispostos a estabelecer boas relações, quando não compõem um espetáculo, são como um set de filmagem. Luz está pronta, som preparado, claquete a postos, atores nos seus lugares. Nada disso é cinema enquanto não estiver editado e na tela.
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Ficha técnica:
Direção artística: Corpo de Dança do Amazonas / Concepção e coreografia: Mário Nascimento / Produção musical: DJ Marcos Tubarão / Iluminação: Mário Nascimento / Iluminação (execução): Monique Andrade / Figurino: Mário Nascimento e Corpo de Dança
do Amazonas / Produção: Carla Lee / Elenco: Adan Souza, Adriana Góes, André Duarte, Ângela Duarte, Baldoino Leite, Fabian Aarão, Flávio Soares, Gentil Neto, Getúlio Lima, Helen Rojas, Liene Neves, Marilucy Lima, Meire Jane Melo, Rosely Reis, Sumaia Farias, Valdo Malaq / Classificação etária: livre / Gênero: dança / Duração: 50 minutos
* Texto escrito em maio de 2011 por ocasião do 6º Festival Palco Giratório do SESC/RS
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