sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

A última festa antes do fim do mundo (RJ)

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Foto: Eliane Freitas


Elenco em cena

Temas mofados nessa dramaturgia de Daniel Nolasco


“A última festa antes do fim do mundo” apresenta uma visão tardia dos relacionamentos contemporâneos. Dirigido por Sérgio Menezes, o espetáculo não resolve as opções pouco interessantes da dramaturgia de Daniel Nolasco à contemporaneidade. Na história, Alberto e Mário vão se casar e, sob pretexto de uma despedida de solteiro para ambos, o amargurado Kadu convida alguns amigos para uma festa privada em seu apartamento. Comparecem seu ex-namorado Cézar; Margot, a ex-esposa de Mário; e Suzana, uma transexual; além do casal e de um stripper contratado. Do início ao fim, intermináveis discussões de relacionamento revelam personagens do século XXI tentando fracassadamente reproduzir modelos de relações ultrapassadas. Apesar do bom trabalho de Amaury Lorenzo e de esforços visíveis dos demais atores em dar conta das situações propostas, o resultado geral é desanimador. A peça está em cartaz no Teatro Cândido Mendes, até 2 de fevereiro, sempre às terças.

Uma infindável discussão de relacionamento
A questão da honra se popularizou no teatro nas comédias espanholas do século XVII. Entre seus personagens, esposas fieis padeciam sob o medo de parecerem adúlteras, maridos se corrompiam de desconfiança, homens se duelavam entre si para não carregarem a mancha do orgulho ferido. Durante séculos, a Espanha se saía geralmente vitoriosa de vários embates internacionais e o império de Felipe II dominava metade da Europa, toda a costa africana, parte considerável da América, além de territórios na Ásia e na Oceania. Era bom ser espanhol naqueles tempos e o teatro se esforçava em elogiar seu povo sobre isso. Desde então, o tema atravessou o melodrama burguês, chegou às radionovelas e ao início da teledramaturgia, perdendo muito sua capacidade de responder às questões das épocas que se sucederam.

No texto original de Daniel Nolasco, o personagem Alberto (Nuno Souza Gouvêa) descobre, nas vésperas de seu casamento com Mário (Amaury Lorenzo), que está sendo traído. Incognitamente, ele conversa com seu futuro marido através de um aplicativo de relacionamentos (o Scruff) por meio do qual homens gays marcam encontros sexuais com desconhecidos. A revelação bombástica se dá no início de uma festa na casa de Kadu (Leandro Terra), que tinha outras intenções para a noite que não apenas celebrar a despedida de solteiro dos amigos. Contratado pelo anfitrião, um Stripper (Igor Cosso) interrompe seu show quando Cézar (Bruno Fagotti) o reconhece. Os dois estão “ficando” há uns meses e o segundo desconhecia a atividade profissional do primeiro. Kadu, que foi abandonado por Cézar depois de dez anos de relação, quer se vingar do ex, ferindo-o com a divulgação da vida secreta daquele que o substituiu.

Há ainda a transexual Suzana (Gustavo Rizzotti), que pretende largar tudo e ir para Brasília, onde mora um homem por cuja voz se apaixonou apesar de nunca tê-lo visto. E Margot (Helena Lourencette), ex-esposa de Mário, que bêbada joga contra ele e seu futuro marido toda a sua mágoa. Assim, “A última festa antes do fim do mundo” se resume em uma infindável discussão de relacionamento. No texto, questões como fidelidade e monogamia, tratadas superficialmente, dão lugar para uma visão de sociedade em que se ratifica uma imagem dos homossexuais como promíscuos, dos transexuais como iludidos e das mulheres como incapazes de prosseguir.

Amaury Lorenzo em destaque positivo
A direção de Sérgio Menezes, cuja única talvez alternativa seria ter levado todo o drama de Nolasco para a comédia de exageros, não resolve o mofo do texto. A semi-arena do Teatro Cândido Mendes é usada como se fosse palco à italiana em desprivilégio ao público que não está sentado à frente. No fundo do palco, há um espelho que reflete inconveniente a luz de um refletor, perturbando a visão. A direção de arte não se decide no quando a história acontece, se referindo à distante entrada do ano 2000, mas com figurinos, fatos e trilha sonora de outras épocas.

Todos os atores se empenham em construções realistas, driblando problemas na evolução dos diálogos e nas marcações em vários momentos com sucesso. Helena Lourencette (Margot) se serve dos poucos desafios de uma personagem bêbada, Gustavo Rizzotti permanece protegido pelo brilho visual de sua Suzana e Igor Cosso (Stripper), em rápida aparição, tira algum mérito de sua oportunidade mais dramática. Nuno Souza Gouvêa (Alberto) e Leandro Terra (Kadu) sofrem a falta de quebras na evolução de seus personagens, permanecendo lineares na defesa de suas figuras vitimizadas e raivosas. Bruno Fagotti (Cézar), mas principalmente Amaury Lorenzo, carismáticos e aproveitando bastante bem os tempos, se destacam positivamente nas figuras que também são as que melhor foram escritas por Nolasco.

O mundo não acabou
Alberto quer provar que não aceita ser traído, Kadu e Margot que não perdoaram o abandono e Suzana que é capaz de ser feliz no amor. Eles se utilizam de uma situação social para limparem sua imagem frente aos outros. Com questões muito mais complexas a serem refletidas acerca dos relacionamentos contemporâneos, a defesa da honra faz “A última festa antes do fim do mundo” um espetáculo que sobra na programação teatral desse novo milênio. Uma pena!

*

Ficha técnica:
Texto: Daniel Nolasco
Direção: Sérgio Menezes
Supervisão: Brigitte Bentolila
Direção de arte: Elliane Freitas
Figurino: Erika Facuri
Luz e Trilha Sonora: Sérgio Menezes
Assistente de Produção: Bruno Fagotti & Michele Ferrucio
Assistente de Direção: Michele Ferrucio
Assessoria de Imprensa: Ribamar Filho
Produção Executiva: Teca Viegas
Direção de Produção: Leandro Crespo
Colaboração Cênica: Victor Maia
Design Gráfico: Alexsandro Palermo

Elenco:
Kadu – Leandro Terra
Cézar – Bruno Fagotti
Mário – Amaury Lorenzo
Alberto – Nuno Souza Gouvêa
Margot – Helena Lourencette
Suzana – Gustavo Rizotti
Stripper – Igor Cosso

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

O último lutador (RJ)

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Foto: divulgação

Daniel Villas, Glauco Gomes, Stênio Garcia, Antonio Gonzalez e Marcos Nauer


Em ótimo espetáculo, o tema da luta contra o isolamento

No ótimo “O último lutador”, Stênio Garcia comemora 60 anos desde sua primeira atuação no teatro. Escrita por Marcos Nauer e por Teresa Frota, a partir de argumento do primeiro, a peça é dirigida por Sérgio Módena. No elenco, estão Stela Freitas, Antonio Gonzalez, Glaucio Gomes, Mari Saade, Daniel Villas e Carol Loback, além de Nauer e do aniversariante. A narrativa sugere uma ficcional origem do Vale Tudo, modalidade de combate que deu origem ao hoje difundido MMA. Na história, com a ajuda de uma produtora de televisão, um antigo lutador pretende unir sua família através de um campeonato milionário. O risco de dois irmãos se digladiarem no ringue surge e pode atrapalhar seus planos. O espetáculo está em cartaz no Teatro dos Quatro, no Shopping da Gávea, até 7 de março.


O Vale-Tudo
A origem do esporte Vale-Tudo remonta o início do século XX, quando o lutador japonês Mitsuyo Maeda (1878-1941) veio morar no Brasil. Em 1917, no Estado do Pará, logo após uma apresentação de jiu-jitsu (seu modo particular de lutar judô), ele foi procurado por Carlos Gracie, que se ofereceu como aprendiz. A prática, difundida entre os descendentes de Carlos, teve seu ponto alto nos anos 70, quando seu filho Rorion Gracie (1952) se mudou para os Estados Unidos. Trabalhando como figurante em filmes de Hollywood, ele chamou a atenção para suas técnicas de luta. No fim dos anos 80, sua Academia de Jiu-jitsu tinha vagas disputadíssimas.

Em 12 de novembro de 1993, o produtor de TV Art Davie e Rorion Gracie lançaram o Ultimate Fighting Championship (UFC), um evento em que oito lutadores de diferentes modalidades combatiam entre si. O objetivo era fortalecer a questão sobre qual luta era mais eficiente. Quais técnicas davam a chance de um lutador menor vencer um maior? Para lutar contra lutadores de boxe, sumô, karatê entre outras outras, Rorion escolheu seu irmão mais novo, o faixa preta de jiu-jtsu brasileiro Royce Gracie. Ele venceu essa e outras competições posteriores. Na quinta edição, sua luta final com Ken Shamrock, de wrestling, durou 36 minutos e terminou em empate sangrento. Depois de ser proibido em vários estados americanos, o Vale Tudo precisou se ajustar. Regras foram acrescentadas e hoje o esporte se chama MMA (Artes Marciais Mistas), conhecido no mundo inteiro.

Elogiável dramaturgia de Marcos Nauer e de Teresa Frota
“O último lutador” narra a história de Caleb (Stênio Garcia), um antigo lutador que teve certa fama na juventude, mas que, na velhice, ganha dinheiro com brigas de galo. A peça começa no fim do ano de 1992, quando o Brasil amargava as políticas econômicas do então presidente Fernando Collor de Melo. No passado, Caleb pôs seus dois filhos, Tito (Antonio Gonzalez) e Enosh (Glaucio Gomes), no ringue, como inimigos em uma luta da qual só um poderia sair como vencedor. O tempo, porém, não foi suficiente para apagar a mágoa que filhos e pai, desde então, guardam uns dos outros. Na terceira geração, Daniel (Daniel Villas) e Davi (Marcos Nauer), também não têm boas relações com sua família. Reunir todos esses, oferecendo a oportunidade de ressignificar suas existências, e melhorar suas vidas financeiras, é talvez o último desafio que Caleb assume para si.

O drama original escrito por Marcos Nauer e por Teresa Frota tem, entre seus vários méritos, o de apresentar bem a história, os conflitos e a evolução da narrativa. A luta, como oportunidade para a raiva, mas também para a união, surge como símbolo tão controverso quanto potente. O fracasso, real mas também possível, se apõe ao sucesso na mesma medida em que, em sua complexidade, com ele se iguala. O espectador acompanha tudo, elegendo seus favoritos, tomando suas posições. Enquanto isso, pensa em temas como laços de sangue, destino, obstinação e sobretudo no valor que há em acreditar em si próprio e em não perder a chance de recomeçar.

Um traço, no entanto, afasta a dramaturgia do lugar de maior excelência. Por vários motivos da ordem da narrativa, fica mais fácil reconhecer que, entre Davi e Daniel, um deles tem mais chances de vencer em um embate. O problema é que, se a vitória é uma busca pessoal para um, para o outro é também uma questão de sobrevivência. E esse personagem é justamente o mais desprivilegiado pelo texto, inclusive por não ser nem o favorito do seu pai, nem do seu avô. Sem tratar sobre qual dos dois vence no final, nem sequer sobre se um deles chega a vencer, a análise se interroga acerca da relação entre eles. Ela não chega a se estabelecer sobretudo em prol do que cada um sabe que o outro tem a perder com o resultado da disputa. E esse fato, que felizmente não tira o protagonismo de Caleb, nem os méritos dessa elogiável dramaturgia, é perturbador em alguns momentos.

Excelente conjunto de atuações

Daniel Villas, Carol Loback e Marcos Nauer
A direção de Sérgio Módena, assistido por André Viéri, é excelente sob todos os aspectos. “O último lutador” estreia em ritmo exuberante, com cenas rápidas, mas capazes de incluir o público com mais e menos referências. Os códigos são simples, acessíveis e exibem bom gosto. O tempo corre fluentemente e os personagens - uns mais, outros menos - têm boas oportunidades. É na qualidade do conjunto de interpretações, no entanto, que se vê o maior mérito de Módena nesse trabalho.

Todas as interpretações são positivas. Mari Saade acerta em investir na caricatura como meio de defender sua Débora, esposa do personagem Daniel. Glaucio Gomes perde oportunidades de apresentar melhor seu Enosh, mas diz o texto com força capaz de segurar o ritmo de suas cenas.

Daniel Villas (Daniel), mas sobretudo Antônio Gonzalez (Tito), Stela Freitas (Diná, a companheira de Caleb) e Carol Loback (Madalena, a produtora e apresentadora de TV) multiplicam ferozmente as potencialidades dos seus personagens, conferindo destaques muito positivos a eles e ao todo.

Com enorme carisma, Marcos Nauer (Davi) ganha o público facilmente em ótima performance. Stênio Garcia (Caleb) comemora o seu aniversário de carreira em trabalho que ratifica suas habilidades enquanto intérprete. Em termos de movimentação, gestual, ritmo e de intenções, eis aqui uma atuação de primeira grandeza.

Quanto ao cenário de Aurora dos Campos, à luz de Tomás Ribas e ao figurino de Antônio Guedes, “O último lutador” também tem muitos méritos. Destaca-se, porém, mais uma vez, a colaboração de Marcelo Alonso Neves na criação da trilha sonora original e na direção musical do espetáculo.

A luta contra o isolamento
Partindo de um tema pelo qual o teatro pouco se interessa, a luta livre, “O último lutador” inclui mais uma vez um debate que vem se tornando comum na grade de programação do teatro carioca: os laços familiares. O valor que a sociedade contemporânea tem dado para outros tipos de laços afetivos não tira da família, seja ela como for, seu lugar de importância. A luta não se dá afinal entre os modelos de relações familiares, mas a peça sugere a importância do combate que nós talvez precisamos travar contra o isolamento. Eis um belo espetáculo a ser visto e aplaudido!

*

FICHA TÉCNICA
Ideia Original: Marcos Nauer
Texto: Marcos Nauer e Teresa Frota
Supervisão de dramaturgia: Teresa Frota
Direção: Sergio Módena
Elenco: Stênio Garcia, Stela Freitas, Marcos Nauer, Antonio Gonzalez, Glaucio Gomes, Mari Saade, Daniel Villas e Carol Loback
Diretor assistente: André Viéri
Cenário: Aurora dos Campos
Iluminação: Tomás Ribas
Figurino: Antonio Guedes
Música Original: Marcelo Alonso Neves
Fotografia: Milton Menezes
Instrutor de lutas: Milton Vieira – Rio Fighters
Instrutor de jeet kune do: Paulo Oliveira – Kalirio
Preparador corporal para o tango: Edio Nunes
Assessoria de Imprensa: Daniella Cavalcanti
Fotos e Programação Visual: Milton Menezes
Assistente de produção: Luana Simões
Produção: Norma Thiré e Frederico Reder
Realização: Brainstorming Entretenimento e Quarta Dimensão Entretenimento

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Os Realistas (RJ)

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Foto: divulgação

Mariana Lima, Emílio de Mello, Debora Bloch e Fernando Eiras

Ótimo conjunto de elenco no monótono “Os Realistas”

Os ótimos trabalhos de interpretação, o figurino de Ticiana Passos e o cenário de Daniela Thomas e de Camila Schimidt salvam “Os realistas” de ser um espetáculo mais monótono do que é. A peça foi escrita pelo norte-americano Will Eno, o mesmo de “Ah! A Humanidade e Outras Boas Intenções”, e estreou na Broadway em 2014, ficando em cartaz por lá por menos de sete meses. A montagem brasileira, produzida por Debora Bloch e por Alessandra Reis e dirigida por Guilherme Weber, tem no elenco Emílio de Mello, Fernando Eiras, Mariana Lima além de Bloch. Cheia de diálogos difíceis e pseudo-inteligentes, a história é sobre dois casais que, em uma cidade pequena, iniciam uma amizade. Em cartaz no Teatro Poeira, em Botafogo, a peça fica em cartaz até 27 de março.

Uma comédia existencialista pouco cômica e quase nada existencial
“The realist Joneses” (que quer dizer mais ou menos “Os Silvas Realistas”) começa quando Pônei e José Silva (Debora Bloch e Emílio de Mello) invadem o pátio de Júlia e João Silva (Mariana Lima e Fernando Eiras). Eles acabaram de se mudar para a casa da frente e, na pequena cidade, passarão a ser vizinhos. Os dois casais têm mais ou menos a mesma idade, sem filhos e são relativamente estáveis. Na primeira cena, fica claro que o que os diferencia sobremaneira é o modo como eles se comunicam entre si: Júlia e João (Jennifer e Bob Jones, no original) quase não falam um com o outro enquanto Pônei e José (Pony e John Jones) aparentemente mantêm uma conversa mais animada. Nas palavras do autor, é a comunicação que distingue os homens dos animais, tese que por ele próprio será esquecida ao longo do texto.

Ao longo de duas horas na montagem brasileira (a americana durava 90 minutos), Will Eno apresenta regularmente um jogo de palavras que exibe a sua habilidade com a escrita. Sem pausa, o diálogo se constitui de perguntas e de repostas sendo que as segundas não apenas correspondem às primeiras, mas, através da ironia, estabelecem novas situações comunicativas. O problema é que a indecisão entre um questionamento mais existencial (e abstrato) e a tentação de apresentar uma história de trocas de casais permite que as falas lacônicas, muito literárias e pretensiosas levem o público à exaustão.

Tendo Eno sido comparado honrosamente a Beckett, “Os Realistas” distancia seu autor dessa qualidade. O texto, fora o fato da história acontecer em uma cidade do interior, também não tem nada de Tchekhov. Talvez a identificação de uma sutilíssima descrença, por vezes mais parecida com um cansaço, na construção dos personagens, possa aproximá-los da estética dos autores irlandês e russo, mas aí já seria um elogio grande demais. O fato deles verbalizarem reflexões de toda ordem em conversas cheias de medo de parecer banais não lhes dá também a chance de efetivamente ganhar o rótulo de existencialista.

Ótimos trabalhos de interpretação
Exatamente como as críticas apontam na versão original, os ótimos trabalhos de interpretação fazem com que o texto pareça mais interessante. Debora Bloch, Emílio de Mello, Fernando Eiras e Mariana Lima, no lugar de Marisa Tomei, Michael C. Hall, Tracy Letts e de Toni Collette, conseguem deixar ver por aqui algumas piadas no modo ágil com que dizem as falas, articulam as pausas e as intenções e com que reagem ao que é visto e ouvido.

O mérito maior deles, porém, está no fato de vencerem em conjunto o desafio de habitar nas pantanosas construções de Eno nessa peça sem recorrer ao mais fácil. Os personagens não têm questões dramáticas claras, embora feitas algumas sugestões delas para o mínimo de história conseguir atravessar o tempo. Voltando à análise da dramaturgia, em um simplório jogo de oposições, eles se aproximam (dois convivem com doenças degenerativas por exemplo) e se distanciam (há quem tenha medo de sangue, há quem se atraia pelo cuidado do outro), mas propriamente nenhum faz de sua personalidade combustível para ir adiante. São os atores, em viva colaboração ao texto, quem garantem esse sutil movimento.

Cenário e figurino colaboram com os valores do espetáculo 
O figurino de Ticiana Passos e o cenário de Daniela Thomas e de Camila Schimidt fazem o palco parecer algo interessante de se ver ao longo da encenação. Em uma riqueza de detalhes que eleva bastante a qualidade estética do espetáculo, contribuindo muito para o seu sucesso, o guarda-roupa e os objetos (a produção de objetos é de Rafael Faustini) oferecem profundidade que, em vários momentos, acabam por parecer vital. A iluminação de Beto Bruel, mas principalmente o sempre excelente desenho de som de Andrea Zeni são outros pontos que, ao lado do trabalho do elenco, “fazem desse limão uma limonada”.

Depois de destacar as interpretações e todos os elementos estéticos do texto espetacular, o elogio à direção de Guilherme Weber, assistido por Verônica Prates, é um tanto quanto óbvio. Afinado com o autor talvez mais do que ninguém no país, Weber garante que as reflexões que Eno vem produzindo cheguem ao Brasil, o que é valoroso. Oxalá, sem ufanismo nem xenofobia, ele também valorizasse a dramaturgia brasileira contemporânea, ou mesmo latina. Oxalá muita gente aliás.

*

FICHA TÉCNICA

Texto
Will Eno

Tradução
Ursula de Almeida Rego Migon e Erica de Almeida Rego Migon

Direção Geral, Adaptação e Trilha Sonora
Guilherme Weber

Elenco
Debora Bloch, Emílio de Mello, Fernando Eiras e Mariana Lima

Cenografia
Daniela Thomas e Camila Schmidt

Figurinos
Ticiana Passos

Iluminação
Beto Bruel

Direção de Produção
Alessandra Reis

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Master class (SP)

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Foto: Marcos Mesquita


Christiane Torloni e Bianca Tadini

Uma dispensável caricatura de Maria Callas

Depois de 20 anos, “Master class”, escrita pelo norte-americano Terrence McNally, recebe sua segunda montagem no Brasil. A primeira foi protagonizada por Marília Pêra (1943-2015) e a atual está sendo por Christiane Torloni. O espetáculo, que é dirigido por José Possi Neto, não resolve qualquer dos problemas da dramaturgia que já foram apontados pelo mundo em todos os lugares onde a peça foi produzida desde a estreia em 1995 na Broadway. Baseado no livro “Callas at Juilliard: The Master Classes”, de John Ardoin (1987), e na coleção de discos lançados pela EMI, o texto traz a cantora lírica Maria Callas (1923-1977) dando aulas de canto para alguns jovens cantores. De forma bastante empobrecedora, a personagem aparece aqui castigada pela visão superficial em uma narrativa linear, simplória e meramente comercial. As participações de Bianca Tadini (Sophie), Leandro Lacava (Anthony) e de Julianne Daud (Sharon), interpretando os alunos, têm algum mérito. Ao longo de duas horas, eis uma visão grosseira da La Divina, mas principalmente com vários problemas da ordem da construção do espetáculo. Apesar dos ótimos momentos de Torloni nos dois solilóquios, a produção em cartaz no Teatro Clara Nunes, no Shopping da Gávea, até 6 de março, é uma má opção na grade carioca.

O abandono dos fatos reais e das possibilidades narrativas do texto
Entre 1971 e 1972, Maria Callas ministrou 23 aulas de 2horas cada uma para 25 alunos por ela selecionados dentro de um universo de 300 inscritos. As “master classes” aconteceram no auditório da Juilliard School, uma escola de artes em Nova Iorque nos Estados Unidos. Esses momentos foram gravados em áudio (hoje estão no Youtube!) e transcritos. Os registros inspiraram várias obras, entre elas o texto de Terrence McNally. Os problemas na dramaturgia não impediram que o espetáculo chamasse a atenção do público e da crítica, que valorizaram as interpretações de Zoe Cadwell (Callas) e de Audra McDonald (Sharon). As duas receberam os troféus Tony de Melhor Atriz e Atriz Coadjuvante e a peça o de Melhor Espetáculo em 1996 na Broadway dentre outras menções honrosas. No mesmo ano, dirigido por Jorge Takla, o espetáculo teve uma versão brasileira protagonizada por Marília Pêra que fez muito sucesso no Brasil na ocasião.

No texto, McNally mistura Maria Callas com outras duas cantoras líricas, a italiana Renata Scotto (1934) e a americana Leontyne Price (1927), reforçando a imagem de diva temperamental e escandalosa de La Divina. O objetivo é vergonhosamente comercial. Para a história ser vendável, o dramaturgo superficializou a personagem, esforçando-se infelizmente em apagar muitas marcas de humanidade. Com as gravações disponíveis ao grande público, o fato original nem apresenta uma Callas grosseira, egoísta ou presunçosa, nem permite supor que sua sanidade estava comprometida. Na peça, um trecho imenso de Callas (Christiane Torloni) falando sobre a importância de se ter um “look” é apenas um comentário rápido em uma das gravações. O escândalo da personagem por uma almofada e um banquinho para ficar mais confortável também não aparece.

Apesar dessas questões, o texto não é de todo ruim. McNally transformou os 25 alunos em apenas 3: Sophie De Palma (Bianca Tadini), Anthony Candolino (Leandro Lacava) e Sharon Graham (Julianne Daud). A primeira canta uma ária de “La Sonnambula”, de Bellini. O segundo canta uma de “Tosca”, de Puccini. A terceira de “Macbeth”, de Verdi. O melhor momento é o número de “Medea”, de Cherubini. Nele a orquestração dramatúrgica de McNally passa a ficar mais legível. Ao longo de “Master Class”, os trechos das óperas sutilmente deixam ver nuances do quanto a história da grande Callas ainda pulsa na então professora em suas aulas. Em “La Sonnambula”, por exemplo, está a culpa de Callas por ter abandonado seu primeiro marido e amigo G. B. Meneghini. “Recondita armonia”, a primeira música de “Tosca”, é um hino de amor à arte, atividade que transformou uma pobre adolescente americana refugiada na Grécia - gorda, feia e com pais separados - em uma das maiores estrelas do século XX. Em “Macabeth”, mas principalmente em “Medea”, está a abnegação de Callas a Aristóteles Onassis, seu maior amor, que a havia trocado por Jacqueline Kennedy em 1968.

A direção de José Possi Neto não ressalta qualquer dessas sutis propostas do texto, mas, ao contrário, valoriza o exagero, a piada, a caricatura. Em ritmo deveras monótono, o espectador sai com a impressão de que a ordem de aparição dos alunos na dramaturgia poderia até ser invertida dado que nenhum deles parece fazer a história andar. Afogada na empáfia, na mágoa e na insegurança, a Callas de Possi parece uma bruxa sádica e sem humanidade.

Torloni com méritos em dois trechos
Comportados, os atores apresentam trabalhos de interpretação modestos, com honroso empenho nos números musicais, esses que vêm sem qualquer conexão viva com a narrativa nessa versão do espetáculo. Sophie (Bianca Tadini) é uma jovem sensível e amedrontada por estar diante de La Divina. Tony (Leandro Lacava) é um sedutor deslumbrado com vontade de ser famoso. Sharon (Julianne Daud), o melhor papel entre os alunos, tem personalidade e coragem para desabafar o que pensa no melhor momento do texto de McNally. Há ainda o pianista Emanuel Weinstock (Thiago Rodrigues) sem destaque. E o histriônico Assistente de Palco (Thiago Soares), que faz uma participação pequena ainda que carismática.

Christiane Torloni, talvez envolvida com a pobre concepção da personagem que lhe foi oferecida pelo texto e pela direção, tem méritos principalmente nos dois solilóquios que a dramaturgia lhe oferece. Nesses breves momentos, a intérprete exibe suas habilidades já notórias e faz de “Master Class” algo menos pior.

Venda a preço baixo
O cenário de Renato Theobaldo é inadequado. Apesar do texto ser claro em lembrar de que a história não se passa em uma sessão de espetáculo, mas em uma sala de ensaios, o que se vê em cena é uma estética que foge completamente dessa situação. A rede branca que cai em diagonal, funcionando como falsa rotunda, fica ainda mais prejudicial com a luz de Wagner Freire colorindo a opção com tons fortes e afastando o todo da proposta dita pelos próprios personagens. O figurino de Fabio Namatame & Claudeteedeca brinca com a emoção dos alunos por estarem diante da diva e apresenta fielmente a protagonista em relação ao contexto fonte.

“Master Class” vende Maria Callas a preço muito barato infelizmente.

PS.: Carece o programa do espetáculo de uma minuciosa revisão de língua portuguesa.

*

Ficha técnica:
Texto: Terrence McNally
Direção de Cena: José Possi Neto
Direção musical: Maestro Fabio G. Oliveira

Elenco:
Christiane Torloni
Julianne Daud
Bianca Tadini
Leandro Lacava
Thiago Rodrigues
Thiago Soares
Jayana Gomes Paiva (stand-in)

Cenário: Renato Theobaldo
Iluminação: Wagner Freire
Design de som: André Luis Omote
Figurinos: Fabio Namatame & Claudeteeca
Visagismo: Fabio Namatame e Sergio Gordin
Vídeo cenário: Bijari
Diretora de Produção: Julianne Daud
Produção Executiva: Lis Maia
Produção: Elza Costa e Fabio Hecker
Assistente de Produção: Alessandra Kosta
Assistente de Direção de Cena: Vanessa Guyillén
Assistente de Iluminação: Alessandra Marques
Designer Gráfico: Ebert Wheeler
Assessoria de imprensa: Liège Monteiro e Luis Fernando Coutinho
Produção Geral: Julianne Daud e Fabio G. Oliveira
Realização: Maestro Entretenimento

Processo de Conscerto do Desejo (RJ)

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Foto: divulgação


Matheus Nachtergaele


Matheus Nachtergaele em monólogo sobre sua mãe
"Processo de Conscerto do Desejo” está em cartaz no Teatro Poeirinha até o fim de fevereiro próximo. A peça traz de volta ao palco o ator Matheus Nachtergaele em espetáculo sobre a morte de sua própria mãe e algumas consequências estéticas desse acontecimento em sua vida particular. Com problemas de direção e de dramaturgia, fica o mérito das boas intenções.

Maria Cecília Naschtergaele tirou a própria vida em 21 de abril de 1968, dia em que seu filho Matheus Naschtergaele foi batizado. O bebê, que viria a se tornar um dos maiores atores brasileiros contemporâneos, tinha quatro meses na ocasião. Segundo o texto do espetáculo, sua existência foi marcada por esse acontecimento terrível e que, na peça, tenta ser ressignificado.

O maior problema do espetáculo é a falta de investimento no tema proposto. Em cena, informações gerais sobre o falecimento de Maria Cecília abrem a narrativa, mas, a partir daí, um posicionamento mais profundo sobre o fato dá lugar para uma tergiversação poética que inclui alguns poemas da personagem, canções favoritas e homenagens. Dessa forma, a não exploração mais corajosa do suicídio, sem dúvida uma questão bastante delicada, tira “Processo de Conscerto do Desejo” da chance de tocar o público. Em outras palavras, o interesse da plateia sobre a peça permanece sendo mais pela importância de Matheus Nachtergaele no contexto teatral brasileiro do que propriamente pela força que a Maria Cecília poderia adquirir como personagem independente.

O espetáculo usa modestamente algumas opções estético-visuais que se esforçam em colaborar no sentido de chamar a atenção para o quadro. Luã Belik e Henrique Rohrmann, no violão e no violino, fazem, ao lado de Matheus, ótimas participações musicais que, sem dúvida, acrescentam méritos à beleza do todo. A iluminação de Bruno Aragão tira bom proveito do palco em galeria do Teatro Poeirinha.

“Processo de Conscerto do Desejo”, que teve uma versão apresentada em julho de 2015 no Festival de Teatro de Ouro Preto, ainda carece de uma terceira talvez mais encorpada.

*

Ficha Técnica Artística
Desejo: Maria Cecília Nachtergaele
Conscerto: Matheus Nachtergaele
Concerto: Luã Belik
Conserto: Miriam Juvino

Ficha Técnica
Textos: Maria Cecília Nachtergaele
Direção e Interpretação: Matheus Nachtergaele
Violão: Luã Belik
Violino: Henrique Rohrmann
Produção: Miriam Juvino
Corpo: Natasha Mesquita
Voz: Célio Rentroya
Iluminação: Bruno Aragão
Artes visuais: Cláudio Portugal e Karina Abicalil
Divulgação: Silvana Cardoso (Passarim Comunicação)
Contrarregra: Cedeli Martinusso
Assessoria: A Gente Se Fala Produções (www.agentesefala.com.br)
Realização: Pássaro da Noite Produções

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Indicados ao 10o Prêmio APTR de Teatro (RJ)

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Foto: divulgação

"Kiss me, Kate! - O beijo da megera" recebeu 8 indicações

Indicados ao 10o Prêmio APTR de Teatro

Eis a lista dos indicados do 10o Prêmio APTR - Associação de Produtores de Teatro do Rio de Janeiro. Os premiados serão divulgados em cerimônia a ser realizada no dia 22 de março de 2016. O ator Marco Nanini, que completa 50 anos de carreira, será homenageado.

Categoria: Espetáculo
“Caranguejo overdrive”.
“Kiss me, Kate — O beijo da magera”.
“Krum”.
“O Pena carioca”.

Categoria: Direção
Ana Teixeira e Stéphane Brodt, por “Salina (A última vértebra)”.
Charles Moeller, por “Kiss me, Kate — O beijo da megera”.
Daniel Herz, por “O Pena carioca”.
Márcio Abreu, por “Krum”.
Marco André Nunes, por “Caranguejo overdrive”.

Categoria: Ator protagonista
Bruce Gomlevsky, por “Uma ilíada”.
José Mayer, por “Kiss me, Kate — O beijo da megera”.
Matheus Macena, por “Caranguejo overdrive”.
Renato Carrera, por “O homossexual ou A dificuldade de se expressar”.
Rodrigo Bolzan, por “Projeto Brasil”.
Silvero Pereira, por “BR Trans”.

Categoria: Atriz protagonista
Alessandra Verney, por “Kiss me, Kate — O beijo da megera”.
Ana Paula Secco, por “O Pena carioca”.
Carolina Virgues, por “Caranguejo overdrive”.
Suzana Faini, por “Família Lyons”.

Categoria: Ator coadjuvante
André Dias, por “Ou tudo ou nada”.
Rogério Fróes, por “Família Lyons”.
Thelmo Fernandes, por “S’imbora, o musical — A história de Wilson Simonal”.
Will Anderson, por “Kiss me, Kate — O beijo da megera”.

Categoria: Atriz coadjuvante
Alice Borges, por “Bilac vê estrelas”.
Camila Amado, por “Electra”.
Graciana Valladares, por “Salina (A última vértebra)”.
Totia Meireles, por “Nine — Um musical feliniano”.

Categoria: Autor
Álamo Facó, por “Mamãe”.
Giovana Soar, Marcio Abreu, Nadja Naira e Rodrigo Bolzan, por “Projeto Brasil”.
Pedro Kosovski, por “Caranguejo overdrive”.
Silvero Pereira, por “BR Trans”.

Categoria: Cenografia
Bia Junqueira, por “A Santa Joana dos matadouros”.

Bia Junqueira, por "Santa".
Paulo de Moraes e Carla Berri, por “Inútil a chuva”.
Pedro Paulo de Souza, por “O homossexual ou A dificuldade de se expressar”.

Categoria: Figurino
Ana Teixeira e Stéphane Brodt, por “Salina (A última vértebra)”.
Antônio Guedes, por “O Pena carioca”.
Antônio Guedes, por “O homossexual ou A dificuldade de se expressar”.
Carol Lobato, por “Kiss me, Kate — O beijo da megera”.

Categoria: Iluminação
Aurélio Di Simoni, por “Meu saba”.
Nadja Naira, por “Krum”.
Paulo César Medeiros, por “A Santa Joana dos matadouros”.
Renato Machado, por “Caranguejo overdrive”.

Categoria: Música
Claudio Lins, por “O beijo no asfalto”.
Marcelo Alonso Neves, por “Amargo fruto — A vida de Billie Holiday”.
Marcelo Castro, por “Kiss me, Kate — O beijo da megera”.
Ney Lopes, por “Bilac vê estrelas”.

Categoria: Especial
Aplicativo Teatro Brasil
Claudio Botelho, pela versão brasileira do espetáculo “Kiss me, Kate — O beijo da megera”.

Claudio Lins, pela adaptação da obra de Nelson Rodrigues para a linguagem do musical.
Márcia Rubim, pelo conjunto de trabalho corporal dos espetáculos “Krum”, “Projeto Brasil” e “Caranguejo overdrive”.
Projeto Augusto Boal.

Os jurados do prêmio são Macksen Luiz, Rodrigo Monteiro, Lionel Fischer, Rafael Teixeira, Gilberto Bartholo, Reinaldo Benjamin, Bia Radunsky, Daniel Schenker, Tânia Brandão e Patrick Pessoa, além do colegiado da APTR.



Jurados e Colegiado da APTR

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Inútil a chuva (RJ)

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Foto: Mauro Kury e João Gabriel Monteiro

Patrícia Selonk, Andressa Lameu, Leonardo Hinckel e Tomás Braune

O novo excelente espetáculo da Armazém Companhia de Teatro

O excelente “Inútil a chuva” é o mais novo espetáculo da Armazém Companhia de Teatro. Com belo texto do diretor Paulo de Moraes e de seu filho Jopa Moraes, o espetáculo narra a história de uma família que procura se manter unida após o desaparecimento do pai. No elenco, Marcos Martins, Amanda Mirasci, Patrícia Selonk, Andressa Lameu, Tomás Braune e Leonardo Hinckel tem trabalhos de atuação cuja força, sensibilidade e cuidado destacam a produção na grade teatral carioca. A peça fica em cartaz até 31 de janeiro no Teatro da Fundição Progresso na Lapa. Deve ser vista!

Uma das melhores dramaturgias de 2015
Na história original escrita por Paulo e por Jopa Moraes, a personagem Lotta (Patrícia Selonk) e seus três filhos - Slavoj (Leonardo Hinckel), Claude (Tomás Braune) e Sarah (Andressa Lameu) – se esforçam para levar a vida adiante após o misterioso desaparecimento do marido e pai da família. Quando sumiu, ele era um pintor sem sucesso, apaixonado pela esposa e apegado à ideia da morte. “Inútil a chuva” começa em um dia de verão com a mãe e os demais remando no lago onde há quem diga que o pai teria se afogado. O esporte é mantido como meio deles permanecerem juntos, unidos, fieis às suas existências apesar dos acontecimentos.

A chegada da jornalista Vivian (Amanda Mirasci) ocorre ao mesmo tempo em que as velhas histórias começam a ser questionadas. Com o tempo, os quadros antes ignorados passaram a despertar interesse do mercado de arte de maneira que a figura do pintor deixa de ser importante apenas dentro do universo particular da família e adquire notoriedade. Esse movimento traz outro personagem: Mathias, amigo do pintor desaparecido a quem lhe foram presenteadas algumas telas hoje valiosas.

Além do modo como a narrativa habilmente se descortina com cuidado, anunciando uma potencialidade que de fato será conferida, a dramaturgia de “Inútil a chuva” tem mérito no modo como articula seu conteúdo. Na construção dos personagens, a figura ausente do pai é perseguida por Slavoj, renegada por Claude e cada vez mais viva em Sarah. E é através de Lotta que o espectador pode perceber tudo isso. Vivian e Mathias, como a plateia que entra nessa história aos poucos, são de fora do ambiente familiar. Para eles, que acabam por ser o contraponto dos demais personagens, vale o artista com e sem o esplendor de sua fama.

Na estrutura, porém, está o maior valor do texto de “Inútil a chuva”. As cenas flertam com o cerne da questão: beliscam o âmago da história e fogem em seguida para parábolas, reflexões sobre arte, lógica matemática, e se ocupam da descrição do universo de cada personagem. O movimento excita a atenção do público, aguça o interesse, anuncia valor e meritosamente o apresenta. Tendo estreado no fim de outubro de 2015, essa é uma das melhores dramaturgias originais que estrearam no ano passado no Rio, sem dúvida.

Grandes interpretações
No que diz respeito às interpretações e às construções das cenas, a peça não fica em nada a dever para o belo texto. Todos os trabalhos de interpretação são positivos. Marcos Martins marca com força a fraqueza moral de seu personagem em uma atuação que revela um Mathias simplório e quase bobo. Amanda Mirasci (outrora Amanda Vides Veras) consegue o nobilíssimo feito de dar alguma cor para a sua Vivian, que entra na história por acaso, sai de mansinho e acaba por ser marcante. A excelente Patrícia Selonk, em novo grande trabalho, concentra, na apresentação de sua Lotta, um pouco da personalidade de cada filho e possivelmente muito do pai, personagem que não aparece, mas em torno do qual toda a história gira. Vibrante!

Destacam-se, em “Inútil a chuva”, as interpretações de Andressa Lameu (Sarah) e de Tomás Braune (Claude), mas principalmente a de Leonardo Hinckel (Slavoj), esse no melhor trabalho de sua jovem mas sólida carreira. O trio apresenta exuberantes momentos no detalhe de cada cena: da ironia à graça, do ódio à sensualidade, do medo à coragem. Contraditórias, íntegras e vivas, suas colaborações permitem o texto saltar à cena e ao mundo palpável.

Méritos da direção de Paulo de Moraes
A cenografia de Paulo de Moraes e de Carla Berri, bem como o figurino de Rita Murtinho e o desenho de luz de Maneco Quinderé colaboram para “Inútil a chuva” em enormes movimentos. A utilização de poucos elementos sobre os quais vasta potencialidade de sentido se garante dá ao todo ritmo sem prejuízo da força. O palco se dá em forma de galeria, isto é, o público se senta de um lado e doutro do espaço cênico de maneira que, além da cena, a plateia também vê a si mesma do outro lado. A direção de Paulo de Moraes, assistida por Lisa Eiras, que articula todos os méritos já apontados nesse espetáculo, também está nessa opção. Ela convoca a reflexão melhor que a maneira à italiana. Merece elogios também a direção musical de Ricco Vianna.

A história de um filho que, de alguma forma, é impulsionado a descobrir como perdeu o pai não é original. Em “Inútil a chuva”, o mais bonito é perceber o quanto o não aparecimento de fantasma algum exige que eles assumam a responsabilidade por suas próprias tragédias pessoais. E, acalmados, continuem a remar apesar de qualquer desventura. Aplausos!

*

Ficha Técnica
Direção :: Paulo de Moraes | Dramaturgia :: Paulo de Moraes e Jopa Moraes | Elenco :: Patrícia Selonk, Andressa Lameu, Leonardo Hinckel, Tomás Braune, Marcos Martins e Amanda Mirasci | Iluminação :: Maneco Quinderé | Cenografia :: Paulo de Moraes e Carla Berri | Figurinos :: Rita Murtinho | Direção Musical :: Ricco Viana | Design Gráfico: João Gabriel Monteiro e Jopa Moraes | Produção de Vídeos :: João Gabriel Monteiro | Assistente de Direção :: Lisa Eiras | Técnico de Montagem :: Regivaldo Moraes | Preparação Corporal :: Maíra Maneschy e Patrícia Selonk | Produção Executiva :: Flávia Menezes | Produção: Armazém Companhia de Teatro |

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Auê (RJ)

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Foto: divulgação

Fábio Enriquez e elenco

"Auê" mostra que a riqueza da música popular brasileira ainda está em alta
“Auê” usa o teatro para anunciar a riqueza da música popular brasileira com o mérito maior de ser um espetáculo com canções completamente originais. Dirigido por Duda Maia, o grupo “Barca dos Corações Partidos” se formou no processo de montagem dos musicais “Gonzagão – A lenda” e “Ópera do Malandro”, ambos dirigidos por João Falcão e produzido por Andréa Alves (Sarau Produtora). No elenco, estão Ádren Alves, Alfredo Del-Penho, Beto Lemos, Fábio Enriquez, Eduardo Rios, Renato Luciano, Ricca Barros e Rick de La Torre, todos eles também compositores ao lado dos colaboradores Moyseis Marques, Bena Lobo, Geraldo Júnior e Laila Garin. São 21 belas canções que tratam essencialmente do amor, de suas dores, de suas belezas e feiuras, de seus traços mais humanos. Em cartaz no Teatro de Arena – Espaço SESC Copacabana até 31 de janeiro, o espetáculo vale a pena ser visto por quem gosta de ouvir boa música e principalmente está aberto a conhecer novos e ótimos compositores nacionais.

O amor na dramaturgia
Do ponto de vista da dramaturgia, “Auê” está exatamente ao lado de outras produções recentes como “Beatles num céu de diamantes” (com canções dos Beatles), “Nada será como antes” (do Milton Nascimento), “Be careful, it’s my heart” (de Irvin Berlin) , “Palavra de mulher” (de Chico Buarque) e tantas outras. Lá como aqui, não há uma narrativa clara – embora ela seja possível -, mas uma justaposição lírica e melódica de textos que, unidos por um tema comum, tratam de um tema. A diferença é que aquelas produções partem da celebração de um compositor conhecido e trazem ao seu público seus trabalhos mais e menos famosos frequentemente em novos arranjos ou contextos poéticos. Já, em “Auê”, todas as composições são originais e os autores não são conhecidos do grande público. Esses dois fatores não têm qualquer relação com a visível beleza desse valoroso trabalho.

Na primeira canção, “A barca dos corações partidos” (Moyseis Marques e Bena Lobo), o grupo parte para enfrentar os perigos da vida e já sofre em “Versim de amor” (Renato Luciano). No talvez melhor quadro do espetáculo, Eduardo Rios apresenta o seu “Doideira de Amor – Cordel”, quando o personagem hesita se deve viver com o amor ou se deve retirar de si o coração e ficar “perdido”. Em seguida, vêm outras belas reflexões como “Já passou” (Beto Lemos e Geraldo Júnior) e “Saudade”(Beto Lemos) para então chegar à ótima “Vida doida” (Renato Luciano e Laila Garin). Fábio Enriquez protagoniza outro dos melhores momentos em “Dom de um amor só” (Eduardo Rios). O espetáculo chega ao fim com “Passarinho de toda cor” e com “Ali” ( ambas de Renato Luciano).

Belíssima luz de Renato Machado
Como acontece em espetáculos com esse tipo de dramaturgia, o espectador vai assumindo a responsabilidade pela narrativa que vai se descortinando. No palco, o elenco apresenta apurada investigação musical e corporal, driblando limites dos alcances vocais com lindas colaborações. Participam vivamente do quadro o sempre excelente desenho de luz de Renato Machado que, ao lado da direção de arte de Kika Lopes, eleva os méritos artísticos de “Auê”.

Música, dança, prosódia e cor fazem parte de “Auê” de maneira íntegra, permitindo ao público conhecer as canções, afeiçoar-se a elas, acompanhar seus personagens e viver enorme prazer estético. Eis aqui um espetáculo que vale a pena ser visto!

*

Ficha técnica:
Um espetáculo da Barca dos Corações Partidos
Direção: Duda Maia
Direção musical e arranjos: Alfredo Del-Penho e Beto Lemos

Com:
Ádren Alves (Percussão, sax soprano e vocais)
Alfredo Del-Penho (Violão, guitarra, baixo, cavaquinho, flauta, percussão e vocais)
Beto Lemos (Guitarra, violão, rabeca, sanfona e percussão)
Eduardo Rios (Sanfona, sax tenor e vocais)
Fabio Enriquez (Trompete, percussão e vocais)
Renato Luciano (Violão, trombone e vocais)
Ricca Barros (Baixo, sax alto e vocais)
Músico convidado: Rick de La Torre (Bateria)


Iluminação: Renato Machado
Direção de Arte: Kika Lopes
Direção de produção: Andréa Alves
Diretor assistente: Eduardo Rios

Coordenação de Produção: Leila Maria Moreno
Produção Executiva: Monna Carneiro
Assistente de iluminação: Rodrigo Maciel
Assistente de direção de Arte: Rocio Moure
Preparação dos instrumentos de sopro: Gilson Santos
Fotografia: Silvana Marques
Programação Visual: Beto Martins e Gabriela Rocha
Assessoria de Imprensa: Factoria Comunicação

Brimas (RJ)

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Foto: Guga Melgar

Beth Zalcman e Simone Kalil

“Brimas” dá a 2016 um ótimo início de temporada teatral carioca

“Brimas” celebra a amizade que atravessa as diferenças e ajuda o homem a enfrentar o dia a dia. Escrita pelas atrizes Beth Zalcman e Simone Kalil com muita delicadeza, a peça traz as duas interpretando Ester e Marion em ótimos trabalhos de interpretação. Na história, as personagens deixaram o Egito e o Líbano ainda crianças, mantendo no Brasil suas culturas judaica e católica maronita na criação dos filhos e na luta pela sobrevivência. Sob direção de Luiz Antônio Rocha, a montagem está em cartaz no Teatro Cândido Mendes, em Ipanema, na zona sul do Rio de Janeiro.


Plateia: parte íntima do contexto narrativo
A história começa com os preparativos de Ester e de Marion para um enterro que vai sair. Sem choradeira, as duas aproveitam o tempo para colocar o papo em dia e para cozinhar para os outros presentes na cerimônia. As fofocas familiares, as esperanças e as decepções se misturam a receitas culinárias e a teses sobre a família, o mundo de hoje e o passado. Ester, casada com o próprio tio, saiu do Egito quando era criança e constituiu família aqui, mantendo a cultura judaica até a velhice. Marion, com uma história parecida, veio do Líbano.

No texto, indicado ao Prêmio Shell de dramaturgia, lá pelas tantas, Ester e Marion dão lugar para Beth e para Simone. O discurso pessoal das atrizes invade o das personagens para dar-lhes outro sentido: elas são avós das autoras. Nesse momento, o público fica sabendo de que a peça partiu das lembranças familiares que foram até então restritas aos seus universos privados. Assumindo o tom de confissão, o espetáculo faz com que a plateia se sinta parte íntima do contexto narrativo, o que traz ao todo outro (e melhor) sabor.

Ainda que parta de algumas marcas que só ajudam o espectador a se localizar nas culturas de que a peça trata, “Brimas” tem o mérito de chegar rapidamente a outro patamar. A amizade entre Ester e Marion, se não verdade fora da narrativa, parece muito natural na ficção. Mas o melhor é que, ao mesmo tempo que celebra os laços familiares que só as relações de sangue tradicionalmente podem construir, valoriza o companheirismo entre duas pessoas que escolheram estar e se manter juntas através do tempo. Belíssimo!

Simone Kalil e Beth Zalcman em ótimos trabalhos de interpretação
Simone Kalil e Beth Zalcman estão em ótimos trabalhos de interpretação. Suas presenças são carismáticas, os sotaques dão outro sentido para suas dicções claras, os corpos estão íntegros. Com marcas de personalidade muito distintas, o encontro entre Ester e Marion tem sua riqueza reveladora da força de “Brimas”.

O cenário de Toninho Lobo é composto por malas. De modo sensível, elas anunciam que a peça tratará sobre lembranças, partidas, sobre movimentos através do tempo e no espaço. A luz de Aurélio De Simoni usa bem o palco, ampliando suas possibilidades em ótimo uso de suas potências estéticas. O figurino de Claudia Goldbach colabora com o ritmo na medida em que valoriza o universo particular de cada personagem e prepara o público para a ação que ocorrerá entre elas.

“Brimas”, que estreou em dezembro, dá a 2016 um ótimo início da temporada teatral carioca. A ver!


*

Ficha técnica:
Texto e atuação: Beth Zalcman e Simone Kalil
Direção: Luiz Antônio Rocha
Assistente de direção: Valéria Alencar
Cenário: Toninho Lôbo
Figurino: Claudia Goldbach
Iluminação Cênica: Aurélio De Simoni
Programação visual: Davi Palmeira
Preparação de elenco: Beth Zalcman
Programação visual: Davi Palmeira
Assessoria de imprensa: Minas de ideias
Elaboração de projeto: Jenny Mezzencio
Produção executiva: Sandro Rabello
Direção de produção: Beth Zalcman, Simone Kalil e Sandro Rabello
Realização: Mabruk Produções e Diga Sim Produções

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Retrospectiva teatral 2015: um Rio de Janeiro de muitos espetáculos

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Foto: divulgação


"Kiss me, Kate", "Krum", "Salina"e "Caranguejo Overdrive"foram alguns destaques em 2015

Retrospectiva teatral 2015: um Rio de Janeiro de muitos espetáculos

2015 foi um ano bastante rico para a programação teatral do Rio de Janeiro. Por semana, uma média de noventa produções estiveram em cartaz na cidade entre espetáculos para adultos, para crianças, de dança e apresentações circenses. Um feito! Abaixo um panorama do que de mais relevante estreou para o público adulto. Constam projetos novos e também produções de outros estados que ainda não tinham se apresentado por aqui.


Monólogos. O ano foi repleto de grandes solos que deram destaque às interpretações individuais. Vale o destaque para:

Silvero Pereira em "BR-Trans"
“Perdas e Ganhos”: adaptação livro homônimo de Lya Luft com direção de Beth Goulart, esse belo monólogo trouxe de volta aos palcos a atriz Nicette Bruno.

“Um pai (puzzle)”: em destacável trabalho dirigido por Guilherme Leme Garcia e por Vera Holtz, Ana Beatriz Nogueira interpretou a filha do psicanalista Lacan.

“Eugênia”: primeiro monólogo de Gisela de Castro, a deliciosa comédia foi dirigida por Sidnei Cruz e contava a história de uma amante de Dom João VI.

“O narrador”: o texto original de Diogo Liberano trouxe o próprio, emocionando a plateia a partir de artigo de Walter Benjamin sobre Nikolai Leskov.

“A geladeira”: Márcio Vito esteve em bela atuação no monólogo do argentino Copi (1939-1987), cuja obra foi celebrada em programação especial.

“BR-Trans”: produção gaúcha e cearense sobre transexualidade ganhou elogios de todo o país e enfim se apresentou no Rio. Silvero Pereira em bela atuação.

“Se vivêssemos em um lugar normal”: em ótimo trabalho de interpretação, Roberto Rodrigues adaptou romance homônimo de Juan Pablo Villalobos.

“Pra mim, chega! – Uma história carioca”: Miguel Thiré brilhou em comédia dele e de Carlos Arthur Thiré sobre personagens cotidianos do Rio de Janeiro.

“A voz humana”: célebre monólogo de Jean Cocteau ganhou nobre versão interpretada por Claudia Ohana com direção de José Lavigne.

“Uma Ilíada”: uma das melhores interpretações do ano, Bruce Gomlevsky apresentou excelente versão do épico de Homero.

“Mamãe”: o ator Álamo Facó em tocante monólogo sobre a morte de sua mãe, a arquiteta Marpe Facó Soares Drummond, falecida em 2010.

*****

Homenagens. A programação de teatro carioca fez muitas homenagens. A seguir, alguns destaques:

Cia. Atores de Laura em "O Pena Carioca"
“S`imbora, o musical – A história de Wilson Simonal”: com Ícaro Silva no papel título, excelente espetáculo homenageou o famoso cantor (1938-2000).

“Eu não dava praquilo”: monólogo de Cássio Scapin de 2013 finalmente veio ao Rio. Texto de Cássio Junqueira homenageou a atriz Myrian Muniz (1931-2004).

“João Cabral”: a Companhia Teatro Íntimo apresentou elogiado espetáculo a partir de textos do pernambucano João Cabral de Melo Neto (1920-1999).

“Amargo fruto – A vida de Billie Holiday”: musical biográfico com Lilian Valeska homenageou cantora americana (1915-1959). Direção de Ticiana Studart.

“O Pena Carioca”: a Cia. Atores de Laura celebrou os duzentos anos de nascimento de Martins Pena (1815-1848), apresentando três de suas comédias.

“Guerrilheiras ou Para a terra não há desaparecidos”: espetáculo idealizado por Gabriela Carneiro da Cunha trata do desaparecimento de mulheres na Guerrilha do Araguaia nos anos 70. Texto de Grace Passô e direção de Georgette Fadel.

“Por amor ao mundo – um encontro com Hannah Arendt”: escrito por Márcia Zanelatto, a peça era sobre o pensamento da filósofa alemã (1906-1975).

“Ludwig/2”: espetáculo da Artesanal Cia. de Teatro celebra o Rei Ludwig II (1845-1886), da Baviera. Dirigido por Henrique Gonçalves e Gustavo Bicalho.

“A noiva do condutor”: A opereta de Noel Rosa foi motivo para Marcelo Nogueira, Izabella Bicalho e Rodrigo Fagundes, no elenco, homenagearem o compositor.

“Nordestinos”: produzido por Alexandre Lino, peça foi escrita a partir de histórias de nordestinos que vieram morar no Rio. Direção de Tuca Andrada.

“Satã, um show para madame”: monólogo musical dirigido por Édio Nunes e interpretado por Leandro Melo homenageou Madame Satã (1900-1976).

“Andança – Beth Carvalho, o musical”: espetáculo biográfico dirigido por Ernesto Piccolo, celebrou os 50 anos de carreira da Madrinha do Samba.

Em 2015, alguns artistas apresentaram espetáculos celebrando com méritos suas próprias carreiras. Vale lembrar dos belíssimos monólogos “Autobiografia autorizada” e “Passando batom”, em que Paulo Betti e Jane Di Castro emocionaram o público, narrando suas histórias de vida. E também de “Raia 30 – O musical” (foto), em que Cláudia Raia celebrou com pompa e circunstância seus 30 anos de vida profissional.

*****

Dramaturgias originais: dentre os vários espetáculos que tiveram dramaturgias originais, podemos listar alguns de altíssima qualidade estética. Entre eles, estão:

Elisabeth Monteiro, Gustavo Barros e Tiago d`´Avila em "Antologia do Remorso"
“Bilac vê estrelas”: com trilha sonora original de Nei Costa, o espetáculo partiu do livro de Ruy Castro com personagens como Olavo Bilac e José do Patrocínio.

“Antologia do Remorso”: o texto de Flávia Prosdocimi, organizado em cinco crônicas, foi comparado aos de Nelson Rodrigues devido a sua qualidade.

“Sexo neutro”: trazendo a pauta da transexualidade, o autor e diretor João Cícero teve seu espetáculo em destaque na programação teatral de 2015.

“Pequenos poderes”: essa excelente comédia foi escrita por Diego Molina e apresenta cinco quadros fáceis de relacionar com o momento atual. Ótimo!

“Não nem nada”: muito elogiado em São Paulo, em 2014, o espetáculo com texto de Vinícius Calderoni finalizou temporada no Rio no ano passado com sucesso.

“Caranguejo Overdrive”: muito elogiada em 2015, a peça une Guerra do Paraguai e temas atuais. Direção de Marco André Nunes e texto de Pedro Kosovski.

"War": em nova comédia de Renata Mizhari, três casais de amigos se encontram para jogar uma partida de War e discutir a relação.

“Bolo de carne”: A Cia. em Obra e a Sala Escura Cia de Teatro se encontraram nesse texto escrito por Pedro Emanuel e dirigido por Iuri Kruschewsky.

“Ideia fixa”: dirigido por Henrique Tavares, essa comédia inteligente de Adriana Falcão trata da dificuldade de se libertar de relacionamentos do passado.

Além desses, houve espetáculos que, adaptando outras obras, também tiveram muito sucesso. Em “Para os que estão em casa”, Leonardo Netto apresentou nova versão do filme “Denise está chamando”, de 1996. “Hamlet ou Morte!” (foto), produzido pelo grupo Os Trágicos, ampliou a esquete “Hamlet em 15 minutos”, de Tom Stoppard. No ótimo “Madame Bovary”, Bruno Lara Resende recebeu muitos e merecidos elogios por sua adaptação do romance homônimo de Gustave Flauber. Flávio Marinho, por “Estúpido Cupido”, teve destaque por sua versão para musical a partir da telenovela de Mário Prata.

*****

Interpretações. A qualidade nas interpretações em espetáculos musicais e não-musicais foi altíssima em 2015. Os prêmios precisarão se ajustar à nova feliz realidade nos anos vindouros.

Renato Carrera, Silvero Pereira, Danilo Grangheia, Rodrigo Bolzam, Bruce Gomlevski, Nicola Lama e Daniel Infantini brilharam ao lado de José Mayer nas melhores interpretações masculinas de 2015

Renato Carrera em “O homossexual ou A dificuldade de se expressar”

Dentre as interpretações masculinas, receberam destaque os trabalhos de Cássio Scapin em “Eu não dava praquilo”, de Matheus Macena em “Caranguejo Overdrive”, de Johnny Massaro em “Cara de Fogo”, de Miguel Thiré em “Pra mim, chega! – Uma história carioca”, de Mathias Wunder e de Yuri Ribeiro em “Hamlet ou Morte!” e de Roberto Rodrigues em “Se vivêssemos em um lugar normal”.

Houve também os elogiados Manoel Madeira em “Ludwig/2”, Renato Carrera em “O homossexual ou A dificuldade de se expressar”, Rogério Fróes em “Família Lyons”, Joaquim Lopes e Tonico Pereira em “Anti-Nelson Rodrigues”, Silvero Pereira em “BR-Trans” e Bernardo Mendes e Leonardo Franco em “Talk Radio”.

Estavam excelentes também Rodrigo Ferrarini, Rainieri Gonzalez e Danilo Grangheia em “Krum”, Joelson Medeiros em “Madame Bovary”, Rodrigo Bolzam (foto) em “projeto brasil”, Paulo Hamilton em “O Pena Carioca”, Bruce Gomlevsky em “Uma Ilíada” e Bruno Autran, Flávio Tolenzani e Daniel Infantini em “The Pillowman – O Homem Travesseiro”. 

Nos musicais, se destacaram Ícaro Silva em “S`imbora”, Nicola Lama (foto) em “Nine, um musical felliniano” e Gracindo Jr., Cláudio Lins e Thelmo Fernandes em “O Beijo no Asfalto”. Gustavo Gasparani brilhou em “SamBRA”e André Dias foi destaque em “Bilac vê estrelas”, mas também em “Ou tudo ou nada” em que também se destacou Cláudio Mendes. O ano de 2015, porém parece ter sido de José Mayer em “Kiss me, Kate! – O beijo da megera”, que também teve ótimas participações de Will Anderson e de Guilherme Logullo.

Letícia Isnard, Carolina Virguez, Laila Garin, Débora Falabella, além de Alessandra Verney e de Renata Sorrah, foram atrizes em trabalhos de destaque em 2015

Carolina Virguez em "Caranguejo Overdrive"

Apresentaram excelentes trabalhos, as atrizes Suzana Faini em “Família Lyons”, Ana Paula Secco em “O Pena Carioca”, Cristina Flores em “Sexo neutro”, Ana Beatriz Nogueira em “Um pai (puzzle)”, Kelzy Ecard em “Por amor ao mundo – um encontro com Hannah Arendt”, Gisela Castro em “Eugênia”, Claudia Ohana em “A voz humana” e Suzana Nascimento e Débora Lamm em “El Pánico”.

No ano passado, na programação de teatro carioca, houve ainda Beth Zalcmann e Thaís Loureiro em “Boa noite, mãe”, Heloísa Jorge em “Race”, Júlia Bernat e Soraya Ravenle em “Cara de Fogo”, Letícia Isnard em “Marco zero”, Paula Cohen em “As lágrimas quentes de amor que só meu secador sabe enxugar”, Verônica Reis em “War”, Mariana Consoli em “Pequenos poderes” e em “Talk Radio” e Débora Falabella em “Mantenha fora do alcance do bebê”.

Renata Gaspar e Mariana Constantino se destacaram em “Não nem nada”, Luísa Arraes, Adassa Martins e Vilma Mello em “Santa Joana dos Matadouros”, Carolina Virguez em “Caranguejo Overdrive” e em “Guerrilheiras ou Para a terra não há desaparecidos” e Grace Passô, Inez Viana e Renata Sorrah (foto) em “Krum”, essa última em um dos melhores trabalhos do ano ao lado de Ariane Hime e de Tatiana Tibúrcio em “Salina (a última vértebra).

Nos musicais, Janaína Azevedo e Laila Garin (foto) brilharam em “O Beijo no Asfalto”, Malu Rodrigues e Totia Meirelles em "Nine", Alice Borges em “Bilac vê estrelas”, Kakau Gomes, Patrícia França e Sylvia Massari em “Ou tudo ou nada”, Ana Berttines em “Andança – Beth Carvalho, o musical”, Fabi Bang e Alessandra Verney em “Kiss me, Kate! – O beijo da megera” e Cláudia Raia em “Raia 30.

*****

Outros destaques. As trilhas sonoras originais de “Bilac vê estrelas” (músicas de Nei Lopes e direção musical de Luís Felipe de Lima) e de “O Beijo no Asfalto, o musical” (músicas de Cláudio Lins e direção musical de Délia Fischer) foram destaques na programação teatral de 2015 no Rio de Janeiro. A pesquisa de sonoridades e interpretação ao vivo de todos os diversos instrumentos musicais por Fábio Simões Soares em “Salina (a última vértebra) também foi um dos pontos altos nesse quesito. Os direções musicais de Marcelo Alonso Neves em “Amargo fruto – A vida de Billie Holiday” e de Paulo Nogueira em “Nine, um musical felliniano”, assim como a de Marcelo Castro em “Kiss me, Kate! – O beijo da megera” receberam igualmente merecidos elogios.

Cenário de Bia Junqueira para "Santa"

Os figurinos de Carol Lobato para “Kiss me, Kate!”, assim como os de Ana Teixeira e de Stephane Brodt para “Salina” e os de Ticiana Passos para “Krum”, ou os de Lino Villaventura para “Nine” e os de Joana Lima para “El Pánico” fizeram ótimas contribuições para os espetáculos. Vale lembrar ainda os cenários de Fernando Mello da Costa para “O Pena Carioca”, de Bia Junqueira para “Santa” e para “Meu saba”, de Ronald Teixeira para “Perdas e Ganhos” e para “Ideia fixa” e de Aurora dos Campos para “Cara de cavalo”.

"The Pillowman - O homem travesseiro"
De modo ímpar, a articulação entre todos os elementos estéticos deram a ver produções de enorme beleza em 2015. Lista-se, por exemplo: o colorido de “Salina”, dirigido por Ana Teixeira e por Stephane Brodt; e de “Kiss me, Kate!”, por Charles Möeller e por Cláudio Botelho; e o expressionismo em “The Pillowman – O homem travesseiro”, por Bruno Guida e por Dagoberto Feliz.

De largo impacto visual, foram os espetáculos “BR-Trans”, dirigido por Jezebel de Carli; “SamBRA”, por Gustavo Gasparani; “Santa Joana dos Matadouros”, por Marina Vianna e por Diogo Liberano; e principalmente “Krum”, por Márcio Abreu.

*****

Os melhores espetáculos. Em torno de 200 espetáculos teatrais para público adulto cumpriram primeiras temporadas no Rio de Janeiro ao longo de 2015. Em ordem alfabética, é possível, embora bastante difícil, listar as dez melhores entre essas produções. Vejamos:

"Anti-Nelson Rodrigues"
“Anti-Nelson Rodrigues”: terceira montagem oficial do penúltimo texto do mais célebre dramaturgo brasileiro. Com Joaquim Lopes e Tonico Pereira no elenco.

“BR-Trans”: o ator Silvero Pereira apresenta sua pesquisa sobre o universo dos transexuais no nordeste e no sul do país. Direção de Jezebel de Carli.

"Caranguejo Overdrive": espetáculo da Aquela Cia. de Teatro trata sobre questões essenciais da contemporaneidade no aniversário de 450 anos do Rio de Janeiro.

"Kiss me, Kate! - O beijo da megera"

“Kiss me, Kate! – O beijo da megera”: musical de Cole Porter dirigido por Charles Möeller e por Cláudio Botelho com Alessandra Verney e José Mayer no elenco.

“Krum”: espetáculo da Companhia Brasileira de Teatro com texto do israelense Hanoch Levin dirigido por Márcio Abreu com Danilo Grangheia e Renata Sorrah.

“O Beijo no Asfalto, o musical”: versão musical do texto de Nelson Rodrigues dirigido por João Fonseca com Cláudio Lins e Laila Garin no elenco.

“Salina (a última vértebra)”: espetáculo do grupo Amok Teatro dirigido por Ana Teixeira e por Stephane Brodt com texto do francês Laurent Gaudé.

“SamBRA”: dirigido por Gustavo Gasaparni, musical conta a história do samba no aniversário do mais fomoso ritmo musical brasileiro.

"Santa Joana dos Matadouros"
“Santa Joana dos Matadouros”: texto do alemão Bertolt Brecht dirigido por Marina Vianna e por Diogo Liberano com Luisa Arraes no papel título.

“The Pillowman – O homem travesseiro”: produção paulista do texto de Martin MacDonagh dirigida por Bruno Guida com Daniel Infantini e Flávio Tolenzani.

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Em 2016, boa parte das produções do ano anterior voltarão em cartaz no Rio e em outras cidades do país. Se, como escreveu Carlos Drummond de Andrade, “ir ao teatro é como ir à vida sem nos comprometer”, não ir é como respirar sem agradecer por ela. Feliz ano novo! Aplausos!