terça-feira, 1 de setembro de 2015

Vanya e Sonia e Masha e Spike (SP)


Foto: divulgação

Patrícia Gasppar, Elias Andreato e Marília Gabriela


Uma comédia elegante

Com Marília Gabriela no elenco, a ótima versão brasileira da comédia americana “Vanya e Sonia e Masha e Spike” estreou no Rio de Janeiro no fim de julho e cumpre temporada no Teatro dos Quatro, no Shopping da Gávea, até início de setembro próximo. A colorida produção, lançada no outono em São Paulo, é a primeira incursão ao gênero do celebrado diretor Jorge Takla, que comemorou, no ano passado, quatro décadas de carreira. A montagem original da peça recebeu, entre outros troféus, o Tony Award de Melhor Espetáculo da Broadway em 2013. O texto, escrito por Christopher Durang, é uma versão bem-humorada do repertório dramático de Anton Tchékhov (1860-1904). As interpretações de Elias Andreato e de Patrícia Gasppar, além do cenário de Attilio Baschera e de Gregorio Kramer e do figurino de Theodoro Cochrane são os destaques mais positivos dessa montagem.

Alta comédia americana
Na história, o dia começa mal na Pennsylvania, no nordeste dos Estados Unidos, onde moram os irmãos já cinquentões e solteiros Vanya (Elias Andreato) e Sonia (Patrícia Gasppar). Diferente do que sempre acontece, ele serviu-se pessoalmente de café, o que dá início a uma briga através da qual o público os conhece melhor. Os dois moram na casa de campo deixada como herança para Masha (Marília Gabriela), a filha mais velha, que ainda os sustenta mesmo após a morte dos pais. Ao chegar, a diarista Cassandra (Teca Pereira) prenuncia coisas terríveis para o futuro da família, o que se confirma com a entrada de Masha logo em seguida. Ela, que é uma famosa atriz do cinema americano, vem participar de uma festa à fantasia na luxuosa casa em frente e aproveita para apresentar Spike (Bruno Narchi), seu novo namorado, quase trinta anos mais jovem. O dia evolui ainda pior quando Masha conta aos irmãos que, a conselho de sua empresária Houtie Pie, irá vender a velha casa. A jovem Nina (Juliana Boller), que entrou na história como uma fã de Masha, é convidada por Spike a ir também à festa, o que irrita sua namorada de meia-idade que, como seus irmãos, sofre a chegada da velhice.

Estruturada em um ato, a comédia de Christopher Durang não tem, no uso dos nomes dos personagens principais, as únicas referências a Tchékhov. A venda da propriedade e a existência nela de um suposto cerejal, bem como o enfrentamento do tédio e do encontro com a velhice, são outras ligações. No entanto, o mais interessante dessa dramaturgia é o modo como, na exata oposição ao dramaturgo realista russo, os personagens permanecem, em alguma medida, na luta por protagonizar seus destinos. Em outras palavras, como em Tchékhov, o tempo aqui também corrói, mas, diferente de lá, Vanya, Sonia e Masha não se curvam a ele (facilmente). Para os personagens nessa versão, Moscou é um destino possível.

Comportado dentro do estilo da alta comédia americana, o texto de Durang se esforça em apresentar os personagens e as situações em detalhes, deixando até mesmo o espectador mais lento em posição bastante confortável. Não se trata de um vaudeville, tampouco de uma farsa: as cenas são longas, as curvas pouco acentuadas, certa profundidade é plenamente mantida. Nina é jovem para contrastar com Masha, mas é calma para se opor a Spike. Cassandra surge sombria para antecipar o futuro, mas participa da superfície da ação na hora de defender seus amigos. Spike, por sua vez, seduz com a mesma rapidez com que é repelido. Com vários bons momentos, os melhores trechos do texto são o monólogo de Vanya acerca dos valores da vida antes da internet, o telefonema recebido por Sonia e o final.

Elias Andreato e Patrícia Gasppar em ótimas interpretações
Colorida demais, a versão de Jorge Takla rapidamente enche o texto e as interpretações da máxima responsabilidade em dar conta do ritmo. O vibrante cenário de Attilio Baschera e de Gregorio Kramer e o meticuloso figurino de Theodoro Cochrane preenchem o palco com uma enorme profusão de cores, de tons e de texturas que pouco evolui ao longo dos cento e vinte minutos de encenação porque já começa em alta. Por isso, pela forma como os elementos surgem na cena (e não apenas em termos de velocidade), “Vanya e Sonia e Masha e Spike” parece mais lento do que de fato é. O empenho nos detalhes, principalmente na ambientação e no guarda-roupa, mas também na iluminação de Ney Bonfante e na sonoplastia de Fernando Fortes, é um belíssimo elogio desse espetáculo ao público brasileiro de teatro. Palmas!

Bruno Narchi (Spike) e Juliana Boller (Nina) pouco acrescentam aos personagens de Durang, perdendo a oportunidade de expressar mais claramente suas funções na narrativa. Por outro lado, com habilidade, Marília Gabriela (Masha) empresta seu significado pessoal e Teca Pereira (Cassandra) sua força às colaborações que muito bem defendem. Em ambas, é bonito de contemplar as quebras de tom nos trechos finais da história, quando o fim é apontado. Elias Andreato (Vanya) e principalmente Patrícia Gasppar (Sonia) têm as melhores participações da peça pelo modo como, do início ao fim, suas presenças são recheadas de ações e de reações. Dos mais sutis gestos de olhar aos momentos de maior êxtase, suas interpretações ratificam o modo como o dramaturgo os criou: aqueles que permanecem.

A atriz Marília Gabriela
Comemorando quinze anos de carreira no teatro, a atriz Marília Gabriela, uma das jornalistas mais respeitadas do país (com quarenta e seis anos de trajetória), está de parabéns por mais esse passo sensível, cuidadoso e potente. “Vanya e Sonia e Masha e Spike” é uma comédia elegante como ela.


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Ficha técnica:
Direção: Jorge Takla
Texto: Christopher Durang
Tradução: Bianca Tadini e Luciano Andrey
Elenco: Marilia Gabriela, Elias Andreato, Patrícia Gasppar, Bruno Narchi, Teca Pereira e Juliana Boller
Cenário: Attilio Baschera e Gregorio Kramer
Figurinos: Theodoro Cochrane
Iluminação: Ney Bonfante
Sonoplastia: Fernando Fortes
Maquiagem: Duda Molinos
Perucas: Feliciano San Roman
Realização: Takla Produções